8 de jul. de 2022

O MAR DE IMAGENS EM ANDY WARHOL

 


  Em 1999, o CCBB/Rio programou uma grande exposição sobre Andy Warhol e me chamaram para escrever o texto do catálogo, que seria também plotado na parede onde estaria a mostra. Já morando em Cataguases, fui ao Rio para ver os trabalhos a serem expostos e fiz uma série de anotações para meu texto. 

     São “digressões”, como anotei em meu moleskine – e que resolvi reproduzir aqui, pois dão ideia de como cada texto vai sendo construído em seu processo de feitura. São anotações ao acaso, sem ligação entre elas. Aparentemente uma grande confusione – mas que sempre me ajudam no texto final. Vejam a seguir.



Digressões about Warhol

    Obsessão. Superficialidade. Banalidade. Fugacidade. Narcisismo. FRIVOLIDADE. Ele viveu intensamente os 30 anos que foram de 57 a 87. Totem dos anos 60 (POPism). Workaholic. “Andróides melancólicos”. Cibernéticos. Metálicos. Ausência de emoção. Prateado(cabelo/roupa/decoração/metálico). Sociedade do espetáculo.

     Por que é artista? – Olha com o olhar narcísico da modernidade. Tudo se torna imagem, simulacro. Não tem essência, só aparência. Mímese = recriação da realidade. Só retrata o que tem sucesso, porque ele faz parte dessa sociedade (Inveja dos mitos da mídia).

     Fotogramas. A repetição: o cinema no tripé. A vida que passa. A câmera não interfere. Nihil = Nietzsche. Cartemas de Aloysio Magalhães. Fugacidade/ A coisa chapada que é a nossa sociedade. Superficial. Exótico. Descartável. O mundo do faits-divers. Da banalidade.

    Voyeur, Warhol vê sem interferir: os filmes, as pinturas, a vida – tudo. Texto lúdico, pop, leve. Brincar: antiacadêmico. Contextualizar a obra. Por que é arte? Artistas entram na dança das imagens (mar de imagens).

      O excesso de imagens que contamina a sociedade contemporânea é de tal forma esmagadora que só resta ao artista “devolver” essas imagens tal e qual, sem retrabalhá-las. Só resta a ele mostrar isso. Nós somos simplesmente olho. Nada a perguntar. Só olhar: a sociedade do espetáculo. Warhol é a expressão daquele momento específico, do zeitgeist, do mundo em ebulição naqueles anos 60. A arte faz a recriação da realidade. Afastar-se para olhar a realidade.

     Vejam o que resultou de todas essas digressões no texto a seguir, como foi publicado no catálogo da mostra e exposto na parede da exposição de Andy Warhol no CCBB/Rio.



AQUI, A GLÓRIA

     "É meu primeiro funeral famoso" – disse o coveiro de Pittsburgh, onde Andy Warhol nasceu e foi sepultado (1928-1987). Nem era para menos: nunca mais enterrou ali ninguém tão célebre. Ícone, estrela-guia da Pop At, Andy Warhol queria mesmo era brilhar como um popstar– e durante 30 anos foi como poucos centro de atenção dos spotlights, mesmo quando por trás das câmeras, dirigindo os filmes inaugurais do cinema underground.

     Desde seus primeiros retratos de Marilyn Monroe em 1962 ele se tornou, de fato, o papa do pop – e nunca mais deixou de ser notícia. Warhol brilha novamente aqui, nesses significativos fragmentos de sua imensa obra, pertencente à coleção Mugrabi, que nos chega direto de Nova York. Este é outro marco dos dez anos do Centro Cultural Banco do Brasil.

     Movimento surgido em Londres e Nova York entre 1956 e 1966, a Pop Art transformou a ambientação urbana em motivos inusitados para qualquer coisa que se pensasse como "arte": histórias em quadrinhos, embalagens, ídolos da mídia. Produto da "saciedade" do olhar, transitória e descartável, sexy e glamurosa, ela trabalha com badulaques visuais, com imitações do real, tornando-os perenes e fugazes. 


    E parece virar o mundo de ponta-cabeça, ao sinalizar a cada momento para a perecibilidade dos bens duráveis e a permanência dos não-duráveis. Quando Warhol reproduz latas de sopa em série e/ou tiras de histórias em quadrinhos, sabemos estar diante de obras de arte que têm como fulcro o pastiche da sociedade de consumo e da história da indústria cultural.

     "Minhas imagens são as mesmas, mas ao mesmo tempo são muito diferentes. A vida não é uma série de imagens que mudam enquanto se repetem?". E elas se repetem sempre, como fotogramas extraídos de seus filmes. Não importam os motivos: Warhol trabalha seus silk-screens em cima de fotos já cristalizadas, simulacros à deriva no mar de imagens que a mídia desgastou: ídolos, latas de sopa, refrigerantes – velhos fantasmas domésticos saltando das gôndolas de um absurdo supermercado do espetáculo.

     "Se você quer saber de Andy Warhol, basta olhar para as superfícies de meus quadros e filmes que lá estou eu. Não há nada  além disso". Apenas mais uma frase de efeito, uma pirueta de um artista desconcertante, insaciável para o "aqui, a glória". Andy Warhol disseminou de tal forma a imagem da América que acabou por ela incorporado. A Nova York daqueles tempos foi em muito a irreverência desse cronista visual de um mundo caduco e em desencontro.




Ronaldo Werneck

CCBB/Rio

12 de outubro a 12 de dezembro de 1999.


 




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