6 de fev. de 2018

ANNA MARIA MAIOLINO: ANTROPOFAGIA & ARTE

Anna Maria Maiolino entre a mãe e a filha em "Por Um Fio"

     Leio na “Ilustrada” da Folha de S.Paulo do último domingo que a artista plástica Anna Maria Maiolino faz no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles a maior mostra de seus trabalhos já realizada nos Estados Unidos. Foi quando me lembrei de um texto de apresentação para o catálogo de uma de suas exposições, que eu escrevi para o CCBB/Rio em 1993. Lá se vão 25 anos, mas aproveito para republicar.
     A trajetória de seis décadas como artista mostra a fuga de Anna Maria Maiolino e da família de uma Itália destruída pela Segunda Guerra, a passagem pela Venezuela, primeira migração, seus anos nova-iorquinos e o momento em que fincou raízes em São Paulo, onde vive hoje.
     “Fui uma andarilha”, diz Maiolino. “E fui criar um alfabeto, um discurso na arte por não pertencer a nada e a tudo ao mesmo tempo. É uma coisa muito paradoxal. Mas quando os brasileiros querem me ver como uma artista de fora, fico ofendida. Tenho plena consciência que sou um produto da arte brasileira. Todo artista é um antropófago”.
A seguir, meu texto sobre ela.

A MÃO DE
MAIOLINO


     Desde o início de sua trajetória artística, existiu sempre em Anna Maria Maiolino uma latente inquietação pelo ato de fazer em si e, mais ainda, pela estrutura da “cousa” onde aplicava suas criações. Daí um constante interrogar-se com relação aos próprios suportes de sua arte, como no tempo da Nova Figuração, quando buscava revitalizar as potencialidades formais da gravura e do próprio objeto.
     Essa preocupação manteve-se mesmo em fases posteriores, ao lançar-se – já no final dos anos 60, em Nova York – na desconstrução do suporte da gravura e do desenho, interferindo na aparente neutralidade do papel através das incisões, fendas, perfurações. Já então, como agora, Maiolino “tateava” a metáfora maior de sua obra: um discurso preso ao fazer matérico, extraído do manuseio do objeto, da mão operante, da mão que emprega, que se entrega, da mão que obra a matéria e que, ao preservar o seu “estar-no-mundo”, afasta-se definitivamente da ilusão.
     Anna Maria Maiolino foi buscar em Pirandello o título dessa exposição. Nada melhor que “Um, Nenhum, Cem Mil” para dar sentido a suas cobrinhas, a esses rolinhos que são um e nenhum, pois ao mesmo tempo que preservam sua identidade, o que há de intrinsecamente matérico em si mesmo, somam-se a outras formas parecidas, repetindo-se na composição desses objetos-cousas. São iguais e diferentes, esses objetos. É a mesma a argila em que são modelados. É semelhante o gesso que se aplica ao molde, quando retirada a argila. É a mesma a dualidade pleno-vazio-negativo-positivo, oco-cheio com que trabalham as mãos de Maiolino.
      A artista substitui a argila pelo gesso, mas mantém a essência do material, seu peso e temperamento. Anna Maria Maiolino não quer ocas essas cousas, meros simulacros. O que ela nos propõe é o ato de “cousar” - sinônimo de reflexão e mistério. Ao abrir espaço para essas matérias vivas, o Centro Cultural Banco do Brasil quer devolver ao público um pouco do fascínio primitivo do trabalho de mãos simples – padeiros, ceramistas – frutos de paciência e prazer. Aqui, não se esculpe – mas se modela à imagem e semelhança da memória, do acaso que vem da mão.

Ronaldo Werneck
CCBB/Rio, 1993




Um comentário:

Simone disse...

Nada mais autentica antropofagia brasileiro que isso. Alguem que inventou um alfabeto de sobrevivencia existencial . É genial. Um tecido nao residual, mas, intrinseco da antropofagia Geral de Oiticica. É é a brasileira que todos queríamos.