11 de mar. de 2025

AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA: PERDE ESTE PAÍS SEU POETA-CRONISTA

 

    Morto terça-feira passada aos 87 anos, o poeta, professor, cronista e crítico literário Affonso Romano de Sant´Anna (Belo Horizonte, 27.03.1937/ Rio, 04.03.2025) partiu sem ter sequer consciência de que sua esposa, a também escritora Marina Colasanti, partira pouco mais de um mês antes dele. Meu amigo estava “fora do mundo”: com Alzheimer desde 2017 e acamado há quatro anos.

    Este é o país que pude/ que me deram/ e ao qual me dei,/ e é possível que por ele, imerecido,/ – ainda me morrerei.”. Assim escrevia Affonso em seu grande poema “Que País é Este?”, lançado em 1980: “Este é um país de síndicos em geral,/ este é um país de cínicos em geral,/ este é um país de civis e generais.// (...) e nesse mundo à avessas/ – a cor da noite é obsclara/ e a claridez é vespertina.”.


Estive com meu amigo Affonso em várias ocasiões, inclusive no lançamento de “Que País é Este?” no segundo semestre de 1980 num imenso, solitário e recém-inaugurado Shopping Rio Sul.  Tão grande e solitário que lembro ter até “perdido” meu carro. Minha amiga Deborah Levinson e eu só fomos encontrá-lo depois de muita procura – sozinho, perdido entre as pilastras de outro andar. Fora o livro, na ocasião ganhei de Affonso um grande e grandioso poster do poema então inédito “O Haver”, do Vinicius, que falecera meses antes. No ano seguinte, o poster-poema ficaria para sempre colado na parede de meu apartamento de Copacabana: até hoje é um dos poemas de que mais gosto do Vinicius. “Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio/ Pelo momento a vir, quando emocionada/ Ela virá me abrir a porta como uma velha amante/ Sem saber que é a minha mais nova namorada.”.

Violão de Rua, SLD, namoro & Festival

 

A primeira vez que vi o nome Affonso Romano de Sant´Anna foi no nº 1 do “Cadernos do Povo Brasileiro/ Poemas para a Liberdade/ Violão de Rua”, editado pela Civilização Brasileira em 1962, que está ainda agora aqui, intacto, em minhas mãos. Ao lado de nomes como Ferreira Gullar, José Paulo Paes, Vinicius de Moraes, Affonso abre essa primeira edição do “Violão de Rua” com “Outubro”, um poema que chamou minha atenção por seu ritmo e assonância – e de que gosto ainda hoje: “”Outubro/ ou nada// Ou tudo/ ou sangue// Outubro/ ou tumba// Outubro/ ou pão// Outubro/ ou tunel// – de emoção”.

Mas nossa amizade começou alguns anos depois, a partir de 1968 (há quase 60 anos!), quando Affonso participava do Programa Internacional de Escritores da Universidade de Iowa, na California, e nos enviava colaborações para o SLD, o Suplemento Literário que eu editava em Cataguases, junto com poeta Joaquim Branco. Logo depois, em 1970, eu o convidaria para ser um dos jurados do Festival Audiovisual. Na época, Affonso era um dos redatores da editoria Internacional do Jornal do Brasil, na velha sede da Avenida Rio Branco, no Rio. Quando estive na redação para fazer o convite, Affonso não só aceitou como pediu para eu convidar também a Marina Colasanti, do Caderno B. Dito e feito.


Cataguases, 1970: uma foto histórica. O júri do Festival Audiovisual tinha tantos famosos que acabamos colocando o pessoal no palco: afinal eles é que iriam brilhar. Atrás de Luiz Carlos Maciel (ao lado de Clementina deJesus, presidente honorária, e do poeta Francisco Marcelo Cabral), uma pensativa Marina Colasanti. Com certeza ela estava pensando no namoro com o Affonso, que está ao seu lado, embora na foto só apareçam as pernas do poeta. Atrás de Marina, o casal de poetas-processo Neide e Álvaro Sá. Atrás da Neide, o poeta Affonso Ávila. Vê-se ainda, ao fundo, o cantor Lúcio Alves, uma das glórias da cidade.

    Eu nada sabia do início do namoro entre os dois. Reservei dois apartamentos para eles no Hotel Cataguases. Quando chegaram para o Festival foram direto para a casa dos meus pais à minha procura. Eu estava no banho e quando saí dou de cara com eles na sala, já à vontade, tomando um uisquinho com meu pai. Antes de entrarmos no carro, Affonso me pediu, “discretamente”, que lá no Hotel falasse para a Marina que, “infelizmente”, só haviam reservado um apartamento e se teria problema de os dois ficarem juntos. Dito e feito 2. 
    A jogada do Affonso deu certo e foi assim que o namoro vingou de vez e eles casariam logo depois e ficariam juntos pelo resto de suas vida. Já eu, sem saber direito da artimanha, fiquei na posição de cupido incauto do casal. Coisa que Marina reconheceria anos depois quando me confessou: “Foi aqui, no Hotel Cataguases, que nosso namoro realmente começou”.

 EXPOESIA I

“Não fique nesta de Olavo Bilac. Ouvir estrelas já era. Inclusive os dodecassílabos, aqueles velhos alexandrinos. A poesia, como qualquer coisa, precisa acompanhar o seu tempo, ser atual & atuante. A poesia não é pura. A poesia é para. É preciso se atualizar constantemente: você sabe o que é linossigno? E palavra-levantamento? E poesia-onça?  Pois é, antes de esperar que a lua lhe dê de bandeja a inspiração para cantar as veiazinhas azuis e o corpo alvíssimo de sua amada mais recente é bom se manter up to date: vá à PUC (ou “vá pra PUC”, como diz meu amigo Rosário Fusco) e veja, sinta, cheire a EXPOESIA I. Saiba porque, como diz João Cabral, a poesia é para. Falar nisso, você sabe quem é João Cabral?”.

Assim eu abria a matéria que publiquei no jornal que então editava, o “News-Lagoa”, sobre a EXPOESIA I – um balanço da vanguarda poética nacional nas três últimas gerações. Um evento de grande importância organizado em outubro de 1973 na PUC/Rio, a Pontifícia Universidade Católica, pelo então diretor do Departamento de Letras, o poeta Affonso Romano de Sant´Anna.

E meu texto continuava: “Sob os pilotis do prédio Kennedy e no saguão de entrada da Biblioteca Central, encontra-se uma selva selvaggia, muitas vezes oscura, de cartazes, pôsteres, cubos, manuscritos, caixas-surpresas, livros de vários formatos, poemas-acrílico, poemas-plásticos e poemas-objeto. Todas as tendências & processos da poética brasileira dos últimos anos: do meta-soneto ao poema-processo.

“Dessa junção dos vários movimentos & veredas por onde foi se formando a trajetória da poesia nacional pretende-se, inicialmente, uma retrospectiva deles (Concretismo, Neoconcretismo, Práxis, Tendência, Processo) e, mais objetivamente, promover um levantamento da poesia de hoje, suas formas e condições de subsistência. E é exatamente por isso que a mostra estará aberta a todas as tendências & movimentos, mesmo – ou principalmente – os casos isolados e marginais. Não haverá “sem censura estética”. Aliás, seria inconcebível.”.

Fala, Affonso

Alguns flashes da longa entrevista que fiz com Affonso sobre o evento EXPOESIA I:

”Mineiro da geração Tendência, o poeta Affonso Romano de Sant´Anna, diretor do Departamento de Letras e Artes da PUC e organizador da EXPOESIA I, acredita que este seja o momento de um retorno da poesia, como se vê nos tópicos a seguir.

– Após um período de efervescência na produção de diversos movimentos de poesia de vanguarda, de uns tempos para cá a poesia parece ter se silenciado, ou vivido às expensas da música popular. Uma observação mais atenta revela, contudo, que a poesia permanece sob os mais diferentes disfarces e que ela não apenas sobrevive como exige novos olhos para ser percebida.

– A EXPOESIA I não limita nem constrange a participação dos poetas. Não se trata de seccionar a priori um tipo específico de poesia, eliminando os demais. Trata-se de levantar o que existe hoje, para marcar as “semelhanças e diferenças” com os processos poéticos anteriores.

– Nesse sentido, além servir como retrospectiva e como possibilidade de levantamento da poesia hoje, a EXPOESIA I tem como finalidade aproximar a Universidade da literatura viva, incentivando o espírito criativo de alunos & professores. E a Universidade é o lugar natural para uma promoção deste gênero, pois ela é o maior público consumidor de literatura e a organizadora virtual da cultura de um país.

Foi um grande evento, uma jogada de mestre do grande mestre que Affonso sempre foi. Ao desenvolver várias “áreas de levantamento” (perdão, Mário Chamie), a EXPOESIA I mostrou-se sonora (falada, gravada, cantada), visual (cartaz, slide, super-8) e escrita (livros & quejandos), ou seja, com a devida licença dos irmãos Campos: verbivocovisual. Paralelamente, foram realizados debates, projeções de filmes, mesas-redondas & etc., com a presença dos integrantes de todos os grupos da vanguarda poética nacional. 

LIBERTARDE NO JB

Mas, dias antes da EXPOESIA I, meu amigo Affonso me reservara uma grata surpresa ao publicar meu poema visual Libertarde no Jornal da Poesia, que ele editava no então poderoso Jornal do Brasil. Foi assim que naquele sábado, 29 de setembro de 1973, levei um susto ao ver meu nome nada mais nada menos que na primeira página do JB, na chamada de capa para o Jornal da Poesia, que saía junto com o Caderno B. Um texto (do Affonso?) que dizia qualquer coisa como: “O Jornal da Poesia publica hoje um poema de Pablo Neruda, morto no último domingo, e um poema visual de Ronaldo Werneck”. Ora por quem sois! Ainda por cima meu nome saiu junto ao de Pablo Neruda! O poema de Neruda era Walking Around, assim mesmo, em inglês. E o meu Libertarde, em negrito, caixa alta e letras garrafais, se destacava visualmente na página do Jornal da Poesia. Nunca mais meu nome foi estampado na capa do JB. E nunca mais vai ser, já que JB não há mais. Gracias, Affonso!

Selvaggia na Veja

Em meio às suas pesquisas para a produção do filme O mundo é macio e perigoso, que está sendo realizado sobre os meus 80 anos de vida e literatura, o diretor Murillo Azevedo encontrou um texto publicado em 1976 por Affonso Romano de Sant´Anna na revista Veja, quando do lançamento de meu livro Selva Selvaggia. Foi uma surpresa, pois eu desconhecia a publicação do Affonso: na época, aquela edição da Veja passou completamente desapercebida por mim. Interessante que Affonso cita em seu texto, entre outros, o poema, O mundo é macio e perigoso  que acabaria sendo o título do filme em construção. Transcrevo a seguir trechos da resenha de Affonso.

 “Neste cinepoema, a poesia vive uma odisseia no espaço. Selva Selvaggia não é o título de mais um livro de poesias, mas sim o nome de um cine-poema. O poeta-roteirista e diretor extraiu o argumento desta edição de fatos vivenciados por ele mesmo no eixo Minas-Bahia-Rio, entre 1962-1975, e de “outros lidos, vistos, consumidos – pelo telstar, pela tv, pelo cinematógrafo”. Para Glauber Rocha, um filme não é arquitetura de efeitos, mas expressão visual de problemas. Talvez esteja nestas palavras de Glauber a explicação para a proposta poética de Ronaldo, que sem dúvida alguma suou e sofreu para compor seu poema – “na rua, na cama, no teclado da máquina, subitamente dentro de um cinema”.

“Ronaldo Werneck é um poeta amadurecido em barris de carvalho. A quem brinda? A Oswald de Andrade, Fellini, Mallarmé, Jorge de Lima, Mário Faustino, João Cabral, Maiakóvski, Camões, e.e. cummings e muitos outros. O que brinda o poeta? A palavra e o homem. Em Selva Selvaggia, o leitor-espectador encontrará dez seqncias, e a primeira abre a cena com o poeta refletindo sobre seu ofício: procurando estruturar os elementos necessários para a cine-viagem, através das palavras, imagens, espaços em branco.

“Vejamos o poema Três haicais à la carte: 1) os brancos impressos/ entre as letras são tetas/ leite submerso. 2) pedra sal e sonho/ apreender com o corpo/ sol cotidiano. 3) do amor não a/ prendeu a tonalidade/ ar e amar´elo”. Notam-se influências joycenas – pelas associações sonoras – e de cummings – pela desintegração das palavras. Entre os melhores exemplos de total libertação, os poemas Telstar, 2001 o espaço poético, Canção da espera, Réu´p, Full-time, Pranto-socorro e outros em que as palavras se agrupam coerentemente e se estruturam formando mosaicos visuais e fragmentos sonoros.

“O poeta encerra a seqncia cinco com o poema-processo Pop/lar um poema eletrodoméstico, social, em que aparece uma página de jornal anunciando uma liquidação de geladeiras, aparelhos de tv, liquidificadores, fogões, bicicletas, enceradeiras. Na mesma página, a notícia – O mundo é macio e perigoso – é o título do poema-texto, que tem como ilustrações fotografias de crianças rindo e correndo de felicidade. Neste poema-texto Ronaldo mostra em versos como vê a realidade social deste mundo macio e perigoso. – “Uma canção de espera/ uma canção de esperança/ ancião/ ânsia/ canção/ anunciação/ retribuição/ risos/ grunhidos/ febre/ vômito/ de esperança/ é o mundo/ que te anuncio.

 Selva Selvaggia  é um desabafo de seu autor, refletido em uma boa dose de sentimentalismo poético, misturado com muita poesia concreta e alguns poemas-processo”.

Affonso Romano de Santana

Revista Veja, São Paulo, maio de 1976

 

O poeta “guerrilheiro e exilado”

Em 1980, com meu poema Rhó já hiju Asunción (em guarani, qualquer coisa como “Assunção, eu te amo”), venci o Prêmio PUC/Itaú de Poesia. Prêmio recebido (melhor, “ganho”, pois era uma grana mais que razoável) das mãos do meu amigo Affonso Romano de Sant´Anna, presidente do júri, que se disse surpreso quando soube que eu tirara o primeiro lugar.

Isso porque ele “tinha quase certeza” de que o poema, com seus “ares revolucionários”, era de algum “guerrilheiro exilado na América Latina”.  Nem bem o Affonso acabou de me dizer isso, ele e eu caímos na risada. O poema era mesmo deste mineiro aqui, um poeta de Copacabana que passara em 1977 uma temporada em Asunción del Paraguay, com direito a Recuerdos de Ipacaraí & otras cositas más.

Fragmento final de meu imenso poema: “fumo lark/ bebo cutty sark// vista assim/ súbito/ é marítima/ a paisagem/ rio-chaco// como em brasília/ é marinha a passagem/ entre a solidão/  e o cerrado// fumo lark/ bebo cutty sark// na plaza de los héroes/ sob o luminoso/ onde se lê/ paz/ trabajo/ bienestar/ con stroessner// el niño/ me vende cigarrillos/ y scotch/ e oferece/ por mil guaranis/  el cabacito de la hermana// GRACIAS!// bebo lark/ fumo cutty sark.

FBN: Ler o Mundo

Em 06.12.1990, o Caderno B do Jornal do Brasil estampava: “Nova cultura entra no ar”, remetendo à importância da indicação de Lélia Coelho Frota para o Patrimônio Cultural, de Mário Brochmann para o IBAC e de Affonso Romano de Sant´Anna para a Biblioteca Nacional. No dia seguinte, era a vez do Correio Braziliense estampar: “A cultura renasce na paixão dos artistas. Affonso Romano de Sant´Anna assume a FBN-Fundação Biblioteca Nacional e lidera a onda de otimismo”.

Intelectual que sempre incentivou a leitura, Affonso presidiu a Fundação Biblioteca Nacional entre 1991 e 1996 e ali, entre outros grandes projetos, comandou a criação do Sistema Nacional de Bibliotecas e do Proler.  “Ler é ler o mundo”, escreveu em seu livro sob o mesmo título (“Ler o Mundo”, Global Editora, São Paulo, 2011).

“Ler é refazer o real pelo imaginário, potencializando a realidade – dizia Affonso. Ler é reunir os signos dispersos, decodificar as informações, seja numa página, seja na estrutura de um prédio, na conjuntura de uma instituição ou no discurso que cada momento histórico expõe na fala e nas ações dos indivíduos”.

E assinalava: “(...) Aquelas coisas que Machado e Borges diziam: ler é uma forma de escrever, escrever é também uma forma de ler. (...) Como se vê, a leitura pode ser, em qualquer idade, um acontecimento na vida das pessoas. Um acontecimento que reordena tudo, passado e futuro. Até a esperança da gente nesse desastrado país”. 

Poesia Sempre

Sempre um grande divulgador de poesia, o novo presidente da Biblioteca Nacional não fez por menos: lança em 1993 a revista Poesia Sempre. Com o objetivo de proporcionar espaço para a produção poética contemporânea, a criação de Affonso Romano de Sant´Anna resiste até hoje. Ainda em 1993, recebo ligação de Affonso, perguntando se eu não gostaria de escrever uma resenha para o número 2 de Poesia Sempre, falando de um livro lançado por uma bailarina gaúcha que vivera alguns anos na Alemanha.

 Nem bem disse OK e o livro já me chegava às mãos. Dei uma folheada e não gostei nadica. Falei com o Affonso que não gostara: se fosse escrever, iria ser sincero e, até, imagina!, procurar algumas possíveis saídas para os poemas da moça. Affonso respondeu de lá: “Escreva o que bem entender. Nem sempre a gente pode só elogiar”. Dito e feito. E lá fui eu, nem bem elogiando nem bem massacrando de vez, a navegar pelo Alegro-Melancólico que dava título ao livro e deixava ver sua, vamos dizer, essência.

Dito e feito e publicado em julho de 1993 no número 2 da Poesia Sempre: “Da ´fase alemã´ da autora – eu escrevia – nasceu esse livro de estreia, poesia inspirada de fundo romântico-existencial. (...) Poesia metafísica? Sim, bem ao gosto dos que acreditam poder ouvir o cântico das esferas. Poesia por onde circulam esparsas sibilações ao som de Bach, que evidenciam sua afinidade musical em compasso Alegro-Melancólico.

“(...) Mas não é no ritmo, e sim no jogo de ideias que se busca corporificar a poesia nesses poemas. Percebe-se que os punti luminosi pouco cintilam nos ritmos ou perquisições filosóficas. Explodem, sim, em imagens que, aqui e ali, ponteiam inusitadas associações feitas poesia, como no decassílabo (de pé quebrado) “Aprender tem esse ritmo de fruta”. Curioso ressaltar como a marcação rítmica dialoga em criadora isomorfia com a semântica deste verso, onde a tônica mais forte instala-se exatamente na palavra “ritmo’, núcleo de seu significado”.

E por aí ia eu, meio no “morde & assopra”: “Partir frases não produz poemas, muito menos poesia. Diferente é construir imagens, concretizar na palavra ideias e sensações que permitam o aparecimento da poesia. Nada a ver com exclamações ou reticências que desvelam o óbvio e suprimem o aparecimento da poesia. (...) Ver é voar. Punti luminosi crepitando na constelação do acaso. Há que retomar o fio do poema, tecer a teia-trilha de suas saídas. Rumo à poesia.”.

Pois bem, eu havia viajado e não fui ao lançamento da revista. Dias depois o Affonso me liga: “Você nem pode imaginar o que aconteceu, Ronaldo. Quando soube que sairia uma resenha de seu livro, a moça veio direto da Alemanha para o lançamento. Nem bem bateu os olhos na sua resenha ficou uma fera. Queria mesmo era bater em você”. Pois é, deu um bode dos diabos. Acontece. Soube depois que ela estava namorando um de nossos grandes poetas, com quem eu me correspondia. Achei que também ele não falaria mais comigo, mas nunca tocou no assunto. Nunca vi a moça, nunca mais soube dela, nem sei onde anda seu livro, se é que ainda está aqui em casa. Desaconteceu.

Em agosto de 1994, o numero 4 da Poesia Sempre publicaria dois de meus poemas: Farol (“Faz no fundo um furor funâmbulo/ noctâmbulo, só noite e mundo/ súbito – penumbra, preâmbulo// (...) // faz-se no sobressono uma fresta/ uma réstia, sobrepondo/ luz ao que resta, luz canhestra”) e  Galo/Calo (“... há sempre/ o levante/ a surpresa deste dia/ onde brindo/ antes/ mais uma vez/ à polissemia/ ou não/ é isso/ não/ é isso/ de repente me calo/ e deixo ao galo seu ofício”.

Passaram anos, muitos anos, como na velha canção. Já neste século, em 2012, o nº 36 da Poesia Sempre, em seu ano 18 – a Biblioteca Nacional não mais sob as ordens de Affonso Romano de Sant´Anna –, publicava uma edição especial sobre Minas Gerais e sua poesia editada pelo poeta Afonso Henriques Neto. E lá estava eu com meu Verão entre Ávilas, Drummonds, Henriquetas, Murilos, Mouras, Navas, Nunes, Romanos e mais alguns Verdes (Ascânio, Chico Peixoto, Fusco) e quantos mais viessem: ah havia tanto/ tanto joyce/ no original reler/ pound os gregos/ os provençais/ havia tanto/ tanto tempo perdido. 

Mítica Cataguases

Faculdade de Letras, Cataguases, 2000: Sentados na parte de trás: Wlademir Dias-Pino, Aquiles Branco, Fernando Cesário, P.J. Ribeiro (Pedro Branco) e Francisco Marcelo Cabral. Sentados na frente: D. Ione das Neves, Idalina Nunes, Joaquim Branco, Affonso Romano de Sant´Anna, Regina Pouchain e Ronaldo Werneck.

Em setembro de 2000 Affonso Romano esteve em Cataguases para um encontro na Faculdade de Letras com a presença ilustre dos poetas visuais Wlademir Dias-Pino e Regina Pouchain e de nomes representativos da literatura local. Como sempre, Affonso brilhou ao discorrer sobre o modernismo e a trajetória da poesia brasileira. Grande orador, professor por uma vida, mestre em literatura e coisas que tais, ele navegou à vontade por letras & artes, esbanjando aquele charme, aquela nonchalance de sempre. Ganhou de imediato o público presente e ainda toda a grande plateia que o acompanhava por um telão colocado de fora do auditório.

Finda a palestra, mas não a noite nem o papo, eu o convidei para jantar. Ele vira-se pra mim sorrindo e diz que sim, “mas num lugar que tenha música e dança, que vibre de alegria”. Eu voltara a residir há pouco tempo em Cataguases e não sabia ao certo onde acontecia o, vamos dizer, agito da noite cataguasense. Se é que havia. Mas lembrei-me de uma churrascaria que costumava ter música & dança. Lá chegando, meu amigo Affonso lançou pras moças e moçoilas que pediam seu autógrafo todo o seu charme de galã latino-americano, erzats perfeito do mexicano Ricardo Montalbán. Não, não dançamos. Poeta que se preze não dança. Apenas sente a música e admira os dançarinos enquanto viaja na batatinha criando poemas românticos, ou coisa que o valha.   Não sei se Affonso assim o fez, mas senti que a música, as moças, aquela alegria que ele me pedira era na verdade o melhor da noite cataguasense para o meu amigo. 

 “Comovo-me com coisas positivas”, escrevia Affonso em 13.09.2000 na sua coluna de O Globo. “(...) Em Brasília e Curitiba, ondo fui fazer conferências, acabam de realizar uma feira do livro. Em Cataguases, Minas, de onde acabo de regressar, tiveram de botar telão do lado de fora do auditório da Faculdade de Letras, confirmando que a cidade que viu florescer a revista Verde tem uma relação especial com a cultura. Mítica Cataguases. Dizem-me Ronaldo Werneck e Joaquim Branco que pelo Colégio de Cataguases passaram figuras como Chico Buarque, Carlos Imperial e Dori Caymmi.

“(...) Então, a gente fica pensando como o poeta “As coisas talvez melhorem, as coisas têm tal força”! E eu lhes digo, bardos do Araguaia e do Xingu, romancistas das coxilhas do agreste, não cortem ainda os pulsos. Alguma coisa pode acontecer. Há sempre um grupo de alucinados trabalhando pela leitura, pelo livro e pelo Brasil, a despeito mesmo do Brasil. E isto pode acabar dando certo. Nem que seja para os nossos netos”.

Com Affonso na Serra Gaúcha

Em email de 29.05.2011, eu perguntava ao Affonso se meu livro “Há Controvérsias 2”, que eu estava lançando,  havia “aportado” em Ipanema, na Nascimento Silva, onde ele residiu a vida inteira com Marina. Resposta imediata: “Claro que aportou. E lhe mandei umas palavras. Não é papo de mineiro nem de Alkmin. Falava da beleza editorial, de boa ideia de reunir todas as crônicas para se ter uma ideia do conjunto e de sua atuação ímpar no reino de Cataguases e adjacências. Como foram os lançamentos Brasil afora? Confesso que cada vez mais morro de medo de lançamentos. Outro dia até citei o Fusco numa crônica. Abraço, ars”.

Encontro também, meio que perdidas em minha caixa de e-mails, algumas mensagens do Affonso, como essa de 2013, quando foi lançada a edição especial sobre Cataguases que eu havia organizado para o Suplemento Literário do Minas Gerais:  “Ronaldo: belo suplemento sobre Cataguases! Parabéns! Foi uma revisita! dê um abraço no Joaquim”.  Logo depois, em 2015, sobre dois livros que eu enviara: “Acabo de receber "Cataminas" e "Doris" (Doris Day by Night, que tem um, vamos dizer, “porno-poema” dedicando a ele: “& meta-poema”). Você está virando o poeta mais sacana de nossa poesia, indo além do Bernardo Guimarães com esse "ELIXIR" de Copacabana. Coisa de doido, sô! como dizia o Hélio Pelegrino! No mais é província ideal fluindo dentro de nós... abraço, ars”. Eu respondi, na brincadeira, qualquer coisa como “modestamente”. E foi a última vez que nos comunicamos: logo depois, em 2017, meu amigo seria assomado pelo Alzheimer. 

Em outubro de 2011 nós nos encontráramos na Serra Gaúcha, no Congresso Brasileiro de Poesia de Bento Gonçalves.  Affonso seria o poeta homenageado daquele ano e eu o encarregado de fazer a apresentação de abertura, antes de sua palestra “A poesia vivida”. Escrevi umas duas, três, quinhentas palavras, pois o Affonso mais que merecia. Transcrevo algumas delas.

“Sou diretor de Comunicação do Cineport, o Festival de Cinema dos Países de Língua Portuguesa e há quinze dias estive por uma semana em João Pessoa, quando se realizou sua quinta versão.  Aluno aplicado, bom de dever de casa, em meio a intensas exibições de filmes, em meio ao dever de produzir textos para cineastas de vários portes e países, os livros do poeta-professor Affonso Romano de Sant´Anna me acompanhavam a cada pequena oportunidade que havia de neles novamente mergulhar. Isso porque deveria fazer a apresentação de sua palestra neste Congresso, o que estou aqui a fazer.

“Eu levara vários desses livros, a maioria já marcados (hábito antigo), e que ia aos poucos relendo e remarcando e remarcando, abancado naquele quarto de hotel na Paraíba. Tentei ainda em João Pessoa encontrar os dois livros que Affonso lança aqui em Bento nesta semana. Mas só achei o Ler o Mundo, e mesmo assim na véspera de minha partida. Do Sísifo, necas de pitibiriba: ainda não chegara à Paraíba. 

“Semana passada, de volta à minha Cataguases, de novo os livros de Affonso povoaram minhas leituras. Estavam os seus livros agora devidamente acompanhados de Os Sonhos não Envelhecem, do Márcio Borges e de Palavras Musicais, do meu amigo Paulo Vilara, onde existe longa e bem apanhada entrevista com o Márcio. Como disse, eu sou bom de dever de casa: vou mediar também a palestra que o Márcio fará aqui em Bento.


Bento Gonçalves, 2011. Letra de música e poesia em debate: Márcio Borges, do Clube da Esquina, Ronaldo Werneck e Affonso Romano de Sant´Anna.

“E essa semana passada em Cataguases foi assim prazerosamente dedicada ao Affonso e ao Márcio. Na quinta, ou sexta-feira, minha irmã Rosa ligou dizendo que a Marina Colasanti estava dando uma entrevista na Globo News. Parei com o Affonso, e na contramão pulei, com o devido perdão, pra Marina muito da desenvolta em pleno Parque Lage, onde morara em priscas eras.  No sábado à noite, antenadissima, Rosa chega lá em casa para jantar e vai logo falando que o Affonso iria lançar no Rio o seu Sísifo. Pena, pois só cheguei ao Rio ontem, de passagem para o Aeroporto, dali para Porto (Alegre), até que aqui em Bento aportasse”.

Em seguida, eu falava de como conheci o Affonso, de minha admiração por ele, dessas coisas todas que se encontram, de certa forma, já descritas neste meu texto que parece nunca se acabar. E, ufa!, finalizava:

“Antes de passar para o Affonso, quero passar pelo Affonso, se é que me explico bem. Por três de seus poemas, um dos tempos de Violão de Rua, lá dos confins dos anos 60, e de que nunca me esqueci, que fala de um outubro outro que não este, e com um ritmo e um bater de pés de um grande e contundente poema (e eu lia todo o imenso poema Outubro, já citado aqui, inclusive seu fecho).

Com vocês, Affonso Romano de Sant´Anna!”.

Cuidado, presidente,

                        – que outubro

                                               – é semente

Cuidado, ministro,

                        – que outubro

                                   – é sinistro

 

Cuidado, congresso,

            – que outubro

                                   – é da Esso

 

Cuidado, cardeal,

            – que outubro

                                                                                              – é fatal

 

Cuidado, operário,

            – que outubro

                                               – é salário

 

Cuidado, patrão,

            – que outubro

                                   – é lição

 

Cuidado, meu povo

            – que outubro

            (eleição)

                                               – é um ovo

                                                                                  que pomos      

                                                                                               – com a mão.

 

Finda a leitura desse poema, eu dizia “Só agora me dou conta de que hoje é exatamente dia 03 de outubro, dia em que nos bons tempos, pré-quartelada de abril de 1964, havia eleições neste país. Remember JK 65, a eleição que não houve: quantas e quantas & etc etc”.

E continuava:

“Passo então por um ´último poema antes do último´ (podem me chamar de penúltimo), a um poema do livro Textamentos, ganho do Affonso no ano 2000, com uma curiosa dedicatória: “Para Ronaldo, que há muito também textifica, o abraço do Affonso”. Não sei bem o que meu amigo quis dizer com esse textifica: coisa de poeta.

Desconfiando é seu título. E o poema corre assim:

Há muito

que não corro da polícia em praça pública.

Há muito

que não abrem correspondência minha.

Há muito

que não poupo palavras ao telefone.

Há muito

que não abrigo fugitivos.

Há muito

que não vejo filmes e leio livros que bem quero.

 

O que será que fiz?

Começo a desconfiar

que alguma coisa anda errada:

comigo

ou meu país. 

 

Agora sim, para finalizar (embora quisesse mais Affonso, e acho que vocês também), este poema de grande delicadeza e pungência e epifania:

Antes que escureça – 2

 

Levanto-me para olhar o mar

antes que escureça.

 

Sopra um vento de leste

e eu sei que as águas estão mais frias.

 

Considero as plantas do jardim.

Na estante os livros me contemplam.

Levanto os olhos pesquisando o nada.

E vejo uma gaivota no horizonte.

Ruídos da tarde me enternecem:

– uma buzina

– um grito de criança

– o cão latindo persistente.

 

O sol se põe à minha direita, exausto.

De tantas tardes esvaídas

esta grafou-se naturalmente no papel.

A tarde tem sortilégios.

Estou maduro para estrelas.

Escrevo. Venta o leste.

Escurece. E algo em mim

aos poucos se esclarece.

  

Ronaldo Werneck

Março de 2025

29 de jan. de 2025

 MORRE MARINA,

“GRANDE ESCRITORA”

Os contos de fadas não têm fadas. 

Um outro olhar da poesia: dois e dois são cinco.


Acordei ontem com a notícia da morte de minha amiga Marina Colasanti (Asmara, 26.09.1937 – Rio, 28.01.2025). Artista plástica, escritora, jornalista, poeta, tradutora e contista nascida na Eritréia, leste da África, a “carioca” Marina Colasanti esteve no Centro Cultural Humberto Mauro aqui em Cataguases há mais de vinte anos, no dia 16 de junho de 2004, para uma palestra agendada pelo Projeto TIM/Estado de Minas – Grandes Escritores. O Projeto levava renomados escritores às comunidades do interior mineiro e tinha como proposta aproximar escritores-leitores. Ao falar sobre sua obra e experiência, o autor estimulava o público a abrir caminho para o aprendizado e o conhecimento por meio do livro. Eu acompanhei minha amiga Marina quando de sua estada em Cataguases. A seguir, impressões do nosso reencontro e um bate-papo com a escritora. 


Em Cataguases nos anos 70

Marina nos anos 70, quando veio para o Festival em Cataguases

          Marina Colasanti veio a Cataguases há cerca de trinta anos, atendendo a um convite que lhe fiz em 1970 para participar do júri do Festival Audiovisual. Colegas de redação no Jornal do Brasil, ela e o poeta Affonso Romano de Sant´Anna ensaiavam “ficar”, como se diz agora. Mal sabiam que namoro em Cataguases é pra sempre: estão casados até hoje. Almoço com Marina no mesmo hotel onde se deu o chamado idílio, palavra certa entre poetas. Passeio com Marina pelas ruas e praças da cidade e a conduzo para ver uma Cataguases que não conheceu da primeira vez, levada pelos compromissos de jurada, enlevada pelos colóquios de mulher amada.
Tudo em Marina é charme e simpatia. Inteligência e sensibilidade. À noite, quando a recebo no palco do Centro Cultural Humberto Mauro para sua palestra, ela brinca com meus suspensórios vermelhos: “estamos fazendo pendant”. Bobagem, Marina, como competir, como “fazer pendant”, com a vermelha elegância de seu casaco, com o desprendimento, a non-chalance com que você se sentou na mesa – e não à mesa, mas em cima da própria – deixando atrás de si no palco a mim e a uma cadeira vazia, ambos atônitos e fascinados? A mim, à cadeira e ao público: tudo e todos maravilhados com sua elegância, seus gestos, suas palavras. 

“O desenho do Projeto Tim/Estado de Minas-Grandes Escritores é uma conversa. Chama-se,inclusive, no caso, ‘Conversa com Marina’. A intenção do Projeto não é trazer um produto pronto, mas tornar o escritor acessível ao público, justamente para conversar, responder perguntas, para debater, uma coisa bem fraterna”. E por aí foi ela começando pelo começo que é onde se começa quando não se tem medo do avesso.

“Eu vim a Cataguases pela primeira vez trazida por Ronaldo Werneck, em 1970, pro Festival de Música. Eu vim pro júri, vim com o Affonso, nós não éramos nem casados, estávamos começando a namorar. E viemos pro Festival, há trinta anos ou mais. Cataguases era outra cidade, vai ver que eu também era outra pessoa. Éramos todos (e os olhos de Marina sorriem, ardósia e cumplicidade) outras pessoas, né?

É quando alguém pergunta “Sobre o Amor”, um de seus títulos e tema recorrente na escritora, se o amor ainda a inspira muito. “Olha, eu espero que o amor seja um componente constante de minha vida e não apenas uma fonte de inspiração profissional. A gente deveria perguntar isso aos meus amigos, à minha família, né? Se isso acontece ou não. Mas em matéria de trabalho, não sei se a gente chama isso de inspiração ou não, de lá pra cá trabalhei muito, publiquei muitos livros, abri caminhos novos pra mim, porque naquela época não fazia poesia e este ano está saindo meu terceiro livro de poesia... abri novos rumos profissionais pra mim, novas portas. 

“O amor é sempre muito importante. Já a poesia foi uma coisa curiosa. Eu sempre fui uma leitora de poesia. Sempre. A vida inteira, desde garota. Uma das coisas que me levou a investigar Affonso era o poeta (risos). Eu me surpreendi muito com a qualidade da poesia dele, quando ele me apresentou. Mas eu tinha uma postura muito reverencial em relação à poesia, exatamente porque eu a amava tanto. Eu nem ousava pensar nisso. Tinha feito (poesia) quando garota, como todo mundo, mas não pensava em fazer poesia. Eu acho que ela aconteceu pra mim quando eu estava pronta. Eu não fiz ensaios para a minha poesia, quando entrei nela ela já era o que tinha de ser, para o bem ou para o mal. Não estou fazendo juízo de valores. Estou dizendo como aconteceu. Aí, eu saí pra fazer o primeiro livro. Eu comecei e pronto. Não sei em que momento exato”.


 A vida assoberbada

      

Ronaldo Werneck – Havia uma linha nesse primeiro livro, ou eram poemas que foram reunidos, formando um livro?

Marina Colasanti – É, ele não tinha uma ossatura temática, como o segundo livro.  No segundo livro de poemas eu trabalhei com um tema muito pouco palatável, e estava consciente disso, que é a decapitação, a cabeça cortada, essa coisa humana de cortar as cabeças. Tanto que ele se chama Gargantas Abertas. O primeiro, não. Eu fui trabalhando, fazendo poemas, e fiz o livro. O terceiro também não é temático. Sai agora este ano, chama-se Fino Sangue. Eu acho que eu tenho temas recorrentes que aparecem na poesia, aparece o mesmo tema nos contos, nos contos de fada. Eu retomo o mesmo tema nos vários gêneros.

RW – Acontece com todo mundo. A gente está sempre reescrevendo, mesmo fazendo contos ou poemas...

MC – Muitas vezes não aparece quando a pessoa é só poeta. Ou quando é só ficcionista. Quando trabalha só com um gênero. Mas para quem trabalha em vários gêneros isso é flagrante.

RW Mas eu falo não é só nesse sentido, não. É quando você está reescrevendo sempre a mesma coisa, retrabalhando sempre o mesmo livro. Lembro do Murilo Rubião, naquele livro  que ele reescreveu a vida inteira (“O Pirotécnico Zacarias”), aquele cuidado do Murilo em reescrever durante 30 anos os mesmo seis contos.

MC – É, eu gosto muito do Murilo. É um livro maravilhoso, tinha a história da mulher que comia, comia, queria a lua e ele vai buscar para ela. É fantástico, eu gosto muito do Murilo. Mas, eu não. Eu burilo só até um certo ponto. Até mesmo porque eu me imponho tarefas. Não tem ninguém me cobrando nada, né? Esse ano eu vou escrever um livro assim... isso porque, como eu trabalho em vários gêneros, eu tenho que operar neles todos, senão fica um buraco muito grande. Então, chega um momento em que eu digo: não, agora está na hora de fazer... contos de fada, há muitos anos que não faço contos de fada. Então, estabeleço. Vou fazer um livro de contos de fada, é minha tarefa desse ano. Esse ano vou trabalhar em poesia. Eu imponho, porque, como a vida, ao contrário do que eu pensava... eu pensava que ela fosse ficando mais mansa e me deixando mais tempo folgada pra escrever... mas é ao contrário, a vida vai ficando cada vez mais assoberbada, porque primeiro a gente tem mais solicitações  profissionais externas; segundo, a gente tem que administrar a profissão, falar com o agente, falar com o editor, publica uma coisa, tira outra, enfim, administrar a vida, eu não tenho ninguém que faça pra mim, a vida vai ficando com pouco tempo disponível. Se eu não estabelecer como uma tarefa, eu não faço. E eu nunca trabalhei... como eu trabalho com texto curto, eu poderia ter aquela coisa de “hoje escrevo um conto e guardo, amanhã escrevo um poema e guardo, depois de amanhã escrevo um miniconto e guardo”... e depois vou juntando esse material todo e faço um livro. Eu não trabalho assim, eu trabalho como se estivesse escrevendo um romance...

RW – Tem um fio...

MC – É. Eu sento... os livros de minicontos, os três, são temáticos, eu sento e vou fazer aquele livro, começo e fim. Eu tenho anotações pra ele, numa gaveta, numa caixa, eu vou... tenho uma ideia, parece que isso dá uma coisa, anoto, jogo na caixa e  esqueço... quando vou trabalhar no livro, abro a caixa e vou recolher aquilo que eu já preparei... escrevo em cima “conto”, “miniconto”, só pra eu saber quando eu for mexer na caixa.  E aí eu sento e é um projeto fechado. Só paro quando eu acabar.

RW Você já procurou dar nome a essa caixa? Pois é uma caixa fantástica, né?

MC – (Risos)... não. “Querida”.

RW Pois é, é uma “caixa básica”, né? (risos)

MC(Risos)... é uma caixa básica, né? (risos). Tudo ali...

RW Você escreve independente da inspiração? 


Baixa o Espírito Santo

MC – É, eu fico tentada a dizer que a questão da inspiração, como as pessoas pensam, é um mito romântico, não é? Baixa igual Espírito Santo. O pombo desce, pousa na sua cabeça e você... mas não posso dizer isso porque de fato há escritores que trabalham assim. Adélia Prado sempre disse que ela trabalha assim, que está na cozinha fazendo o feijão e, pum!, cai o poema pronto na alma dela, ou sai da alma dela pronto.

RW Mas Adélia fala com Deus, né? (risos) Ela me falou isso uma vez, e eu disse ‘Adélia, não acredito’... e ela: ‘ Não? Deus me deu esse poema, Ronaldo! Simplesmente escrevi, mas esse poema me foi dado’... Bem, pensei eu cá, com meus botões: ‘assim não dá, né mesmo?’.

MC – Deus entra em faixa de risco...

RW É, entra em sintonia total... eu disse: ‘Adélia, esse trânsito com as esferas’  ...

MC – Ela tem essa posição. É muito ligada à religião. Então, isso seria justamente o Espírito Santo, como eu disse. Você pode botar o nome... Santa Bárbara... Mas é o  Espírito Santo. OK. Eu não trabalho assim. Ou seja, a inspiração é uma coisa... cada escritor trabalha de um jeito, seja dito isso. Você, Ronaldo, pode ser que trabalhe de forma totalmente diferente... a inspiração é uma coisa que você provoca ou propicia, você se coloca num estado de abertura para dialogar com seu inconsciente e utilizar o material que aflora. Teoricamente, é isso que acontece. Dependendo da  coisa que eu faço, eu preciso mais ou menos de conexão com o inconsciente. Por exemplo, se eu for fazer um ensaio, um livro de ensaios, eu preciso menos do inconsciente, porque eu vou trabalhar fundamentada, vou trabalhar com pesquisa, com bibliografia, com dados. Então, preciso menos de convocar o inconsciente. Mas se vou trabalhar com poesia, por exemplo, ou com ficção, eu preciso estabelecer esse diálogo. Dependendo, se eu for trabalhar com contos de fada é só esse diálogo. A razão tem que ser jogada fora. A razão tem que tomar férias lá longe e não me aborrecer, porque os contos de fada não podem ter interferência da razão...

RWTranscendem...

MC – Eles não funcionam assim. É a diferença entre contos de fada e contos com fada. Os contos de fada são outro produto. Dependendo do que eu vou trabalhar, é uma outra aproximação. Aquilo que você chama inspiração, nos contos de fada eu fico suplicando a mim mesma, a abertura do inconsciente, para que aflore, porque às vezes eu fico... ah, meu Deus!... nunca mais vou conseguir escrever conto de fada... então, esses você realmente tem que “receber”, porque você psicografa de uma certa maneira...

RW Do imaginário...

MC – Do imaginário. Você tem que dar um “click”. É uma descarga que você dá no imaginário e bota pra funcionar. E ele funciona e você recolhe. Ou ele tá preguiçoso e não funciona e não te dá troco. Às vezes, você fica um mês com uma idéia que não se concretiza. Você ligou o start e o carro... engasga. Você tenta de novo e ele afoga. Um dia, você está pensando em outra coisa, está dirigindo o carro, andando na beira da praia pra fazer exercício e estala a sua cabeça: ele entrou. Ele entra como um e-mail em seu computador. Ele entra e aí você tem que sair correndo, anota em qualquer pedaço de papel e tal, dá uma euforia desgraçada, é muita adrenalina, os contos de fada jogam uma adrenalina na minha alma, uma coisa, uma coisa, eu tenho que sair, respirar fundo...

RW Como um poema...  até mais forte?

MC – É. Mais forte. Sabe por quê? O poema... eu gosto de uma poesia que chamo de “poesia de ideias”, uma forma presunçosa de me referir a isso, mas o quero dizer é que não gosto de poesia só forma, não gosto de poesia só lírica. Eu gosto de poesia. Claro que todo mundo comete um ou outro poema lírico ou formal, mas eu gosto de uma poesia que diga alguma coisa, que tenha um outro olhar. Está bom. Eu estou olhando aquela palmeira, mas não basta só aquela palmeira, tem que ter uma outra coisa qualquer, uma outra visão... dois e dois são cinco... você tem que somar dois elementos e obter um terceiro. Então, essa poesia vem atrelada à razão. Ela é uma poesia de razão. Não pode ser só de emoção. Já os contos de fada, não. Pura emoção. 


Não há fadas nas Mil e Uma Noites

RW Você falou que “há contos de fada e contos com fada”. Como diria o Verissimo, “desenvolve!”.

MC(Risos) É, porque quando a gente diz “eu escrevo contos de fada”... Affonso já me falou várias vezes, “não diz contos de fada, diz que v. faz literatura fantástica”.  Mas eu considero uma traição ao gênero, que é um gênero... real. É um gênero de primeira grandeza e que foi sendo varrido pro quarto das crianças, indevidamente. Então, faço questão de dizer “contos de fada” e reforçar o que é o gênero. Quando você diz “eu faço conto de fada”, a pessoa acha que você conta a história da “menininha que tinha um gatinho não sei o quê, o gatinho ficou doente, um dia o gatinho miau-miau, eu sou uma fada, sou sua fada madrinha”. Isso não é nada, isso são continhos com fada, são uma porcariazinha destinada a criança. Às vezes, podem ser até bons. Mas, enfim. Isso é só pra criança mesmo. Já os contos de fada não têm fadas. Se você pega as “Mil e Uma Noites” não há fadas. Há gênios, há entidades. Entidades não são fadas, porque a fada ficou pra nós... ela originalmente é uma entidade, mas a nossa cultura estereotipou-as tanto, com aquele chapéu pontudo, com aquela estrela, e Disney acabou de destruir o que seriam as fadas, acabou de transformar num chiclete cor-de-rosa. Então, se você fala em conto de fada, a pessoa imediatamente pensa nessas criaturas horrorosas... e os contos de fada não têm essas criaturas. Eu nunca trabalhei com fadas. Não tem nenhuma. O conto de fada é uma narrativa de fundo mítico, de leituras infinitas, tem que funcionar para qualquer idade... estou dando os requisitos pra que um conto seja um conto de fada... ele tem que estar fora do tempo, quer dizer, fora do tempo real, e  em localidade não existente, um lugar imaginário, no alto de um montanha, à beira de um rio..  você não está em Paris... ou em Cataguases... pra dizer de duas cidades-irmãs...

­­RW Claro que são irmãs! (risos)

MC – (risos) Como você dizia ainda há pouco (Marina referia-se a uma brincadeira que eu fizera, dizendo ser Cataguases a “Paris da Zona da Mata”)... a Paris da Zona da Mata,  né? (risos) Então, o conto de fada é isso. E ele tem um conteúdo que é maravilhoso... eu tenho certeza de que faço conto de fada e não continhos com fadas, hoje, pelo seguinte: porque eles funcionam... eu acabei, com o tempo, com as pessoas trabalhando os contos... eles funcionam com os curumins, que nunca viram o rei, que nunca viram o castelo, que não sabem o que é uma princesa... eles funcionam com os curumins e funcionam com os meninos africanos de Moçambique. Eu sei por causa de arte-educadores que estiveram nos dois lugares e me disseram que têm um resultado esplendoroso com os contos. Acabei de receber um e-mail mês passado de Moçambique me dizendo isso, de um resultado esplendoroso, diferente, com os meus contos. E eu pensei... então é verdade. Então eles realmente são contos de fada. Porque num conto qualquer pra crianças, o rei é um rei. Mas num conto de fada, o rei é simbolicamente o poder maior. Só isso. As personagens são simbólicas, você está sempre falando simbolicamente, metaforicamente, e há um outro discurso denso que se faz por trás do conto...

 De inconsciente para inconsciente

RWUm subtexto?

MC – É. Como ele surge, imagino que seja isso, como ele surge diretamente do inconsciente, ele engancha no inconsciente do outro. O diálogo se estabelece por  trás, ou por baixo do conto, num outro nível, de inconsciente para inconsciente, então...

RW Houve um tempo, nos anos 80, em que se falava muito na teoria da estética da recepção, o tratamento era mais do leitor, de como a obra de arte era recebida... então é nesse  sentido que você quer dizer? Isto é, como é lido o meu conto? Quer dizer, ele tem assim vários tipos de leitura, depende do leitor para ser apreendido?

 MC – É, eu acho que cada leitor lê de um jeito. Não sei te dizer, mas há uma comunicação que acontece. Quando eu comecei a escrever esses contos foi uma teimosia minha muito grande, porque eu sabia que na época ia encontrar muita oposição. É a época em que se publicavam... lembra da editora... do “Menino e o Pinto do Menino”? Que foi feita em Belo Horizonte...

RW ... do Wander Pirolli...

MC – ... o que era aquilo? Aquilo era o resultado de um momento em que se dizia que tinha que se dar realidade para as crianças, que essas coisas dos contos de fada eram completamente ultrapassadas pela modernidade, que isso falava de tempos muito antigos, que as crianças queriam realidade. Então, veio uma onda de textos realistas para crianças, tanto que o Wander Pirolli chamou o Ignácio de Loyola, chamou o Torres (Antônio), não sei, chamou vários escritores da faixa adulta para escrever textos realistas para crianças. Então eu sabia que os meus contos não iriam encontrar solo fértil de jeito nenhum no mercado editorial. E de fato eles ficaram cinco anos sem ter editor. Quando eu dizia, “olha eu escrevo contos de fada”, o editor arrepiava. Dizia: “as professoras não vão gostar”; o outro me dizia: “eu não publico divertissement”. Eu nunca mais esqueci essa frase embora eu gostasse muito do editor, gosto até hoje, mas essa é uma frase de diversidade terrível e, ao cabo desses cinco anos, finalmente o livro foi editado e na época eu já tinha editor era uma... não tinha problemas nesta área, o livro foi editado e aí, para minha alegria, ganhou todos os prêmios possíveis.

 Essa Cataguases única


 Dias depois de nosso papo, recebo email de Marina: “Ronaldo querido, Affonso ainda não chegou, virá tarde hoje à noite, estou repassando tudo para o computador dele (eu mandara alguns textos, alguma coisa sobre Cataguases que ela me pedira). Obrigada pelo carinho e generosidade. Ainda bem que Cataguases gostou de mim, porque também gostei dela. E um beijo para Mônica (Botelho), fiquei entusiasmada com ela, com sua atividade, com o perfil que está imprimindo à cidade”. Dias depois, era Affonso Romano quem me escrevia: “Ronaldo, Marina voltou encantada de conhecer melhor essa parte viva, pulsante de Minas, essa Cataguases única”. Mas que nada, Affonso. Única é mesmo a Marina. Quer dizer, tem também aquela frota de ônibus, a Única, mas isso é outra história.

Ronaldo Werneck

Texto publicado em 2006

 na Revista Usina Cultural

Fundação Ormeo Junqueira Botelho


 O ARROZ DOCE DO HOTEL

& O IDÍLIO EM CATAGUASES

 


 

“Inspiração é coisa que você provoca ou propicia: você se coloca num estado de abertura para dialogar com seu inconsciente e utilizar o material que aflora”. Quem me fala assim, inspirada pelo arroz doce, é Marina Colasanti. O doce de arroz doce do Hotel Cataguases, que só se deve comer em transe de branda meditação. E, como Vinicius, de joelhos e pensando – no máximo! – na mulher amada.

Estamos sentados na, vamos dizer, pérgola da piscina do Hotel Cataguases, e Marina veio para uma palestra no Centro Cultural Humberto Mauro, dentro do Projeto Tim/Estado de Minas - Grandes Escritores. Há muito não nos víamos, mas os olhos – de ardósia! Não: um semitom verde-azul, pautado pela claridade – mantêm-se plácidos e contemplativos, ativados num átimo por um bravo solzinho de outono chegado a fim-de-tarde em Cataguases. Ela se lembra do hotel e voltamos velozes aos anos 70.

Foi então, exatos 34 anos atrás, que estive com o poeta Affonso Romano de SantAnna na velha sede do Jornal do Brasil, na Avenida Rio Branco. Já meu conhecido, o poeta trabalhava na área internacional e aceitou de imediato o convite para compor o júri do Festival Audiovisual de Cataguases, que eu estava organizando junto com o poeta Joaquim Branco.  Mais ainda: pediu que eu convidasse também Marina Colasanti, do caderno B. Já em Cataguases, noite da abertura, estava eu a tomar meu banho, quando Affonso e Marina adentraram a casa da Dr. Sobral, perdidos na “cidade grande”. Enquanto o poeta, este, saía do banho de saturday night, o outro poeta e sua partner tomaram um uísque com papai Hisbelo, que era noite de festa. Levei-os depois ao Hotel Cataguases, mas acho que não deu tempo pro arroz doce: o Festival nos chamava.

Estive pouco com Marina ao longo das últimas décadas. Algumas vezes em Ipanema, na casa dela e do poeta, geralmente levado por algum compromisso com Affonso, de quem me tornei amigo. Nunca mais falamos do Festival de 70.  Agora, assim que a reencontrei no hall do hotel, a primeira coisa de que se lembrou foi daquela “cantora altíssima e fantástica”. Quem, Marina? Não é que era a nossa Maria Alcina? Comecei a duvidar de sua memória. Fantástica, sim; mas “altíssima”, a Alcina? Mas logo Marina entrou em detalhes que nem mesmo eu me recordava. Descreveu a sala da casa da Dr. Sobral como se lá estivéssemos ainda agora – e foi ela quem se lembrou do banho do poeta, este. E depois, romântica: “estávamos em início de namoro, início mesmo: nunca mais me esqueci de Cataguases. Nem Affonso”.

E já do inconsciente o arroz doce aflora e Marina assume seu jeito Colasanti de ser: “dependendo do que faço, preciso de mais ou menos conexão com o inconsciente. Ao escrever um ensaio trabalho fundamentada, com a razão, e convoco menos o inconsciente. Mas se faço poesia ou ficção, preciso estabelecer esse diálogo. Se for trabalhar com contos de fada, então, é só esse diálogo. A razão tem que ser jogada fora. A razão tem que tomar férias lá longe e não me aborrecer, porque os contos de fada não podem ter interferência da razão. Suplico a mim mesma a abertura do inconsciente para que aflore aquilo conhecido como inspiração, ou o que seja. É uma descarga que você dá no imaginário e bota pra funcionar. E quando ele funciona, dá uma euforia danada, é muita adrenalina, Os contos de fada jogam uma adrenalina na minha alma, uma coisa, uma coisa, eu tenho que sair, respirar fundo”. 

Marina é agora entrevistada por Vera Maciel, pro jornal “Cataguases”, e lá pelas tantas me cita, entre sorrisos: “Os contos de fada não têm fadas. Se você pega as “Mil e Uma Noites”, não há fadas. Há gênios, há entidades. O conto de fada tem que estar fora do tempo. Quer dizer, fora do tempo real, e em localidade não existente, um lugar imaginário, no alto de um montanha, à beira de um rio. Você não está em Paris, ou em Cataguases. Isso pra dizer de duas cidades-irmãs, como dizia ainda há pouco o Ronaldo. Porque Cataguases é a Paris da Zona da Mata, ou alguém duvida?”. Dou um sorriso e de repente penso o que jamais ousaria dizer. Mas como não sou lá de dizer – só de acá escrever – então vem cá, Luísa, me exorcisa. Ou vá lá, Marina, me contamina. No princípio, era Cataguases. Ou o arroz doce. O mundo veio depois.

 

Ronaldo Werneck

Jornal Cataguases

27.06.2004

In Há Controvérsias 2/ 2011