20 de abr. de 2020

P.J. RIBEIRO: POETA & MESTRE DO MICROCONTO

Estou cada vez mais do lado dos injustiçados, dos oprimidos, dos nervosos,
dos ludibriados, dos medrosos. Estou inteiramente do meu lado.
P.J. Ribeiro (1942-2020)




Pois é, a gente vai envelhecendo, os amigos partindo – e os necrológios vão crescendo, pipocando aqui no blog. O século, este, nem bem chegou a duas décadas e lá se foi, lá se foram, vários nomes homenageados aqui neste Há Controvérsias, entre amigos e conhecidos: Baden Powell, Fernando Sabino, Francisco Marcelo Cabral, Afonso Vieira, Ferreira Gullar, Paulo Fialho, Wlademir Dias-Pino, Wanda Pimentel, Bibi Ferreira, Bernardo Bertolucci, Rubens Gerchman, Anna Maria Maiolino, Slotti, Elke Maravillha, Cairo Trindade, Cauby Peixoto, Celina Ferreira, Nuno Rebocho ... epa! Só agora vejo que não registrei no meu blog a morte de meu amigo, o poeta e jornalista português Nuno Rebocho.
Na época do lançamento de meu livro em Portugal, em outubro passado, Nuno mandou mensagem dizendo que não poderia ir pois estava adoentado. Já em Lisboa, combinei com o poeta Ronaldo Cagiano de irmos visitar o Nuno em Mafra, a 40 km da capital portuguesa. Mas os preparativos do lançamento impediram nossa visita. Em 12 de janeiro, Cagiano me comunicava a morte de nosso amigo. Nuno morou longo tempo em Cabo Verde e, em 15 de janeiro, o Ministério da Cultura e a Embaixada de Cabo Verde em Portugal lamentaram sua morte e divulgaram nota de pesar, descrevendo Nuno Rebocho como “um homem de ´causas justas´ que lhe custaram vários ´amargos na vida´, entre eles a liberdade no regime da ditadura do Estado Novo”. Quando publiquei aqui um texto sobre os 50 anos do maio de 1968 em Paris, Nuno me mandou um depoimento sobre seus anos de cárcere em Lisboa no período salazarista, que incluí em minha postagem. Agora, me vejo em débito com meu amigo, mas pretendo ainda escrever sobre a nossa amizade e o grande poeta e escritor que foi Nuno Rebocho – um ser generoso, que chegou a escrever um poema-prefácio para meu livro minerar O branco.

Peter White? Não! P.J. Ribeiro!



Então – e retomando o “departamento de necrológios século XXI”, que parece não ter fim. Ainda há pouco, entre os que se foram, estava a Tânia Diniz (vejam postagem anterior no meu facebook), e agora vai o P.J. Ribeiro, meu amigo Pedro Branco. Como ela, também Pedro foi levado por um câncer logo no dia seguinte da morte de Tânia, 04 de abril.
Eram três irmãos. Três poetas na Cataguases dos anos 1960: Joaquim Branco, Aquiles Branco e o Pedro. Que era o irmão do meio e também, com todo o direito, “do meio”: além de poeta, contista, dramaturgo e compositor. Editávamos na época o SLD-Suplemento Literatura Difusão, um dos vários jornais literários que faríamos dali para a frente, e fizemos contato com o pessoal do concretismo paulista e do poema processo, que acontecia no Rio. Com seus instigantes poemas visuais, Pedro se tornaria um dos ases do movimento.
 Em 1967, Joaquim Branco, Mauro Sérgio Fernandes e eu escrevemos uma peça a seis mãos em homenagem aos 90 anos da Revista Verde, “Carta aos Ases”. Ali surgia uma canção do Pedro, cantada por seu parceiro Messias dos Santos. Havia na canção uma frase que dizia qualquer coisa como “e verás, digoverás”. Que diabos seria aquele “digoverás”, eu me perguntava, sem coragem de perguntar ao Pedro, pois pensava ser uma palavra-valise daquelas inventadas pelo pessoal do concretismo.
Só depois, vendo a frase escrita, percebi que uma coisa é a frase musical, outra a escrita. Na verdade, apenas uma vírgula ausente na pontuação musical: “E verás, digo, verás”.  Assim também iria acontecer anos depois com “Meu primeiro amor”, quando cantada por Gal Costa, aquele “Na estrada longada vida/ eu vou chorando a minha dor”, que eu vivia me perguntando o que seria essa tal de “longada”, sem atinar para a simplicidade de “na estrada longa da vida/ eu vou chorando a minha dor." Pois é, seu Zé Mané. Acontece com ouvidos incautos como os meus.
Naquele momento, década de 60, já o Pedro despontava com seus mais que criativos poemas, inclusive visuais, que formariam mais tarde seu primeiro livro, lançado em 1976. Foi quando falei pra ele: acho que é Branco demais – Aquiles, Joaquim e agora você. Que tal “Peter White”? – eu disse, brincando. Mas logo lembrei-me do Ribeiro de seu nome, Pedro José Branco Ribeiro – tirei o Branco da jogada e completei: P. J. Ribeiro!

Uma vasta obra



E P.J. Ribeiro ficou, Na verdade, não um pseudônimo, mas um nome que saltava de seu próprio nome: marca, chancela autoral. Assim nasceu P.J. Ribeiro, o escritor que passou a produzir sob esse nome uma série impressionante de marcantes obras em vários gêneros: poemas, contos, minicontos, livros infanto juvenis. Desde seu primeiro livro, Abstrações de um Tigre, 1976, foram vários os títulos publicados: Aturdências (1º de contos), Envidraçados, Um terno tirado do fundo do armário, Besouros falantes, Kiki, a coelhinha festeira, Céu azul de cobalto, Duelo de emoções, Vida Rebelde, O estrangulador de estrelas, Interlocutando, Água solitária, Poemas educados, Coração em festa (o último deles, de 2018) e outros e outros, que o Pedro não parava de publicar.
Já em Abstrações de um Tigre, com trabalhos realizados a partir de 1962, surgiam, ao lado de surpreendentes poemas visuais que fechavam o volume, uma série de poemas-insights, registros de uma sólida trajetória em formação. Destaco alguns exemplos: “Se o que te ama/ não for chama/ não ama”. Ou a assonância-impacto desses dois fragmentos, que remetem a Platão e à dicotomia essência/aparência: “As sombras vivem soprando coisas/ pra dentro da gente”. “O azul aparece/ antes que a gente sinta./ Tinta”. Ou, até mesmo, antecipando os mórbidos tempos de hoje, esse poder visionário de artistas atentos, “... nos olhos fugidios da morte/ existe um adeus/ longo/ longe/ como um canto/ de deus”. E, ainda, “As palavras são feitas de metal/ e têm uma força desconhecida./ O robô não sabe falar./ A peste bubônica fala com a morte/ de seu nome-palavra”. E a pedra-de-toque desse poema “Gerais” de que gosto tanto desde a primeira vez que o li, ainda na década de 60: “minas trabalha em silêncio:/ MINASMORE”.

Dichten = Condensare



Tinha toda razão o irmão Joaquim Branco ao escrever sobre Água solitária: “Quando P. J. Ribeiro, de repente, resolveu botar pra fora todo um arsenal de textos guardado há cerca de 20 anos, ninguém esperava que houvesse tanta coisa boa. Isso o surpreendeu também.Leitores e críticos, não sabendo que aquela avalanche de bons textos vinha de muitos anos atrás, estão recebendo os livros como produções atuais. Tanto melhor”.
Críticos do calibre do poeta Francisco Marcelo Cabral, que afirmou no prefácio de Vida Rebelde: “Os textos densos, concentrados, de P.J. Ribeiro, têm essa característica essencial da obra de arte: uma tensão interna que se resolve na leitura, um desfecho marcado pelo humor, pela reflexão, pela ironia. Nos textos de P.J. Ribeiro experimento o mesmo tipo de fagulha – que, no meu entender ocorre quando prosa e poesia se cruzam – num efeito perturbador de humor artístico, ´modernista´, descarnado!”.
E Chico Cabral cita o próprio P.J. ao escrever sobre suas minipeças: “É que tudo depende essencialmente da estrutura e densidade do texto, emocionalmente falando. Quanto menos, mais emoção. Portanto, a fórmula seria a sintetização da fala, a substituição do excesso, do dispensável, pela sublimação da emoção trabalhada, o biscoito fino, o coito”. É como se ele descrevesse em toda a plenitude aquela definição poundiana para poesia, dichten=condensare, leia-se “poesia é condensação”.

Highlights


E aqui cabe citar ainda alguns highlights, alguns desses flashes que se destacam entre essas short-short-stories – exemplos por excelência do total despojamento dessa mini-micro-proesia. Lembra Dalton Trevisan, lembra Oswald de Andrade, mas é P.J. Ribeiro em toda a sua plenitude: “A vida/ É uma porrada só/ A vida/ É uma porra só/ A vida/ É pó”. Ou “Quero morrer!/ Você tem alguma ideia melhor?”. Suas agudas observações, extratos do cotidiano à la Nelson Rodrigues & A vida como ela é, como nos exhibits a seguir.  
“Tenho dois amigos inseparáveis/ que me atormentam de dia/e que à noite sempre brigam/ quase levando-me ao desespero:/ eu e mim mesmo”. Ou “Areia da grossa/ Areia da fina/ Areia me faça/ Ficar pequenina./ Arraial da roça/ Arraial das minas/ Arraial me cala/ E me arruína”. “Vida e morte/ eis a razão./ Morte ou vida/ eis a canção”. “Opaco/ é o palco/ polaco”. Ou esse bem-apanhada “Coisa de Mineiro: Por trás do morro há outro morro, outro morro, depois mais outro morro, até chegar num lugar sem morro, sem mais morro, sem outro morro. Então morro”.
Ou ainda quando revela um absoluto domínio da enumeração, do encadeamento das palavras substantivas, formando uma espécie de ondulação poética de grande densidade. E ainda com uma profusão de assíndetos, zeugmas e outros artifícios, propositais ou não, essas figuras de linguagem de quem sabe o que está fazendo: “E que o mar devia estar sendo fotografado por alguém naquele momento pra depois ir parar na rede da sala de uma casa qualquer, numa moldura, tanajura, aí eu fico danado, mas vejo que todos gostam e que ninguém vai notar absolutamente nada, é isso aí, minha gente, é isso aí, tudo isso é vida, concha, sal, peixe, mar”.

Poemas educados


Uma de minhas lembranças de meu amigo Pedro Branco na verdade são duas: o seu recato, a sua aparente timidez, que súbito se transformava ao ver uma pista de dança, qualquer uma. Ele era um emérito pé-de-valsa, com um balanço de quem sentia música como poucos. E, no fundo, um romântico incurável, atropelado pela vida, como nesses fragmentos  extraídos de Poemas educados (2018), seu penúltimo livro: “Passei meus tempos de/ infância aturdido/ completamente./ Mas sei que no céu existem nuvens que falam/ umas com as outras,/ confidencialmente./ Majestade, paradeiro ignorado para onde vão/ todas as coisas (boas ou más), não importa./ O necessário é que vão./  Destino incerto, e esta é minha vida:/ cheia de mistérios/ que eu mesmo tento produzir-me/ Espectro que vaga,/ numa noite/ enluarada”. Ou essa súbita constatação: “não tenho/ (nem nunca tive)/ nada a ver com a vida” .
Ou nesse poema sinalizando um metapoema, que remete a Ezra Pound e rebate seu emblemático conceito de serem os poetas as antenas da raça: “Nós, poetas, somos seres/ feitos de carne e osso/e de uma matéria estranha./ .../ No entanto, se por acaso choramos,/não é por conta da felicidade/ que bate à nossa porta./ É que, às vezes, somos vítimas de/ acachapantes dores-de-cabeça/por sermos considerados as antenas da raça”. Mas olhem que P.J. Ribeiro acaba nos trazendo acachapantes dores-de- cabeça quando assume ao acaso o papel de antena da raça e parece prever o que passamos agora com o Covid-19: “Quando eles forem embora/ não restará mais ninguém/ por esses lados./ E os corpos dos que aqui estão/ há muito estarão enterrados/ em pequenas valas./ Que importa? Quem mais importa?/ Quem fica ou quem não volta?”.
E o inusitado de alguns dos ‘poemas educados”, por exemplo o que há de premonitório no de nº III: “– A pena pertence/ apenas/ ao condenado./ – Que deus te livre/ (e guarde)/ do enfarte./ – Quero te ver amanhã:/depois da manhã./– Ao som de banjos/ sonhe com anjos./ – Melhor ficar calado/a falar demasiado”. Ou na surpresa desse quase haicai que foge aos parâmetros e se impõe: “Céu embaçado/ Nuvens carregadas de significados/ Luz fugidia/ Paisagem de prata”.
Destaco ainda o emaranhado de pedras & perdas, nesse exhibit de perfeita concreção: “P E T L A S/ P É T A L A S/ P E D R A S/ P E R D A S”.

Life is very short



“O certo é que tô perdendo a alegria de viver,/ com esse meu coração em férias”, constata P.J. Ribeiro num dos poemas de Coração em férias (seu último livro, de 2018). No prefácio deste livro, o poeta e crítico Ricardo Alfaya escreve – parecendo de certa forma remeter àquele Life is very short, and there's no time da canção We Can Work It Out, de Lennon & McCartney: “O tempo, a questão da finitude, o tempo curto, a urgência de se fazer as coisas enquanto as coisas não acabem, ou nós mesmo não acabamos”. E observa: “Este é um livro escrito por um homem que já completou 76 anos. Alguém que, durante uma longa existência, não encontrou outro sentido para a vida que não fosse o da própria busca desse sentido”.
Há quase em todos os textos um premonitório encontro com a morte, um se acabar de vez, uma intensa angústiamargura. Possivelmente assomado pelo câncer que o matou, o bom humor de P.J. Ribeiro parece ter ficado esquecido: “Já não tenho a resistência de antes./ Hoje, bastante enfraquecido, não suporto mais/ o que suportava tempos atrás./ Daqui pra frente, quero fazer somente o que/ me der na telha, curtindo a vida como todo mundo./É o mínimo a que tenho direito”. Ou “Quando poderei me esquecer de/ tudo e de todos de uma só vez?/ Quando poderei tirar da minha cabeça essa/ ideia cabalística de morrer?”.
E ainda, na mesma tecla, e lembrando os aflitivos poemas pré-morte de Ascânio Lopes: “Essa tosse me trombando, o pulmão entupido/ de nicotina, essa calma nervosa, a par de/ uma manhã que quase me sufoca. Tudo isso,/ acontecendo ao mesmo tempo, me confunde./ Mais tarde, quando as horas chegarem ao/ clímax, lágrimas me descerão dos olhos, que/ antes eram inatingíveis e ainda não sofridos./ E, aos poucos, a vida baterá suave em meu rosto./ Como um leque sopra o vento calmamente/ nas faces dos mais idosos./ Será que ainda valho alguma coisa?”. Ou a secura dessa constatação: “Atualmente, pressinto que eu e todos estamos/ no mesmo barco./ Todavia, nessa hora difícil e tenebrosa, faço-me/ em trapos que, mais tarde, se/ transformarão em outros trapos, os quais/ deverão anunciar meu derradeiro fim”.


MELHORES MICROCONTOS

Joaquim e Pedro Branco, irmãos na vida e na arte”


Aqui, e para terminar, volto ao texto de Francisco Marcelo Cabral, que compara P.J. Ribeiro a Jules Renard, quando ele é mencionado por Gilbert Sigaux no prefácio da edição de seu Journal “...nós nos deparamos com essa qualidade realmente rara num escritor: ele não amplia, ele reduz”. E é exatamente essa capacidade de reduzir, de condensar, que podemos ver em alguns dos melhores microcontos de P.J. Ribeiro que se encontram a seguir, selecionados por seu irmão, o poeta Joaquim Branco.

Clínica
Por favor,
aguarde na recepção.
Pode ser grande
a decepção.

Montanhas de Minas
Olhe, só depois de passar por certas coisas e de notar esta chuva caindo de mansinho e que só aumenta com o tempo é que finalmente tomo coragem, passo as mãos nos móveis da sala e sinto como estão frios. Então percebo lá fora aquelas montanhas de Minas que continuam caladas estupidamente geladas
 olhando para mim.

Cópula astral
Um dia
eu peguei minha luneta
e fui olhar
a lua preta.

Loteria
Se
eu ganhar na loteria
te levo
pra mostrar minha poesia.

Quem quiser o céu que o procure
Quem quiser o céu que o procure,
pois atualmente não ando querendo nada.
Digo o céu real, o firmamento, o finito palpável;
quanto ao impalpável, é outra conversa.

O bem e o mal
Chamaram o Bem para uma partida de futebol.
Quando o Bem deu a saída na bola, o Mal com outra bola fez um gol.
O Bem disse que não valeu; o Mal disse que sim e ficaram naquilo até resolver chamar um juiz pra acabar com o impasse. Quando o juiz chegou disse que valeu sim, que aquele gol era perfeitamente válido.
Só aí o Bem começou a entender o lado mau das coisas.

Situação
Havia duas famílias em Drogary.
Uma pobre, outra rica.
Na rica, tinha poucas pessoas e muita comida.
Na pobre, muitas pessoas e pouca comida.
Pena que só depois de muito tempo os pobres descobriram isto.
Então, já sem forças, quiseram comer os ricos.
Mas não conseguiram.

Misterim
Dom Blake tinha o bigode ralo, raras vezes ia ao banheiro, pois sofria de prisões. Fumava o seu cigarro solitário, deitado naquela cadeira de balanço, vendo tv, relendo o jornal. A empregada chegava, Dom Blake sorria. A empregada saía, Dom Blake olhava de banda. E ficava o dia inteiro pensando naquilo tudo, olhando, pensando...

Bem acima do meu quarto
Bem acima do meu quarto mora uma viúva, com dois filhos pequenos, que atende 24 horas por dia. É só marcar.
Logo abaixo dessa viúva moro eu num quarto cujo telhado é todo, todo-todo, de vidro.

Duas vidas
Artur pensava que podia ter duas vidas.
Casou-se com Joana e Joaquina.
Só depois é que sentiu que só dava pra ter uma.
Largou Joana e Joaquina.

Futuro ao molho pardo
Não sabia que era sua filha, oh, Trude, não almejo tanto, se soubesse garanto que não insistiria.
Agora os dias irão se fazendo como o barro faz telhas e, os pedreiros, casas.
Não me pergunte, Trude, aonde pretendo chegar qu´eu não saberia lhe responder mesmo.
Vamos levando a coisa assim, desse jeito, temperando, preparando um caldo especial.
Pra depois jogar por cima, bem por cima, do nosso futuro ao molho pardo.

Gatilho
Quando vi o revólver encostado na cabeça daquele pobre homem,
gritei:
- Cuidado, vão matá-lo! Não atirem!
Mas eles nem ligaram, acionaram o gatilho e dispararam.
O que não sabiam é que aquele homem se transformara há muito num velho boneco de seda e cortiça.
Que vivia disfarçado de mendigo implorando a morte.

Brasileiros, casados
Do peito de Humberto Barroso desciam lamúrias, perdões, choros e desconsolos. Da face de Marli Castelo nasciam rugas, caminhos, arrependimentos, todos juntos, marcadamente. Do coração de Humberto brotavam paixões, fogos, gelos e cicatrizes.
Da cabeça de Marli subiam conhaques, martinis, sopas e cogumelos inconfessáveis em que se viam envolvidos alguns membros da família. Eles, brasileiros, casados com separação de bens, de muitos bens, nunca realmente se importaram com os outros brasileiros, casados ou não, que passavam fome, que eram tratados como escravos, que jamais teriam a oportunidade de ter um dia uma vida melhor etc. etc.

Acerto de contas
O que Sandra queria mesmo era acertar as contas comigo, e em seguida bater em retirada, não sem antes impingir-me derrotas. Isso eu sempre soube, mas só tive certeza agora quando ela tentou me matar pela segunda vez. Só não adianto mais nada por enquanto, porque senão depois, na hora do julgamento, a coisa pode se complicar. E, caso isso aconteça, não posso jamais cair em contradição.

Cavalaria
Estou entre déspotas.
Com o carro em movimento, penetro por lugares nunca dantes navegados.
Apesar do medo, ainda trago comigo a incrível capacidade de captar milhares de faróis vindos em minha direção ao mesmo tempo.
Mas, se acaso me deparasse com uma cavalaria à minha frente, pronta pra me dizimar, não saberia o que dizer.
Muito menos me defender.

4 comentários:

luciano de andrade disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
luciano de andrade disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
luciano de andrade disse...

o pedro era bom demais!; e o pj ribeiro imortaliza o cara lindo que ele era, sempre generoso comigo e com o sebo! é o autor que mais li entre todos os cataguasenses; e relerei sempre. ...abraços aos leitores, amigos e irmãos dele nas artes da vida! gratidão ao pedro por termos uma obra tão instigante e desconcertante à disposição!

fernando abritta disse...

Para PJRibeiro

Maravilha de post. Comparti.
Como vc está?
Vi q Pedro nos deixou.
A mim fará falta, a vc, posso imaginar.
Lembro teu verso: O quanto temos perdido.
ponto ponto ponto

Tô com tosse persistente.
uma doída solidão.
Jamais imaginei estar preso.
Minhas sandálias
cobertas de teias de aranha.
ponto ponto ponto

JB: Isso ai

Imagino Pedro chegando no céu
procurando clube de danças
e damas locais
Outro Pedro, o das chaves, sussurrando
uma passagem atrás do trono divino
- Não se preocupe com o Barba
Ele gosta
ponto ponto ponto

inveja ridícula
PJRibeiro mais uma vez
na frente
ponto ponto ponto

já sabe o sexo dos anjos.
Aposto.
ponto ponto ponto

meu sonho coberto de poeira
de trilhas caminhadas.
Ponto.

fernando abritta
02/04/2020 Juiz de Fora MG