28 de mar. de 2023

“Sozinho me imortalizo mais depressa”

 

“Na linha do horizonte pendurei tua saia/ E a minha mão pegou na tua contra-mão/ À sombra de uma dúvida eu dormi na praia/ E construí meu lar na casa do botão.” São estes os versos iniciais de Amor Nonsense, primeira de uma série de canções que Juca Chaves pretende fazer, criando o movimento de Música Nonsense no Brasil. E, naturalmente, ele será o único representante, criador e criatura: “Sozinho eu me imortalizo mais depressa. Se participasse de grupos, eu ficaria sendo somente mais um deles”.

Segundo ele, a música nonsense é inspirada em Juarez Machado, criador do desenho nonsense no Brasil. Juca é amigo de Juarez há muito tempo e acha que suas músicas têm muitas afinidades com o tipo de desenho feito por ele:  “Juarez desenha, por exemplo, muitos arcos-íris – e arco-íris é uma palavra que sempre cantei em minhas músicas. Apresentar Amor Nonsense na televisão é o próprio nonsense.

     Furo de jornal


Embora o nonsense  tenha surgido através de movimentos bem antigos, como o Surrealismo e o Dada, do princípio do século, a novidade trazida por Juca é que é a primeira vez que o nonsense é veiculado através da música. A melodia é uma marchinha e a jogada mesmo é na letra, que – embora sendo toda rimada e feita em falsos  dodecassílabos, de pés totalmente quebrados – no fundo não tem (e está e a intenção básica) o mínimo sentido.

O nonsense nasce da surpresa, da associação inesperada de palavras, que acaba produzindo efeitos de grande humor, como por exemplo nesses versos da música: “Levei meu olho mágico prum oculista/ do teu ponto de vista fiz ponto final/ no rabo do foguete eu encontrei tua pista/ e enchi de novidade o furo do jornal”.

E esse tipo de música só poderia partir mesmo do humor ferino de Juca Chaves, que define o nonsense como “uma maneira de não se dizer nada muito mais sabiamente do que se tem dito”.

Um clássico

     Quando comento sobre suas letras serem rimadas e (às vezes) metrificadas, Juca faz blague e solta uma de suas boutades:

– Eu mantenho uma tradição musical, embora procure evoluir poeticamente. É verdade que minhas letras são rimadas e  metrificadas. Mas que posso fazer? Eu sou um clássico.

– A minha salvação é que sou da classe média. Se fosse de família tradicional, eu não teria ouvido música clássica na infância e sim a do chicote dos escravos...

– Quando jovem, eu era um músico popular fracassado, era apenas um erudito...

– Após 10 anos pesquisando a música renascentista e fazendo música de câmara, voltei agora à música satírica e principalmente a fazer modinhas, gênero de que sempre gostei. Aliás, acho que as três grandes contribuições que os portugueses trouxeram para o Brasil foram a modinha, a mulata e Tostão no Vasco...

 

Vá Tomar Caju

O sucesso de Juca Chaves vem muito mais de seu talento verbal do que propriamente de suas músicas. E ele tem consciência disso:

  – O forte desse meu show Vá Tomar Caju são as piadas. Todas aplaudidíssimas. No intervalo, toco umas musiquinhas. E as palmas são as mais mixurucas possíveis. O povo gosta de rir, embora quase sempre esteja rindo de si mesmo. Quando digo que sou baixinho e traído, ele ri. Mas traídos e baixinhos é o que não falta nesta terra...

Vá Tomar Caju esteve em cartaz durante quatro meses no Teatro Casa Grande. A partir desta semana, Juca Chaves fará o show no Teatro Serrador. Naturalmente com o mesmo sucesso, com a mesma casa lotada. O espetáculo obedece ao mesmo esquema de one-man-show, já utilizado por Juca há vários anos. Mudam as piadas (“tenho um bom repertório”) ou as músicas, mas o esquema é o mesmo. Ele explica:

– Sou o único show-man no Brasil que faz um espetáculo inteiramente sozinho, sem diretor nem script pré-fixado. Não tenho nem um roteiro certo para as piadas: conto a que aparecer na hora. A verdade é que sou o artista brasileiro que tem o maior fã-clube masculino. Parece brincadeira, mas é verdade.  Os homens dizem “pois é, ele é baixinho e traído, eu não sou”. E caem na risada, quando estou me auto-gozando. Ah, é? Tá bom.

– A verdade é que este esquema deu certo. E não vou mudá-lo, que não sou bobo. E no meio da coisa, acabo fazendo com que eles ouçam minhas músicas de câmara, o que é importante.

Naturalmente, existem os despeitados, que dizem já ter ouvido essa ou aquela piada. Não ligo a mínima pra isso. Piada não tem autor, é como mulher no Bateau: não é de ninguém.

 

 

Amor Nonsense

Na linha do horizonte pendurei sua saia

E a minha mão pegou na tua contramão

À sombra de uma dúvida eu dormi na praia

E construí meu lar na casa do botão.

 

Levei meu olho mágico prum oculista

Do teu ponto de vista fiz ponto final

No rabo do foguete eu encostei tua pista

E enchi de novidade o furo do jornal.

 

Oh Léa, que ideia,

Da lâmpada apaguei a luz

No teu dedo em segredo

A aliança do progresso eu pus

 

Mandei pintar o sete por Juarez Machado

Adormeci meu braço no leito do rio

Curei este soneto que tem pé quebrado

Tomei um caldo verde com sabor de anil

 

Fiquei a ouvir estrelas no céu de tua boca

Com a vela de meu barco iluminei o mar

Num disco de fricção gravei minha voz tão rouca

E derrubei a tarde com golpes de ar

 

Oh Léa, que ideia...

 

Ronaldo Werneck

UH-REVISTA/CAPA

Rio, 02.05.72

 

 

 


 


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