17 de out. de 2022

NA ROTA DO FRADE & DE CONSTANTINO

     Invenção & reinvenção: termos que rimam e são característicos de Henrique Frade, que também rima com criatividade. Fotógrafo por excelência, ele tem imensa capacidade de nos surpreender a cada trabalho. Rotas Constantinas é uma exposição que traz o complexo e sempre inesperado pensar desse multiartista ao congregar fotografias, desenhos, instalações. E por meio dessas multiformas enfocar – 200 anos passados do acontecimento – os caminhos de Constantino José Pinto ao adentrar, em 1817, a então aldeia de São Paulo Manoel Burgo, atual município de Muriaé.

     Natural de Barbacena (1874), após sua nomeação como Vice-Diretor de Índios por Guido Thomaz Marlière, Constantino estabeleceu-se em 1819 no quartel onde é hoje a Igreja do Rosário. Foi quando promoveu o crescimento da aldeia e ampliou por vários caminhos o comércio da poaia com os indígenas da região. Conhecida hoje como raíz do Brasil, a poia é uma planta com propriedades medicinais utilizada desde o século XVII e que era muito popular entre os índios tupis e os jesuítas. Constantino procurou dar instrução e introduzir os indígenas na religião católica. Seu nome chega inclusive a ser aproveitado por eles para batizar seus filhos.

     Pois são esses caminhos por ele ampliados – as muitas rotas desbravadas por Constantino – o escopo principal dessa exposição, por onde perpassam dois séculos da ocupação regional, com seu foco voltado particularmente para as contribuições populares, muitas vezes esquecidas pela História. Encontram-se também nesses caminhares o fausto das fazendas, das grandes propriedades e suas muitas vezes requintadas construções. Mas Rotas Constantinas debruça-se mais amiúde na história com “h” minúsculo, nas muitas histórias – mineiras, maneiras – que se ouvem ainda agora nos cantões mais distantes do município. Causos do interior mais profundo, contados entre pitadas de fumo de rolo, feijão de tropeiro & quejandos. Toda essa mineiridade que subitamente, e com toda a força, marca presença nessa mostra.

     No início do século XX, havia no rio Muriaé enorme manancial de peixes, hoje quase inexistentes: acarás, dourados, lambaris, piaus, robalos surubins, entre muitos outros. Contava ainda a região com grande quantidade de árvores de várias estirpes, como angicos, cedros, jacarandás, quinos, sassafrás, sucupiras, vinháticos – e de frutas silvestres: araçá, goiaba, ingá, jabuticaba, sapucaia – hoje também praticamente inexistentes. E nessas árvores encontravam-se inhambus, jacus, lontras, macacos, onças e outros e outros animais, até mesmo o bicho-preguiça na característica lentidão de seu movimentar-se. Nada, ou muito pouco disso, se vê hoje.

     Mas essa não é propriamente uma exposição nostálgica. É, antes, mostra em ritmo e tempos de modernidade – interativa, lúdica, induzindo o visitante à intensa participação no embalo dos jogos, em atuações na internet. A proposta é “conheça sua terra”, teste seus saberes sobre Muriaé e cercanias. Para tanto, a exposição – totalmente up-to-date – disponibiliza aparelhos de tv, mobiliza instagram, facebook, youtube, congrega escolas e escolares para ativa participação. A história de Muriaé vai sendo reconstruída ao vivo, atual e atuante, motivada pela participação dos visitantes, que se espera intensa.

O prefeito de Muriaé, Marcos Guarino de Oliveira, fala na abertura da mostra.

     É com grande prazer que a Fundação de Cultura e Artes de Muriaé-FUNDARTE disponibiliza na Galeria Mônica Botelho do Grande Hotel a mostra Rotas Constantinas. Está aqui em cada uma dessas salas a marca do artista Henrique Frade, sua inquietação absoluta, sua intensa capacidade de nos surpreender, seu olhar diferenciado sobre um mundo que achávamos conhecer no cotidiano – mas que ressurge inteiramente novo por meio de seus apanhados fotográficos, de suas criativas reinstalações. Frade é um multiartista como poucos. E com sua acuidade visual nos ensina, como poucos, a rever o que pensávamos saber desde sempre, mas que na verdade desconhecíamos. Rotas Constantinas é por excelência um fascinante jogo de redescobrimentos.


Ronaldo Werneck

Outubro de 2022

15 de out. de 2022

TRICÔ MINEIRO

     


     Com licença que continuamos aqui nesta infindável tricotagem com o imponderável auxílio destas teclinhas acionadas num ritmo que a agulha centenária da Vovó Cota jamais conseguiria acompanhar. Tão rápido que nem dá tempo pra perder o próprio com vírgulas né mesmo? Pois bem: adentramos impávidos o restaurante Canto Mineiro na última sexta & by night como sempre. Eis que, cheia a casa, nos vimos subitamente membros do TSM: leia-se Tô Sem Mesa.

     Chove lá fora. Cá dentro, a simpatia das meninas Ednéa Peixoto e Licínia Cardoso nos convida a sentar. Meninas sim, meninas as duas sempre serão. Não mais TSM. Agora sim, TCM: Tamos Com Mesa. E nem vocês precisam pedir licença – também estão convidados para esta noite de tricô mineiro. Para esta mesa de (l)argamassa (Penne! Penne com molho branco & milho, para horror de todos os italianos, inclusive meu amigo Afonsim) & drinques finos. Beba-se, i.e., leia-se súbito e num só oxítono: tonicacumguaraná. Então, vamos lá. Ou venham cá, como preferirem.

    Ednéa-Licínia: como me lembro eu-meninim da beleza dessas menininhas!  Ednéa, a mais bela Rainha do Tiro de Guerra, logo depois da própria: ali, meio que na virada dos anos 40.  Ednéa & seus blue-eyes-oh-yes: azuis-mais-que-azuis. Que nem a Maysa Matarazzo da década seguinte: os olhos de Ednéa são dois não sei quê dois não sei como diga dois Oceanos Não-Pacíficos (gracias, seu grandessíssimo zé-mané Bandeira!).

     E a Licínia, então, aquela Licínia que inundou de irrecuperável amor o não menos Antônio-Clark-Gable-Cardoso e sua bigodal figura. A mais bela Licínia como a vi numa foto de mocinha na Fazenda Sinimbu, a Licínia que está aqui à nossa frente e que lá está na parede, flagrada para sempre, muito da smart, com seu it, seu requinte, sua placidez pós-guerra, Rita Hayworth refulgindo-re-full-Gilda com seu charm evolando fumaça Cataguases afora.

     E Cataguases afora, noite adentro, falamos. E como falamos! E quanto tricô, sô! Os de antanho, aqueles tricôs de nossas velhas comadres, são meras costurinhas perto de nossa sofisticada tricotagem sobre as gentes, os dementes, os indigentes, os frementes & seus repentes, os amantes ardentes (nem tanto, nem tanto!). Aquele fulano da rua tal, você se lembra? E aquela que foi casada com aquele que descasou daqueloutra? Pois é, quem diria!

     E tome de tricô catuauá, de tricô cotidiano. Perdão, “catadiano”. E “tricodiamos”, bocas geladas por providenciais sorvetes. De que falávamos mesmo? De tudo e de nada, que é uma forma de empurrar a madrugada da província rumo à manhã de domingo. Falávamos de quem mesmo? Da gente catuauá. No fundo, do nosso amor por todos, por essa coisa toda que nos esquenta como o cafezinho de agora. Epa! Vamos embora que já são duas da matina, meninas!



Cataguases, 20.07.2003

in Há Controvérsias 2

São Paulo, 2011