22 de nov. de 2024

PAULO MARTINS: A morte do cineasta de O Anunciador

 

Aos 79 anos, meu amigo, o cineasta Paulo Martins (Cataguases, 05.05.1945 – Campinas, 15.11.2024), morreu na sexta-feira passada em Campinas, onde lecionou por muitos anos na Unicamp. Paulo foi professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, onde ingressou em dezembro de 1983 e se aposentou em maio de 2015. Ali ele participou da criação do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da Unicamp, e coordenou a realização de dezenas de produções de alunos em vídeo, audiovisual e cinema.

A última vez que nos vimos foi há coisa de uns dez anos, se tanto, quando o advogado Rogério Torres criou aqui em Cataguases um Clube de Leitura intitulado “Nossas causas”, menção a uma dos muitos slogans do filme O Anunciador, o Homem das Tormentas, dirigido e filmado em Cataguases por Paulo Martins nos anos 1960, aos 22 anos. Paulo veio para a inauguração, quando foi homenageado na presença de dois outros atores do filme, o protagonista Carlos Moura e o hoje saudoso poeta Antônio Jaime Soares.

No outro dia, eu o levei para almoçar em Piacatuba. Caía uma chuva fina e caminhamos com dificuldade pela rua das Pedras. “Nossas causas”: ele em função da paralisia infantil, que deixou sequelas pela vida inteira; eu, pelo barrigal peso da idade, longe dos esquálidos tempos da mocidade. Tudo rimado, poeta compulsivo que sou. Mas, como sempre, entre um escorregão e outro, Paulo falava e falava sempre sobre cinema – ele que sempre gostou de falar andando, como a se mostrar vencedor da paralisia sofrida na infância.

As voltas da mocidade

Alguns anos à frente – ou atrás, já que falo anos depois, e essa língua portuguesa ainda vai entortar minha cabeça – soube que ele tivera um AVC lá em Campinas e sofria com constantes internações, a vida entre o hospital e a sua casa, onde se “loucomovia” na cadeira de rodas. Na época, nós nos falamos algumas vezes por telefone, Paulo sempre bem-humorado. Engraçado que nossas conversas telefônicas raramente passavam pelo cinema, como antes, mas voltavam-se agora para “nossas causas” dos velhos tempos, aquelas besteiras da juventude. Lembro que cheguei a falar com ele sobre a máxima de Rosário Fusco: “A gente só se lembra das besteiras que fizemos. Um dia normal – café, trabalho, almoço, trabalho, jantar, cama – fica esquecido. Mas se houve alguma mancada, se tivermos feito alguma besteira, esse dia jamais será esquecido”. E nós – ele, eu, todos nós – demos várias e inesquecíveis mancadas vida afora.

 

Paulo Martins visita Rosário Fusco 
em Nova Friburgo, década de 1960

 Fomos amigos desde os tempos da mocidade, eu às voltas com a poesia e suplementos literários e Paulo com o teatro e principalmente com o cinema, sua obsessão.  Com 22 anos, ele foi o primeiro cineasta a realizar um longa-metragem em Cataguases, 40 anos depois de Humberto Mauro: O Anunciador, o Homem das Tormentas. O que necessariamente não significava desinteresse de Paulo pela literatura, como se vê pela foto (década de 1960) em que ele visita o escritor Rosário Fusco em sua casa de Nova Friburgo. Naquela Cataguases da década de 60, e quatro décadas depois, nós nos semelhávamos, de certa forma, àquela Cataguases dos anos 1920, de Humberto Mauro e dos Verdes. Paulo Martins e sua turminha, como Mauro, já focados no cinema; Joaquim Branco, eu e os “bardos barbudos” do Totem, como os Verdes, às voltas com a literatura, o poema em processo.

Eisenstein & Agedor

Ele me aplicou Eisenstein, Truffaut, Buñuel, fora todo o pessoal do Cinema Novo. Também pudera: o cine-clube criado por Paulo Martins na Cataguases dos anos 1960 (do qual fui vice-presidente) chamava-se nada menos que Sergei Eisenstein, em homenagem ao grande cineasta russo, e foi inaugurado com o filme “Os Incompreendidos” (Les quatre cents coups), de François Truffaut. Ah, sim: Buñuel. A produtora que ele fundou junto com o poeta Francisco Marcelo Cabral (e que produziu O Anunciador, iniciado em 1967 e só lançado em 1970) chamava-se “Agedor”, título naturalmente extraído do filme L´Age d´Or, de Luis Buñuel.

No Rio, 1963 – quatro anos antes das filmagens de O Anunciador em Cataguases –, Paulo eu moramos numa pensão na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo (onde hoje é a Livraria da Travessa, uma rua agora “estrelada” por várias salas de cinema). Foi quando nos aproximamos mais, longos papos noite adentro. Literatura e música, sim. Mas cinema sempre, sempremente cinema.

Após o jantar, a gente ficava sentado na porta da pensão (está lá ainda hoje, aquela porta altíssima em frente às salas de cinema do Estação Botafogo), papeando à toa enquanto passavam por nós os últimos espectadores do antigo cinema que existia no início da Voluntários, pros lados da Praia de Botafogo.

 Acho que aquele cinema se chamava Cooper, como acaba de me informar meu amigo Cavi Borges, hoje responsável pelo Espaço Itaú de Cinema, que lá existe onde foi o velho Cooper. É Cooper mesmo, Cavi? Um cinema ali do nosso lado, mas que não frequentávamos: afinal ali só passava porcaria, nada dos “filmes-cabeça” que povoavam nossos papos e cabeças em constante movimento, no passar dos fotogramas. Como no cinema, o “verdadeiro”.

O Desafio & Isabella


Foi então que Paulo Martins se enturmou com o pessoal do Cinema Novo, principalmente com o cineasta David Neves (que conheci por meio dele, e de quem me tornei amigo vida afora). Em 1965, Paulo foi assistente de direção do seminal “O Desafio”, o ousado filme de Paulo Cezar Saraceni, realizado logo após o golpe militar de 1964, com Oduvaldo Vianna Filho, meu grande amigo Luiz Linhares e Isabella, na época casada com Saraceni. De quebra, havia Maria Bethânia em cenas do show Opinião, espetáculo que vi várias vezes, não só com Bethânia, como antes com Nara Leão.  

Tempos depois, Isabella morava num prédio nas proximidades do Jardim de Alah e eu ia lá com o Paulo, e acabamos amigos. A bela Isa tinha um Gordini que eu namorava. Não ela, mas ele. Acabou que logo à frente um Gordini, o “bólido” como eu o chamava, virou meu primeiro de muitos carros vida afora. Anos e anos e depois, Isabella me deu a honra de vir do Rio a Cataguases em 2005, junto com uma penca de poetas e artistas, para o lançamento de meu livro “Revisita Selvaggia”

Tudo por obra do Paulo Martins, na época já morando em Campinas. Mas foi ele quem me “introduziu” a ela e a eles se assim posso dizer, a vários dos luminares do Cinema Novo. Já no início deste século, quando Mônica Botelho, Henrique Frade e eu organizamos a Confraria do Cinema aqui em Cataguases – pontapé inicial para o Cineport, o Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, que aconteceria logo depois –, Paulo Martins esteve conosco como um dos confrades. E com ele cineastas como Walter Carvalho (meu amigo de longa data), Paulo Augusto Gomes (amigo da vida inteira) Nelson Pereira dos Santos, Paulo Cezar Saraceni (ficamos desde então muito próximos até sua morte, Saraceni sempre me falando de seu amigo maior, Glauber Rocha) e do dramaturgo Alcione Araújo (viramos “amigos de infância”, como Alcione me dizia). À exceção de Waltinho Carvalho todos mortos – e agora percebo isso, em meio ao espanto que é a vida e o nada que é a morte. Isso só pra me perder em filosofia barata, o que às vezes acontece. Censurar quem há-de?  

O anunciador fala & anda

Rio, meados de 1968. Eu morava no Leme e namorava uma cataguasense então desquitada. Às escondidas, claro, que àquela época as famigeradas más-línguas de Cataguases não admitiam nem moças desquitadas, muito menos moças desquitadas com namorados. Era aí pelo início da noite quando tocou a campainha da porta. Tempos sem celular e sem ao menos telefone no apartamento, as poucas visitas apareciam assim, de repente. Abro e dou de cara com meu amigo Paulo Martins.

“Visita surpresa”, foi logo dizendo o jovem cineasta. Que levou um susto: surpreso ele, e totalmente, com minha nova namorada, que Paulo conhecia de Cataguases.  Tanto que mal entrou começou a falar ininterruptamente, andando pela sala, melhor mancando pela sala (ele sofrera paralisia infantil e mancava de uma das pernas).

 Andava pra lá e pra cá, e falava, falava, às vezes nos olhando, com o perdão da palavra, “de soslaio”, nós dois de mãos dadas, eu e minha namorada, ele sem entender direito. Falava de um projeto que queria que eu participasse, mas tão rápido e atabalhoadamente que não consegui entender quase nada.

Paulo sempre falou andando, como se a suprir o defeito em uma de suas pernas. Súbito, freou seu discurso e o próprio corpo. Stop. Vira-se pra mim: “Puxa, Ronaldo, tenho que ir, vou ver o filme do Godard no Paissandu”. Mal se despediu, ele sumiu. Melhor: mandou-se mancando porta afora.  Bem Paulo Martins, o inesperado.

Glauber em transe: Paulo “Jardel” Martins



Corria a boca não muito pequena que Glauber Rocha teria escolhido o nome “Paulo Martins” para o poeta representado por Jardel Filho em Terra em Transe em homenagem ao Paulo. Recado do revisor Antônio Jaime Soares ao rever meu livro sobre Humberto Mauro: “Checa isso com o Paulo Martins, pois Terra em Transe é de 1967 e O Anunciador só ficou pronto em 1970”. Mando então email pro Paulo, pra destrinchar o busílis: Eis sua resposta:

“Ronaldo, o acontecido foi assim: houve à noite um evento na Maison de France, não me lembro se de cinema ou de teatro, e na entrada e/ou saída o Glauber falou que estava escrevendo um roteiro e nele tinha um personagem com meu nome, em minha homenagem. No momento, não levei muito a sério, desconfiado, como um bom mineiro, e vindo de uma cabeça inquieta/inquietante como a do Glauber. Esqueci o acontecido e quando fui ver Terra em Transe lá estava o Jardel Filho com o meu nome. Ainda como um bom mineiro, fui divulgando o corrido de forma lenta e somente para os mais chegados. Este/esse é o resumo simples da história/estória”.

Data do email do Paulo: 14 de março de 2009. Exatamente o dia em que Glauber faria 70 anos. Abro o Globo no mesmo dia e leio na coluna de meu amigo Zuenir Ventura: “(...) cineasta genial (Glauber) foi um personagem cuja ação transcendeu a área cultural. Inquieto, instigante, instigador (...) o criador de Terra em Transe tinha por hábito desnortear as expectativas. Em um tempo de maniqueísmo ideológico, ou se era uma coisa ou o contrário, ele se divertia em confundir as pessoas. Imprevisível, foi pioneiro também nas atitudes ambivalentes”. (In Kiryrí Rendáua Toribóca Opé/ Humberto Mauro por Ronaldo Werneck/ pg. 168 – Editora Artepaubrasil/ São Paulo, 2009).

Pois é, o Zuenir usou a mesma palavra (inquieto/inquietante) utilizada pelo Paulo para definir o Glauber. E deixou para o baiano a aura de “imprevisível”, como nessa história (ou estória) de dar ao personagem de Jardel o nome de Paulo Martins. O certo é que Glauber gostava do Paulo, tendo várias vezes elogiado “O Anunciador”.


Paulo Emílio gostou/não gostou



Paulo Emílio assiste ao Anunciador pela segunda vez 
em São Paulo e pela primeira vez no lançamento 
em Cataguases, maio de 1970, quando 
Humberto Mauro foi homenageado

Em 19/04/1973, sob o título “O filme que o público não viu. E não gostou", o grande historiador e crítico de cinema paulista (autor do antológico ensaio Humberto Mauro, Cataguases Cinearte, Editora Perspectiva, São Paulo 1974) publicava um longo texto no Jornal da Tarde sobre O Anunciador. Destaco alguns trechos a seguir.

Em maio de 1970 viajei 12 horas, gripado – specialité oblige (por “dever de ofício”, traduzo) – para assistir ao lançamento de O Anunciador, o homem das tormentas em sua cidade natal. Desde os fins dos anos 20, quando Humberto Mauro filmou e o grupo Verde poetou, Cataguases não teve mais sossego. Periodicamente brotam jovens vanguardistas decididos a verdejar a tradição ilustre. Nos anos 40 o líder foi Francisco Marcelo Cabral e nos 60, Paulo Bastos Martins, respectivamente produtor e diretor de O Anunciador, o homem das tormentas, dedicado, aliás, a Humberto Mauro, de corpo presente naquela noite memorável de maio. Dessa maneira o fio do vanguardismo cataguasense, saltando tranquilamente as décadas de 30 e 50, é retomado e esticado até arrebentar. Aparentemente, ele se encontra de novo hibernando nos dez novos anos de pausa.

“(...) Revisto hoje, O Anunciador parece vindo de muito longe. A produção deve ter sido complicada, prolongada e, quando em 1970 o filme ficou pronto, era tarde. A concepção e a justificação do filme devem se situar no começo dos anos 60, a idade de ouro da contestação juvenil. A obra guarda daquele tempo a animação confusa, a crença nas virtudes criadoras do tumulto, um anseio místico de liderança, a simpatia, a pressa, a angústia e o sentimento de que tem muito o que dizer, mas dizendo-o mal, de forma repetida e interminável.

“(...) O Anunciador anuncia demais e o diretor Paulo Bastos Martins manifesta melhor seu talento precisamente quando interrompe o discurso do jovem profeta. Pena que não o tenha feito mais vezes com a eficácia e ironia com que introduz uma panela de pressão para ilustrar e cortar a fala do iluminado contra a técnica. As benvindas interrupções são, por sua vez e com frequência, inutilmente prolongadas. Foi boa a ideia de associar uma diatribe contra as ideologias com o monólogo de um diretor teatral enlouquecido no meio da cenografia montada para a peça. Mas sua fala é sem fim. Curiosamente o personagem demente, interpretado pelo próprio diretor do filme, está à procura de detalhes cristalizadores da emoção. Guimarães Rosa já advertira Glauber Rocha: "Deus está nos pormenores". Quando Paulo Bastos Martins se cansa e nos descansa da eloquência do Anunciador e se interessa pelos jovens que procuram mergulhar na terra, ou pela dança do fogo de Calibã, a anunciação se encarna.



 “(...) O Anunciador, o Homem das Tormentas é a aparição de um jovem pregador para tumultuar a vida de uma cidade. O filme pretendeu também anunciar a chegada de Paulo Bastos Martins nos fins dos anos 60 para sacudir o cinema (novo) brasileiro, do qual aliás derivou, como todos os outros que chegaram na mesma época com igual propósito. É sabido, com efeito, que não se encontrava isolado, bastando lembrar os nomes de Sganzerla, Bressane, João Batista de Andrade, Tonacci, João Silvério Trevisan e de alguns jovens baianos entre vários outros do Rio, de São Paulo e de Minas. Paulo Bastos Martins deixou marca pessoal no anseio juvenil de superação dos cinemanovistas que já haviam ultrapassado o marco, considerado fatal, dos 30 anos de idade. Suas tentativas de montagem sonora e utilização dramática dos letreiros são experiências que ajudam o cinema brasileiro. No fim o Anunciador proclama "que esta terra jamais esqueça minha passagem". A de Paulo Bastos Martins pelo nosso cinema eu não esquecerei.

“(...) Fui rever O Anunciador, o homem das tormentas na noite chuvosa da estreia em São Paulo, no Cine Cosmos. No começo da primeira sessão estava lá, além de mim, um pequeno grupo de rapazes e moças que minha competência pretendeu identificar como cataguasenses. Como o cinema estava vazio não pude decentemente me instalar perto deles: seria indiscrição.

No correr da fita entraram mais dois espectadores, um moço de vastos bigodes e um senhor de idade. Resolvi assistir ao começo da sessão das 10 para ver o que acontecia. O grupo jovem partiu no intervalo e o filme recomeçou para o triângulo formado nas cadeiras vazias pelo senhor, pelo moço e por mim. Chegado o ponto que já conhecia, o bigodudo foi embora. O velhinho de vez em quando olhava para ver se eu ainda estava na sala e achei que não ficaria bem abandoná-lo. Mas ele também se retirou e fiquei só. Durante alguns instantes não soube o que fazer. Se saísse a sessão se interromperia, o projecionista e a porteira voltariam mais cedo para casa, mas eu tinha o sentimento de que estaria traindo um filme brasileiro e cataguasense. Fiquei até o fim e fui compensado.

“Resta um problema que há muito tempo desafia a perspicácia dos especialistas. Eu sabia que o público não iria gostar de O Anunciador, o homem das tormentas, mas como é que ele também soube antecipadamente a ponto de nem ir vê-lo?”.

 A ex-esposa e o professor

Manaira dourado, a filha de Paulo Martins, me enviou dois textos escritos logo após a morte de sua pai. Um de sua mãe, Haydée Dourado, outro de Paulo Teles, ambos, como Paulo Martins, também professores da Unicamp.

“Paulo Martins – escreve Haydée Dourado – lecionava no Instituto de Artes disciplinas na área de cinema e vídeo. Participou da criação da pós graduação de Multimeios ao lado da Professora Haydeé Dourado e de Hélio Solha. Docente do Departamento de Comunicação e Midialogia coordenou a realização de dezenas de produções de alunos em vídeo, audiovisual e cinema.

Foi, nos anos 80, Diretor do Departamento de Curta Metragem da Embrafilme, época em que impulsionou a realização de dezenas de filmes curtas. Dirigira, aos 22 anos de idade, o filme O Anunciador, o Homem das Tormentas”, longa produzido em Cataguases, Minas Gerais.

Após a aposentadoria seguiu colaborando como professor na Unicamp até quando a saúde permitiu. Produziu para a TV Unicamp, durante anos, o programa “Memória Expressa”. A documentação histórica conta sua participação ativa no movimento do cinema novo no Brasil”.

Já o professor Paulo Teles, que havia sido aluno de Paulo Martins, publicou a seguinte carta-aberta:

Meu querido professor e amigo Paulo Martins, você pode ter partido deste mundo, no entanto, ao invés de parte do universo, o senhor agora é o próprio universo. Suas contribuições para a cultura, o cinema e para a educação brasileira, seja no cinema novo, no cinema independente, na Embrafilme, na Secretaria de Comunicação da Presidência da República e na Unicamp, a documentação histórica falará por si e por você. Da nossa parte, muito obrigado por ensinar a mim e ao mundo que o valor, a inteligência e a sabedoria das pessoas residem muito além das necessárias páginas acadêmicas publicadas pelos anais indexados da vida. Até breve, Excelência! Paulo Teles”. 

Fala o Anunciador, o próprio



         O Anunciador em cartaz no Cine Paissandu, o cinema cult do Rio nos anos 70

Também meu amigo Carlos Moura, que protagonizou o filme O Anunciador, no papel do próprio, assim se pronunciou logo que comuniquei a morte de Paulo Martins:

Lástima! Embora nossa (con)vivência tenha sido muito curta – durou exatamente o período da “juventura” cataguasense, terminando com  O Anunciador – reconheço que ele foi muito importante e influente na minha formação cultural e artística. Era uma pessoa difícil e isso ajudou a nos afastarmos. Mas talvez o difícil tenha sido eu e não ele... Qui lo sa?”.

Revi O Anunciador nesta manhã de sexta-feira, uma semana exata da morte de Paulo Martins. Deixo a seguir o link para que assistam ao filme. Na verdade, uma versão extraída de uma exibição para a TV, vinda lá dos anos 80 ou 90, não sei mais. E com todas as falhas de reprodução. Nessa cópia, o filme é apresentado pelo próprio Paulo Martins, que diz tratar-se de “um filme estranho, a partir de um fenômeno não conhecido, um filme feito de uma maneira irregular. É como se o próprio filme estivesse reagindo diante de um elemento estranho. (...) Na época, muita gente comparou meu filme ao Teorema do Pasolini, comparação que acho equivocada: eu escrevi o roteiro desse filme em 1966 e, pelo que sei, Pasolini realizou Teorema muito depois. (...) Eu acho o meu um filme instigante, feito com parcos recursos. Mas é um filme com um grande dinamismo, que encobre os parcos recursos que normalmente os filmes brasileiros têm”.

Eu tive uma modesta participação no filme do Paulo, numa cena filmada no Rio, no escritório do poeta e produtor Francisco Marcelo Cabral. Ali, numa mesa com "executivos" de paletó e gravata, discutia-se a “enorme disparidade” entre o lápis e o ovo. Eu defendia as vantagens do lápis, enquanto o artista plástico Newton Cavalcanti defendia o ovo e suas possibilidades. Só mesmo Paulo Martins para inventar uma sequência surreal como essa. Verdade que, revendo agora, digo novamente o que já disse antes: apesar de ocasionais falhas, eu gosto, e ainda gosto muito, do rol de surpresas, achados e invenções trazidas por O Anunciador, o Homem das Tormentas”. Como gostava, e vou continuar gostando para sempre do meu querido amigo Paulo Martins.

 Link para assistir ao filme O Anunciador, o Homem das Tormentas (ver no Youtube):  

https://www.youtube.com/watch?v=xyWtv7OA1DE

Ronaldo Werneck

Cataguases, 22/11.24


18 de nov. de 2024

Poetas de Cataguases: Um encontro no Rio


Quatro poetas cataguasenses e duas gerações: da revista Meia Pataca (editada nos anos 1940), Francisco Marcelo Cabral (Cataguases, 1930 – Rio, 2014) e Lina Tâmega Peixoto (Cataguases 1931 – Brasília, 2020); do jornal literário Totem (lançado nos anos 1970), Joaquim Branco e Ronaldo Werneck.  A seguir, fragmentos do papo povoado de poesia desses poetas em encontro no Rio de Janeiro, há onze anos, na casa de Francisco Marcelo Cabral. Texto que disponibilizo aqui em homenagem aos saudosos poetas de Meia Pataca: dez anos sem Chico Cabral, quatro anos sem Lina Tâmega Peixoto.  

 

Ronaldo Werneck – Quatro poetas de Cataguases de duas gerações: Francisco Marcelo Cabral e Lina Tâmega Peixoto, do final dos 40, anos 50; eu e Joaquim Branco, dos anos 60, início dos anos 70. Enfim... Poetas de gerações que vieram naturalmente depois da época da revista Verde. Poetas de Cataguases. Então, o assunto é Cataguases. Aí eu me lembrei de duas coisas que eu anotei aqui. Uma delas: “Ninguém sabe o que quer, mas todo mundo quer uma coisa. É daí que nasce esse ‘banzé da cuia’.” (Rosário Fusco, revista Verde, nº 1). “Principiar é trabalho leviano que qualquer ombro de piá carrega. Porém, em seguida, a gente percebe que não pode ficar nessa promessa de menino prodígio, que tem mesmo de ir além e sobretudo ir mais profundo e que-dê estudo, que-dê base, que-dê treino e fôlego pra isso.” (Mário de Andrade, em carta a Rosário Fusco). O mesmo Mário de Andrade, depois, iria dizer o seguinte: “Mas eu também me considero um bocado verdinho. Vocês deixam?” Enfim, isso é uma píccola provocação pra gente começar. Quer dizer, não poderia deixar de começar lá na Verde e essa troca do Mário com o Fusco.

Francisco Marcelo Cabral – O Mário e o Fusco com esses dois textos, feitos por duas pessoas, uma em São Paulo outra em Cataguases, criam o clima da Verde. Você pega o do Rosário e identifica logo. Lê o trecho do Rosário e você percebe que é o Rosário. E o do Mário segue a água do Rosário. Ele é cataguasense de alguma maneira, ele é verde de alguma maneira. Quando ele fala: "Eu sou um pouco verdinho", naquela gíria dele. Curioso notar que a Verde criou um clima diferente. Ela teve um projeto. Tanto que ela influenciou pessoas como o Mário quando devia ser realmente o contrário. Olha como o Mário aparece na Verde. E você nesse caso aí é típica a influência do Fusco no Mário.

Joaquim Branco – E mostra a primeira “ponte” que a Verde “jogou”. “Ponte jogada” pelo Rosário até os Andrades. E deu certo.

Lina Tâmega Peixoto – Numa das cartas que eu tenho xerocadas do Mário de Andrade a Rosário Fusco, ele diz: “É hora de acabar a Verde. A aventura já foi. E vocês agora têm que amadurecer.” É incrível, né? Era...

RW– É mais ou menos isso que ele fala aqui.

LTP – Essa parte toda também existe dentro da Meia Pataca, a revista que nós criamos em 1948. Na apresentação do 1º número, está lá escrito: “Queremos, também, reatar o fio interrompido da Verde.” Olha que pretensão nisso aí. Queríamos reatar o fio que foi cortado naquele espaço de tempo. Uma coisa realmente de aventura. Também foi uma aventura, e acabou como tinha que acabar. Acabou por causa de finanças, não que quisesse, não. Porque ninguém queria dar mais dinheiro. A fábrica disse: “Não. Chega.”.

RW – Já a minha geração e a do Joaquim queria reatar o fio do Meia Pataca e transformar no rio Pomba (o ribeirão e o rio que passam por Cataguases).

FMC – Todo mundo fala, e é uma coisa aceita, que todo movimento literário contém na memória o anterior e se opõe a ele. Quer dizer, se opõe mas contém a memória dele. Os parnasianos mantiveram a memória dos românticos. O parnasiano tem lá um belo verso romântico. O fato é que em Cataguases não houve sequer a tentativa de se opor.

RW – Contra nada. De se opor a nada.

FMC – Não houve nem uma batalha contra nada. A Verde não se opôs a nada. Por que, a que a Verde se opôs? Não havia nada em Cataguases a que ela se opusesse. Uma literatura municipal, igual a de todas as cidades da região. Parece que os mesmos bacharéis, os mesmos professores de português escreviam. Cataguases era isso. O Estudante (jornal dos alunos do Colégio Cataguases), e olha que depois até eu fui diretor de O Estudante, tanto tempo ele persistiu. Continuei lá muito tempo e nunca houve nenhuma posição política, ideológica, o que se fazia era literatura. A Verde surgiu se opondo a uma coisa feita em São Paulo. Porque a Verde é uma revista de Cataguases, mas em Cataguases, porque na verdade era o que se fazia em São Paulo que era visado. Porque Cataguases não lia a Verde. Alguém tem alguma dúvida de que na Cataguases da época as pessoas diziam: “Vamos aguardar a Verde. O próximo número da Verde”? Ninguém. Quer dizer, liam lá duas ou três pessoas que eram mais ligadas a eles, que liam. Eles liam, evidentemente, repetidas vezes. E as coisas têm a ver com essa famosa ruptura de que se fala muito, marxista, de uma geração se opor a outra, e acrescentando experiência. Por isso, quando eu digo que a Verde é um fenômeno inexplicável, ele é inexplicável porque ele não representa a revolução industrial, porque já havia em cidades vizinhas, também já tinha começado o sistema industrial. A cidade não enriqueceu, subitamente, por alguma fonte de renda nova para poder gerar uma nova burguesia, com novos interesses. O pessoal queria a Verde, o pessoal consagrado da cidade, os advogados, não tinham postura revolucionária nenhuma, porque Cataguases não tinha nada.  Não saiu revolução nenhuma lá. Nunca houve nada de espantosamente importante em Cataguases. Fora a fábrica de tecidos, que era caminho natural do desenvolvimento. Mas não houve nada de espantoso, tanto que é uma revista espantosamente revolucionária.

LTP – Mas outras revistas também tinham esse mesmo processo. A revista de Belo Horizonte, eles não tinham consciência nenhuma. Eles não tinham consciência da projeção cultural que essa revista teria depois no desenvolvimento literário brasileiro. Outras revistas também. Havia uma espécie de um estupor poético, de um estupor, sei lá como é que eu vou chamar isso. E que, de qualquer maneira, essa revista mexe com Cataguases. Tudo centra lá. Parece que brota lá uma raiz qualquer. Essa raiz se expande e, de repente, aparecem grupos, aparecem pessoas interessadas, aparecem manifestações culturais. Realmente é um espaço místico que se conseguiu em Cataguases através disso.

RW – O interessante aí é que não houve uma interrupção a partir da Klaxon, de 22. Aí depois vem a Estética, A Revista, vem Terra Roxa e Antropofagia. Tudo na sequência. E a Verde. A única do interior foi a Verde. Pelo menos, a única de importância, a única que ficou. As outras são do São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte. Então Cataguases já era um espanto assim, Lina?

LTP – Já era um estupor. Sei lá como é o nome. Era uma explosão. Eram também rapazes, garotos querendo se emancipar literariamente, sob outros aspectos, não é?

FMC – O que me impressiona é o faro certeiro deles.

LTP – Havia uma excitação de vida também muito grande dentro deles, principalmente do Rosário Fusco, que era o mentor, era uma mola da Revista.

FMC – O Fusco foi um gênio. 

RW – Pois é, o Fusco tinha só 17 anos na época.

LTP – O Rosário Fusco era a mola da Revista, o Guilhermino mesmo confessa. Uma vez conversando com o Guilhermino, ... (vira-se para RW) ... você também já deve ter conversado, ... o Fusco era realmente a mola da Revista.

FMC – Tem até um incidente engraçado, porque nós fomos fazer um filme, assim documentando, ainda estavam vivos todos eles, o pessoal da Verde e o Marques Rebelo. Então, o Paulo (Martins, o diretor) falou: “Vamos filmar todo mundo, porque daqui a pouco começa a morrer todo mundo. E vamos filmar. Nem que seja fazer takes desse pessoal.” Conseguimos fazer o take do Guilhermino no Rio. Único. O Guilhermino foi andando... Foi feito a tomada dele lá no Hotel Glória, lá no pátio do Hotel Glória. E o Guilhermino, numa das frases dele: “O Fusco é um ser proteico.” Mas lavou o Fusco de elogios. E num dado momento, ele falou: “É um filho disso”. Aquele “filho disso” que todo mundo fala quando elogia – ô seu “filho disso”. O Fusco ficou magoadíssimo, magoadíssimo. “Eu nunca pensei...” Escreveu um bilhete para nós, indignado. Eu fui lá na casa dele e falei: "Fusco, eu juro a você que quando o Guilhermino falou isso, ele falou com a maior admiração". Fusco rebateu: “Mas o Guilhermino não podia fazer uma coisa dessas...” Acabou, mais uma vez, morrendo o filme.

RW – É a mesma coisa do Drummond com o Fusco. O Drummond mandou uma carta para ele, onde o chamava de Rosário “Fósforo”... O Fusco ficou uma fera.

FMC – Mas eles ficavam bravos...

JB – No fundo, o Fusco era um moralista, cheio de éticas estranhas...

FMC – Ele era católico. A formação dele era aquele católico de igreja.

LTP – A figura mais exótica que tinha.

JB – Agora, sobre a Verde, eu queria acrescentar uma coisa: sem o Ascânio, a Verde não teria existido.

RW – O Chiquinho (FMC) fala isso muito bem. O único que era já poeta mesmo ali era o Ascânio.

LTP – Dizem, né, o Guilhermino também é um, que a ideia foi do Ascânio.

RW – Da revista?

LTP – A ideia da revista foi do Ascânio Lopes.

JB – O Ascânio era o mais centrado.

LTP – A mola foi o Fusco. Mas a ideia foi do Ascânio Lopes. Não foi deles, não. Foi do Ascânio.

JB – A base era o Ascânio. O Fusco foi a mola. Mas a base era o Ascânio.

LTP – Pois é, a base era o Ascânio.

JB – Sem o Ascânio não teria...

LTP – O motor que funcionava era o Fusco. A gasolina...

FMC – Agora, curioso, o poeta que mais deu respeitabilidade a eles perante eles mesmos foi o Enrique.

LTP – Também ele (Ascânio) morreu muito novo, né?

FMC O Enrique é um poeta à margem da Verde. Quer dizer, faz uma poesia popular completamente diferente do que a Verde fez. Ele era respeitadíssimo por isso. “Chegou aqui o jovem poeta Enrique de Resende...”.

RW – Ele era engenheiro. E aparece o nome dele como um dos diretores. Ele e o Fusco.

FMC – E deu palpite na...

RW– E talvez tenha sido em função do Enrique que eles tenham conseguido até anúncios do comércio...

LTP – Ah! Com certeza!

RW – ... para sustentar a revista...

LTP – Porque era uma pessoa que tinha mais peso, já não era um garoto.

FMC – Quanto aos anúncios da Verde, tem um anúncio da Verde que é totalmente surrealista. Eu nunca entendi o que é aquilo. Um anúncio do Bar Capital da Inglaterra. Você nunca viu isso na Verde? No meu entender, alguém não deu dinheiro pra Verde. Quer dizer, não deram uma contribuição. Então, eles escreveram uma propaganda esculhambando o cara. Vocês nunca viram esse anúncio, não?

FMC (continuando) – O cinema, por exemplo, é muito mais ligado à socioeconomia do que à poesia. O cinema precisa de dinheiro para botar o filme na tela. O poema eu passo a lápis no papel.

RW – Esse negócio do cinema me lembrou uma coisa. O Humberto Mauro com o pessoal da Verde ficou uma coisa assim... parece que um não estava sabendo do outro.

LTP – Não. Não havia conexão. Engraçado, né?

RW – Até o Enrique acabou escrevendo algumas legendas lá, e tal. O engraçado é que o pessoal de São Paulo, o Mário, por exemplo, dava grande valor ao cinema.

LTP – Havia uma separação entre eles.

RW – E em Cataguases o pessoal que, de certa forma, seguia o Mário, o pessoal da Verde... nem aí para o Humberto Mauro.

JB – Mas naquela foto clássica da Verde, na escada, o Humberto estava lá.

RW – Não. Não porque aquela foto...

JB – Porque eles foram ao estúdio...

RW – É. Eles foram ao estúdio. Eles fizeram uma visita.

JB – Havia, então, alguma noção, mas não conseguiram fazer a ligação.

RW– É. Foi na época das filmagens de Braza Dormida.

LTP – Engraçado. Porque não havia essa ligação?

JB – Isso é inexplicável.

RW – Mas o Enrique chegou a fazer diálogos, por exemplo. Aqueles letreiros.

JB – E o Fusco, numa das cenas, jogou uma jaca em cima de um personagem. Subiu em cima de uma árvore e jogou uma jaca em cima da cabeça de alguém.

LTP – Duas coisas paralelas e não se encontraram.

FMC – Para mim um fenômeno realmente, assim, eruptivo: Cataguases criou o quê? Criou uma demanda de arte. O João Duarte (rico comerciante português) realmente era um homem de elite. Construiu um teatro. E um teatro, eu me lembro, de ótima qualidade. Então, é curiosa essa demanda. Os italianos foram responsáveis, a meu ver, os italianos são muito responsáveis pela produção em Cataguases, porque eles trouxeram música. Eu me lembro do tempo que Seu Ciodaro... A família do Seu Ciodaro fazia shows com música: violino, violoncelo... Coisa que, para mim, eram só eles que faziam em Cataguases. Fora a Banda de Música.

LTP – Eram duas...

FMC – Eram duas... a Banda do Pierre Theotônio...

RW – E a do Rogério Teixeira.

JB – Tinha umas peças do Rio que vieram a Cataguases...

FMC – Por quê? Por causa do trilho. Do trem. O trem facilitou a chegada do teatro lá.

JB – Mas era muito costumeiro isso?

FMC – Costumeiro. Havia temporadas.

JB – Eu cheguei a pegar alguma coisa.

FMC –Tinha aquele ator famoso que percorreu o Brasil todo. Não tinha estrada de ferro. Levavam aquelas peças ingênuas, aquele romantismo todo, pior do que novela. Você praticamente conhecia o enredo de todas as histórias. Mas o circo levava uma arte de qualidade. E você vê ainda hoje, surpreendentemente. Eu vi na televisão um artista fazendo um número em uma motocicleta dentro de um globo.

RW – Globo da Morte.

JB – Isso é muito comum.

FMC – Eles já faziam. O Guido (artista de circo) fazia o Globo da Morte. Era impressionante, porque eram três motocicletas. Naquela época motocicleta já era uma coisa rara, e eram três motocicletas. Então ficava aquele negócio, aquela barulhada toda, e aí paravam no Globo da Morte, o que já ocasionava uma explosão de palmas. Não satisfeito, Guido fazia a Taça da Morte. Aí tiravam a tampa daquela porcaria. Quer dizer, o hemisfério norte daquilo virava uma Taça da Morte. E fazia aquilo: vinha até na beirada e voltava, vinha até na beirada e voltava... Todo mundo apavorado, porque não podiam sair fora daquilo, era uma coisa inacreditável. Hoje tem o Cirque du Soleil. Nos padrões, hoje tem o Cirque du Soleil. E havia também um teatro diário. Cada dia uma peça nova. Eu assisti trinta e tantas peças de teatro em Cataguases. Daquelas pesadas. E tudo isso com um público do circo. Muita gente. Enchia

JB – Eu assisti “A Morte do Caixeiro Viajante” num dos circos. 

RW – Tinha muita peça religiosa.

LTP – Sob esse aspecto de coisas assim estranhas em Cataguases, eu li num trabalho da Elizabeth Rennó sobre o Movimento Modernista em Cataguases, sobre Cataguases em si, que o Osório Duque-Estrada fez a letra do Hino Nacional em Cataguases. Mas é incrível, essa.

RW – O Villa-Lobos morou lá.

FMC – Eu acho que o “Trenzinho do Caipira” foi inspirado naquele trenzinho de Cataguases.

RW – No trem do “caipira”, né?

FMC – Ele saiu realmente em uma viagem de trem. Ele, aquela turma toda, porque o Villa-Lobos era completamente alucinado. Ele dava umas “piradas” lá. Em uma delas ele salvou-se de um naufrágio no Amazonas. Ele tocava violoncelo. Então, ele salvou ele e o violoncelo. Aí eu ponho em dúvida essa afirmativa dele, porque era muito mentiroso. Mas eu já teria criado a lenda do homem do violoncelo. Imagina, lá no Amazonas, um homem meio nu com um instrumento que ninguém conhecia naquelas partes, afogando, criava uma lenda imediatamente. Nem nunca se falou naquilo. É mentira do Villa-Lobos. Mentira adoidada. Agora, é claro que já havia o talento. Mas Villa-Lobos se imiscuiu com essa gente. O pessoal de São Paulo prezava muito a música do Villa-Lobos.

LTP – Mas eu estava dizendo, depois de tudo, o que sobrou da Verde em Cataguases foi o Tio Francisco (o poeta e contista Francisco Inácio Peixoto).

FMC – Porque foi o único que ficou em Cataguases. Ele fez mais do que todos. Ele fez a cidade. Eu falei com ele. “Você fez aquela cidade”.

LTP – Sob outros aspectos. Mas o que sobrou da Verde, sobre todas as coisas. A  criação. Ele fez uma outra criação sem ser literária em Cataguases.

FMC – Que sobrou na Verde. Porque quando os conheci já eram todos pessoas feitas. Ele fez aquela cidade.

RW – Ele criou Cataguases. Essa Cataguases mítica.

FMC – Eu falei com ele uma vez: “Você fez uma cidade. Você ia ser um poeta cataguasense, com a sua obra em 10 edições, com versão em inglês editada não sei por quem, e só. Você, agora, você fez Cataguases. Cataguases está presente em tudo e vai se falar sempre em você. E dos livros nossos é capaz de nem se saber mais. Hoje nem se lê mais livro.

RW – Agora, e como é que foi isso? Esse mistério que não acabou na Verde. Por que continuou?

FMC – É. Por que continuar?

RW – Por que continuou? Você (Lina) e Cabral fizeram a Meia Pataca. Teve nesse meio tempo o Henrique Silveira, a Celina (Ferreira). Quer dizer, isso não morreu. Depois, a Carminha Ferreira, e logo vem o movimento Totem, meu com o Joaquim. Por que isso? Por que não Leopoldina? Por que não Laranjal, Piacatuba?

LTP – No prefácio do 1° número (da Meia Pataca) está escrito lá que há um rio subterrâneo. E de repente rompe, aquelas águas se levantam e correm para uma realização cultural. Sempre. Existe uma coisa subterrânea em Cataguases que, esporadicamente ou sazonalmente, eu não sei. De repente aquilo brota e aparece alguém. É uma coisa, não sei. É uma coisa... É uma espécie...

RW – Você está falando que existe esse rio?

LTP – Existe um espaço.

RW – Alguma coisa misteriosa.

LTP – Existe um espaço mítico. Um espaço mítico, criado dentro de uma realidade cultural.

FMC – Quando eu fui homenageado em Cataguases, falei que esse rio misterioso que corre em Cataguases continua, felizmente, continua correndo.

LTP – É um enigma a se desvendar que ninguém desvendou. Não há oráculo que tenha feito pergunta, nem ninguém que tenha resolvido o enigma.

FMC – É a água.

RW – E continua.

JB – Uma vez que aconteceu na Verde, com os primeiros, os outros são naturais. O negócio é descobrir o porquê da Verde, porque os outros vêm da Verde. Mesmo não querendo ser, é normal. É como aquelas corridas de bastão onde um entrega o bastão ao outro, e sem querer...

FMC – E nem olha o de trás.

LTP – É verdade.

JB – E aí entrega. É normal isso. Agora eu acho que é um fio condutor. O princípio de todos ali. Sabe qual é? O Colégio Cataguases.

RW – Eu ia falar do Colégio...

JB – O único elemento comum aos três grupos, ao nosso, ao de vocês e ao da Verde, é o Colégio Cataguases.

RW – O Guilhermino fala muito de um professor, eu acho que era de francês ...

JB – Cleto Toscano. Foi o Cleto Toscano.

LTP – Foi o núcleo.

JB – Porque o Colégio Cataguases era uma referência na década de 1920 na região. Por que o Guilhermino, o Camilo Soares, vieram todos para Cataguases? Por quê? Por causa do Colégio Cataguases. Isso propiciou uma geração brilhante. A partir dessa geração, todos as outras nasceram no Colégio Cataguases.

LTP – Eu estudei no Manoel Inácio Peixoto (nome atual do Colégio Cataguases) o tempo todo.

JB – E o Colégio a partir de uma determinada época decaiu muito. Não é mais aquela referência.

RW – Dos anos 60 para cá, dos anos 70.

LTP – Agora, coisa curiosa. Não sei se com você. O Gradim (famoso professor de português do Colégio) não me influenciou em nada na minha vida. Nada, nada.

RW – Quem me influenciou foi o Manuel das Neves (professor de história e cronista).

LTP – Para você ver. Eu sei disso. O Gradim era um ótimo professor de português. Muito bom. Graças a ele, eu passei em vestibular de sintaxe. Porque tinha sintaxe, essa e aquela parte toda...

JB – Ah! Isso é importantíssimo.

LTP – ... analisar uma estrofe de Camões, partícula apassivadora, objeto direto etc. Mas nunca ele influenciou ninguém sob aspecto literário.

JB – A mim ele influenciou muito.

LTP – Ah! Ele influenciou?

JB – É. Ele influenciou até determinado ponto em que eu tinha algumas dúvidas.

LTP – Ah! Dúvidas!

JB – E quem me tirou as dúvidas foi o Marcelo Cabral.

LTP – Ele era o guru de vocês.

FMC – Imagina!

JB – É, foi você sim. Eu encontrei com você uma vez...

LTP – Eu ficava abismada, abismada como é que ele (FMC) sabia técnicas poéticas, mas sabia de uma maneira, assim... Chegava a ser brutal de tanto que ele sabia. A parte da métrica...

FMC – Pega os poemas de hoje e compara com os de antigamente.

LTP – Não. Você sabia aquilo tudo e eu ficava boba de saber como é que ele podia saber essas coisas todas. Porque aquilo para mim era...

RW – Eu acho que ele sabe tudo e mais um pouco.

LTP – Mais um pouco e não quer falar.

RW– Realmente. É o meu guru.

JB – Um dia encontrei com Marcelo Cabral no corredor da UFRJ. Aí eu falei: “Me explica esse negócio de Concretismo agora.” Ele me tirou as dúvidas na hora, coisa que o Gradim não conseguia. Nessa parte, o Gradim falhou.

LTP – Não. Ele era ótimo em português (o Gradim);

JB – Ele era. Na literatura e poesia atual, ele não era.

LTP – Na parte da gramática. Em literatura, eu achava ele (Gradim) muito fraco. Agora, Cabruxa (FMC), eu vou lhe perguntar. Quem foi a figura que influenciou você mais sob esse aspecto poético? Quem foi? Livro, figura.

FMC – Não foram os cataguasenses, os Verdes, não. Porque eu conheci o pessoal da Verde já homens feitos. Não os tinha lido. Não os tinha lido como Verde. Não conhecia a Verde. Aí eu conheci o Rosário Fusco. Conheci o Rosário. Eu tenho cartas do Rosário, aquelas cartas em que ele dá conselho, orienta. Para o Centauro (primeiro livro de FMC), por exemplo, ele sugeriu que o livro... Ele achou que o livro não deveria ser publicado em Cataguases, porque ia ser um desastre. E foi.

RW – O Fusco, de certa forma, foi o nosso Mário de Andrade.

LTP – Foi o Fusco quem incentivou você a ser poeta? Foi o Fusco?

FMC – O Chico Peixoto era contra. O Chico Peixoto não gostava da minha poesia.

LTP – Não?

FMC – Não. Ele gostava de você. Ele gostava de você demais. Mas de mim ele não gostava. Engraçado. Ele fazia restrições à minha poesia.

LTP – Mas ele chegou a falar isso com você, que não gostava?

FMC – O Chico não chegou a falar. Mas quando eu publiquei o Inexílio (livro de poemas, de 1979) ele agradeceu, dizendo: “Obrigado pelo meu livro. Muito obrigado... pelo meu livro.” Recebendo o livro como co-autoria. Mas, depois, eu vi um agradecimento dele ao Nílton Guanabaro Rossi também: “Obrigado pelo poema.” Aí eu falei: “É uma fórmula, não era um elogio.” É uma fórmula.

LTP – Mas, existiu o fato, não digo o Rosário Fusco. O Rosário Fusco foi, vamos dizer assim... Você foi buscar o Rosário Fusco porque havia já dentro de você alguma coisa. Mas, o que despertou você? O que havia dentro de você?

JB – Eu acho que foi sua vinda pro Rio e a sua convivência com o Mário Faustino.

FMC – Agora, em Cataguases, era Fagundes Varela. Quem me influenciou foi Fagundes Varela, Castro Alves. Foram eles que me influenciaram. A poesia moderna chegou para mim através do Marques Rebelo, das conversas com ele. 

LTP – Mas, olha aqui, sabe por que é que eu pergunto? Porque na minha experiência, antes de eu saber ler poetas, antes eu já sabia o que eu queria ser. Eu sabia que havia dentro de mim alguma coisa que precisava dizer. Mas eu nunca tinha lido antes. Mas o que eu estou perguntando é isso: o que é que havia dentro de você? Essa parte que brotava, que te inquietava, que te punha fora do mundo normal, da realidade. Você ia buscar as situações abstratas para conseguir viver.

FMC – Não. Eram poetas anteriores a mim. Os poetas clássicos brasileiros. Não eram os poetas modernos, não. Eu não fui influenciado por nenhum poeta moderno. Eu não conhecia nenhum. Não tem nenhum. A Verde eu não conhecia. Não fazia nem ideia do que era. Conhecia o Rosário Fusco. Morava até perto lá de casa. Eu batia papo da janela lá com ele. O Chico Peixoto, que era acessível. O Marques, de quem eu fiquei amigo e comecei a frequentar a casa dele e tudo o mais. O Guilhermino, nunca tinha tido contato com o Guilhermino.

LTP – Ah! Eu tive.

FMC – Nunca tive contato com o Guilhermino.

LTP – Eu pergunto a você, também, Joaquim. O que é que motivou você a ser poeta? Não é uma pessoa que motivou, não é um...

RW – A mim, sim. Eu acho que foi o Joaquim e o Chiquinho (FMC). O contato com eles, a conversa com o Joaquim. No início, o Joaquim descobriu o concretismo para mim. Então, aquele negócio do SDJB, Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, lá do Faustino. Claro que eu já lia literatura no Colégio. Tinha que ler. O Gradim mandava. Mas começar a escrever mesmo...

FMC – Eu digo que o livro básico da minha formação foi O Tesouro da Juventude. Era o livro que eu mais amava.

RW – É. O cheiro.

FMC – Inclusive. É o valor do cheiro.

RW – Porque era a tinta, o papel couché, eu acho, que tinha aquele cheiro.

FMC – Ele tinha um cheiro de querosene, de coisa tratada com querosene. Tinha um cheiro adocicado. Lembro também dos poemas medievais. E nisso eu tenho segurança: o “Grande Sertão: Veredas”, por exemplo, é muito “chutado” num poema medieval chamado “A donzela foi a guerra”. É um poema de que eu me lembro. Eu me lembro sempre, desde criança. E o Guimarães Rosa é o tipo do cara para ir a uma fonte dessas com a maior desenvoltura. E o poema é a história de dois amigos, e um deles dizendo para mãe... “Senhor pai, senhora mãe,/ o grande dom de coração,/ os olhos de Dom Rodrigo/ são de mulher, de homem não.” Ele começa a desconfiar que o amigo dele...

RW – Diadorim já está aí.

FMC – É. Está aí, a “Diadorina”. Até que a mãe diz: "convida ele para comprar, para ir ao mercado, porque se ele for mulher ele vai comprar rendas". E ela, muito esperta, comprou armas. Então, ela trapaceou com ele o tempo todo. Até que no final, o poema não pode durar sempre, tem que acabar em alguma coisa, a mãe diz: “Convida ele para tomar banho juntos.” Porque se ele for mulher, ele vai ver. E aí ela, em determinado momento em que ela estava disposta a acabar com o romance, chega um bando de cavaleiros anunciando as vitórias de Portugal: "Alvíssaras, meu comandante!"

LTP – Você tinha uma base racional. Eu tinha ao contrário. Eu lia livro que eu não entendia nada. Quanto mais eu lia, eu não entendia, melhor era. Mas eu achava lindo. Não entendia nada, nada. Mas tinha um som lindo, uns sons maravilhosos.

FMC – Mas tinha a métrica.

LTP – ... Falava, mas não entendia nada. Mas era lindo. Beleza aquilo que eu lia. Não sabia nada que estava ali, mas eu achava lindo. O som, aquilo tudo.

FMC – É o acesso aos poemas. Os simbolistas...

LTP – A minha (iniciação) foi na base da abstração. A sua foi também? A minha era abstrata. Quanto menos eu entendia, melhor era.

JB – Foi. É sem consciência.

RW – É muito levado pela palavra.

LTP – E pelo gosto.

RW – Pela magia da palavra, aí o significado...

LTP – É ... você comer aquilo tudo.

RW – Então, aquele jogo da palavra...

JB – Quando o Chiquinho disse que era fácil ler o “Grande Sertão: Veredas”, que eu podia ler e que depois eu iria escutar a música do livro, foi perfeito, eu escutei a música na página 15.

LTP – É mesmo? Beleza.

FMC – O livro tem uma partitura.

JB – Quando eu escutei aquela música, eu falei: “Eu estou escutando. Estou entendendo tudo.” Você entende tudo.

LTP – Maravilha.

FMC – É como Dostoiévski.

JB – Não precisa tirar uma palavra do dicionário. Não precisa.

LTP – Eu, quanto menos entendia aquilo que eu lia, achava mais lindo ainda.

FMC – É como Dostoiévski: você entra em Dostoiévski e esbarra nele. De repente começa a ler Dostoiévski e tudo fica legível. O Fusco dizia assim: “Você vai ler Dostoiévski. Difícil, mas você vai ler muitas vezes". E realmente Dostoiévski é do tipo que você esbarra nos Irmãos Karamazov e...

LTP – A leitura, para mim, era um ato mágico, porque eu lia atrás da porta, debaixo da cama, dentro do armário, à noite, de dia. Devia ter uma chave mágica que eu não achava. Mas que eu achava que devia ter. Alguma coisa que, de repente, abria tudo. Mas não abriu nada.

JB – Depois abriu.

LTP – Não. Abriu sim. Abriu com “Boi no quadrado” (um de seus poemas).

FMC – Exatamente, porque é o poema-chave da Lina. O poema modernista da Lina.

LTP – Foi aquele que me salvou. Eu ajoelhei e falei: “Estou salva.” Porque, eu não sei, mas eu estava salva.

RW – O que me lembra muito do poema do Cabruxa, aquele: “O leitor se assenta/ o poeta puxa a cadeira/ a poesia é o tombo.”

LTP – Puxa a cadeira. Leva o tombo. É. Esse é o poema.

RW – É o poema. A poesia é um tombo.

FMC – Um tombo.

RW – É um pouco isso aí.

FMC – É um voo.

RW – É. E continua com "é o voo". É o espanto, né?

LTP – Agora sim. Agora aquela pergunta que o Aquiles (o poeta Aquiles Branco) me fez. Joaquim quando é que você considera o poema feito, completo, já com a roupa pronta?

JB – Quando ele não admite mais acréscimos. Não admite.

LTP – Mas por quê?

JB – Chega a um ponto... É... Você sente isso, que ele não admite mais nada. Não pode botar mais nada. Porque eu me lembro das crônicas da mamãe, ela escrevia e eu passava a limpo e mandava para o “Cataguases”. Aí ela passava do ponto. Eu falava: “Oh mãe, o ponto é esse aqui. Para aqui.” “Ah, é? Para aqui?” Ela falava: “Por quê?” “Sente. Sinta.” Ela começou a sentir o ponto. Ela sempre passava do ponto. “Não passa desse ponto.” E ela passou a obedecer esse ponto, que ela descobriu que tem um ponto.

LTP – E você, Cabruxa?

FMC - Ô Lina, realmente, meus poemas não têm métricas, não têm metros, padrões. Então, eles partem... Por exemplo, esse poema aí do poeta puxa a cadeira...

LTP – Não. Isso aí é outra coisa. Isso aí...

RW – É meio um haicai.

LTP – Isso aí é um resultado do poema. Como você acha que o poema está pronto?

FMC – Começamos a falar nisso, não é? Começamos a falar nisso. Um poema de quatro estrofes...

RW– Meio haicai.

 

FMC – É. Meio haicai. São três. São quatro haicais, na verdade. Ele joga com quatro situações. Aí você sente calmamente que aquilo está fechado. Se eu puser mais alguma coisa, mais alguma imagem, alguma metáfora, eu vou disparar naqueles poemas sem fim, que são comuns em almanaques no interior do Brasil, que o cara não para o poema nunca.

LTP – Aí você já é um leitor crítico. Você já funciona como leitor crítico. E você, Ronaldo?

RW – Não. Espera aí. Deixa eu ler esse poema do Chiquinho, que eu acho interessante pra gente ver o que ele está falando aí. Então, é assim: “O leitor se assenta/ o poeta puxa a cadeira/ a poesia é o tombo.// O leitor se enleva/ o poeta o empurra no abismo/ a poesia é o voo.// O leitor se esquece/ o poeta o sacode aos berros/ a poesia é o grito.// O leitor é a ninfa/ o poeta, o fauno no cio/ a poesia é o gozo." Então, eu acho que realmente aí está completo.

LTP - Mas eu distingo duas coisas aí. Isto aí...

RW – Esse da poesia, “a poesia é um tombo”, é fantástico.

LTP – Mas isto não responde à minha pergunta.

FMC – Lina, o que mais caberia. Acrescenta um verso.

LTP – Isto já é um poema feito. Eu estou perguntando exatamente isso: quando é que você considera um poema feito? Não é que ele tira a cadeira e leva... Dentro de você... Isso é um poema pronto. É outra coisa.

FMC – Se você notar, o poema tem gradação de intensidade. Do tombo para o voo, pra queda e pro gozo. Há de perceber que há uma gradação de intensidade nessas palavras. Concorda? Essas quatro palavras constroem um tipo de interferência do poeta no leitor. Ele começa de um simples tombo. De um simples... Caiu da cadeira porque não esperava aquilo. Até o que é mais profundo, que podia ser a felicidade, que é o gozo.

LTP – Não. Isso aí é definir poesia.

FMC – Não. Não é definir poesia. Este poema que nós estamos falando, ele tem essa inevitável limitação. Mais do que a palavra eu não conheço, é o quê? O paraíso?

RW – O final.

LTP – Pode ser?

FMC – No meu, parava aí, porque paraíso seria uma imagem de poesia. Primeiro, religiosa, que paraíso eu posso oferecer a alguém. Quer dizer, o poeta pode oferecer. Nenhum. Então, o poema tem uma estrutura que ele é lido. Ele foi feito para ser lido. Ele fica sempre lido. Porque uma coisa que eu me preocupo no poema não é como ele acaba. É o fato de ele ficar pra sempre disponível. Isso é uma coisa incrível.

LTP – Ah, isso sim.

FMC – A qualquer momento você abre o livro e está lá o poema. O poema bom está lá, brilhando como um bom poema, feito em qualquer época. Isso é o que me impressiona muito na palavra escrita. Quer dizer, ele fica.

LTP – Bom. Aí você está explicando o que é a definição de poesia. E você?

RW – Eu acho que nunca está pronto.

LTP – Não?

RW – Eu acho que, relendo, de repente, eu mexo em alguma coisa. Engraçado que eu, uma vez, eu falei um negócio, que eu gosto muito de mexer em poema dos outros. “Puxa! Se botasse essa palavra.” Só para... É um jogo de brincar, meio lúdico, ali... “Pô! Se eu mexo aqui, o que vai dar?” Eu nunca consegui mexer num poema do Manuel Bandeira.

FMC – São sempre redondilhas.

RW – Então, eu acho que o poema sempre é do leitor. O leitor pode mudar. Eu acho que não é definitivo assim, não. É difícil...

LTP – Está sempre disponível.

FMC – Eu só posso voltar ao meu poema como leitor. Não há mais outro lugar. Eu fiz um poema. A partir daí eu só posso voltar nele como leitor.

LTP – É lógico. Leitor crítico, ainda  crele como leitor. ma. or. por cima.

FMC – Não tem como entrar nele tanto que mexer no poema. Eu nunca consegui mexer num poema. A não ser erros de gramática.

LTP – É o leitor que faz... que interpreta.

FMC – Mas o incrível é que ele está sempre disponível. Um dia eu peguei O Centauro. Eu não achava que O Centauro era tão ruim assim. Fui ler e me surpreendi com O Centauro, na reedição aqui (ele foi reproduzido no Livro dos Poemas, de FMC, em 2003). Eu sempre achei O Centauro um livro fraquíssimo.

RW – E não é.

FMC – E não é.

RW – Não é mesmo.

FMC – Para minha surpresa, uma porção de coisas que eu fui fazer depois estão lá.

RW – É uma surpresa você, com 18 para 19 anos, ter feito aquele livro.

FMC – E baseado em Modernismo. Eu nunca tinha conhecido modernismo na minha vida.

RW – E a Lina? Qual é a resposta que você faz à sua própria pergunta?

LTP – Eu não sei.

FMC – Não vale essa resposta.

LTP – Eu sinto que ele me preenche de uma sensação, de uma fruição, de uma sensualidade qualquer. Quando eu sinto isso eu acho que ele está pronto.

FMC – Então, mas é isso que é.

LTP – Porque se eu não sinto ele no tato, não me satisfaz. A imaginação, também não. No sentir, também não. No tato. Eu vivo pelo tato. Se tateando as coisas eu sinto ele dentro de mim acomodando-se, muito bem, ele está bem e eu estou achando que ele está pronto. Se alguma coisa me inquieta dentro, não está pronto.

FMC – Mas você mesma tem alguns poemas que eu cortaria. Trechos. Você mesma tem poemas que eu adoro, mas eu vejo que tem mais de um poema no poema.

LTP – Ah! É mesmo.

RW – Ô Joaquim, eu gosto desses dois assim, porque há um bando de controvérsias. Vocês não concordam? Meia Pataca é Meia Pataca.

LTP – Aquele prefácio que você fez mostra exatamente essa minha luta da criação.

JB – Nós dois sempre concordarmos. Eles (Lina e Chico Cabral) não.

LTP – Enquanto eu tiro uma coisa e ponho outra, enquanto aquilo não se acomoda em mim, não deita dentro de mim, não deita. A palavra tem que deitar dentro de mim. Enquanto ela não deita... Você fez isso naquele prefácio mostrando as mutações que eu faço.

FMC – Deus me livre. A Lina mandava os originais. Cada vez um poema. Uma parada dura.

LTP – Eu peguei os originais. Eu estava lendo de manhã e, “puf!”, mandei. Não aguento mais nem olhar.

RW – O Drummond tem um poema pro Francisco Inácio Peixoto é “O que diz o nome Francisco Inácio Peixoto”.

LTP – “O que diz um nome”.

RW – Tem um poeta de que eu gosto muito, que fala assim: “Que há num nome, que vale?/ Que vale um nome tupi? Cataguases: cataguases/ nunca pisaram aqui".  Do nosso poeta aí (aponta pra FMC).

FMC – O primeiro poema é do Shakespeare. What´s a name?

RW – O que há num nome?

FMC – O que é que há num nome?

RW – Porque me lembrou o Drummond, que pergunta: “O que diz o nome Francisco Inácio Peixoto?”

FMC – Aí eu fiz aquela brincadeira, quando eu digo assim: “Cataguases, os índios nunca estiveram lá.”

RW – Os índios, a tribo dos Cataguases.  Bom. E Cataguases pra gente? Como é que é Cataguases? Nós que saímos. O Joaquim ficou. Eu voltei. Vocês dois saíram de vez.

LTP – Ah! Você também saiu.

JB – Eu saí também.

RW – E eu saí durante muitos anos. O Joaquim também. Mas aí nós voltamos. Porque nós gostamos muito de imitar o Rosário Fusco (risos). Porque o Fusco voltou também. O Chico Peixoto, por exemplo, nunca saiu. Ele falava: “Eu vivo em Cataguases, mas fora de Cataguases.”.

LTP – Eu saí porque me casei. Fui para Brasília. E como eu também trabalhei lá em Brasília, eu também criei muitas raízes lá. Eu tenho muitos amigos lá. Eu gosto de Brasília. É uma cidade que me faz feliz também. Assim como eu gosto daqui, como gosto de Cataguases. Eu gosto de ir a Cataguases, mas como visitante. Eu já não me considero uma moradora de lá.

RW – Não tem raízes.

LTP – Eu não consigo mais... Eu tenho uma impressão de que eu não conseguiria mais morar em Cataguases, porque eu idealizei muito... Eu idealizei a casa que a mamãe tinha. Eu idealizei o meu espaço. Eu idealizei minha infância. E como eu idealizei tudo isso, eu não tenho mais condições e capacidade...

RW – Porque não era verdade.

LTP – (...) de morar numa coisa que é ideal. Não tem, porque não existe.

FMC – Deus me livre.

LTP – Você também não consegue não?

RW – E você? (para FMC)

FMC – O Pedrinho (irmão de FMC) me disse uma vez uma coisa que eu fiquei com pena dele.

LTP – Eu adoro ir lá.

FMC – Nós deixamos a padaria, tudo, para a Nininha (irmã deles). Mas ficou por um erro de escritura, e nós ficamos, eu e o Pedrinho, com 1/3 cada um. E esquecemos esse negócio. Até que a Nininha pediu numa carta que a gente transferisse. E tinha um custo alto para transferir aquele negócio. Não era barato. Aí, eu me lembro que o Pedrinho se negou. Coitado. Ele ficou irritado com o pedido. Porque eu falei: “Ué, Pedrinho, a gente vai ter que resolver esse problema. Passar isso tudo pra Nininha de uma vez.” Ele falou: “Não. Porque, afinal de contas, não tem mais nada meu lá em Cataguases.” Eu fiquei meio assim.

RW – Então, não ficou nada.

LTP – Cabruxa (FMC), a gente pode não morar. As minhas insônias são todas em Cataguases.

FMC – As minhas não.

LTP – Eu tenho muita insônia. Minhas insônias são em Cataguases. Ah! São em Cataguases. Quando eu estou de insônia, duas, três da manhã e eu não durmo, a insônia não dorme e eu fico imaginando coisas lá de Cataguases. A época e tal. Aí, então, é que não durmo mesmo.

RW – O problema da insônia é que não conhece Rivotril.

LTP – Não conhece. Então, a minha insônia é de Cataguases. Eu acho que sem Cataguases eu não respiro, quer dizer, não há como respirar. Mas morar lá, não sei se eu suporto.

FMC – Por que mudou, não é mais a mesma cidade.

LTP – É uma espécie, é uma coisa dialética. Eu não sei até que ponto eu moraria lá. Vou lá, sou feliz. Não sei. Eu gosto muito de lá, vou quase todo ano lá.

RW – Você vai mais que o Chiquinho. O Chiquinho ultimamente...

FMC – Faz dois anos que eu não vou lá.

 

FMC LEVANTA-SE E PEGA UM

NÚMERO DA REVISTA VERDE

PARA MOSTRAR UM ANÚNCIO



FMC – O texto é o seguinte: “Bar Capital da Inglaterra”. Fácil de se codificar. “De Aristides Rocha.” O Aristides está separado – Aris-tides Rocha. Eu nunca ouvi ninguém chamar Aris, mas, enfim. “Especialidades: água filtrada: sorvete de carne de porco, balas de canhão, óleo de oliva em pó, bolinho de cimento armado, bife de frutas estrangeiras, salada de pastéis, café à milanesa, ovos recheados de frango, artigos para fumantes, bozó”...

RW – Bozó?

FMC – Eu nem imagino o que seja... bozó, fósforos em calda etc. Endereço: Cataguases, Estrada de Ferro Aérea, Minas, Praça Águia de Haia.

RW – Águia de Haia, brincando com o Rui Barbosa. É a Praça Rui Barbosa. Mas, agora, engraçado, você lendo aí, eu estou vendo que atrás da revista tem um anúncio exatamente do João Duarte. O capital ajudando a cultura. No sentido que os capitalistas também financiavam a Verde. Uma coisa interessante que me lembrou, lendo esse negócio do capital aí, porque, de certa forma, os jornais que nós fizemos em Cataguases foram todos bancados pela prefeitura. Nós somos oficiais.

LTP – Vocês tiveram sorte, hein?

JB – Mas O Muro, não. O primeiro jornal, não.

RW – O Muro, não. Mas depois os jornais todos foram via o Cataguases (o "Orgão Oficial dos Poderes Municipais").

LTP – Vocês tiveram sorte, porque...

RW – É oficial, praticamente...

JB – Porque a prefeitura bancava.

LTP – É. Saía no Cataguases.

RW – (...) e não se metiam com a gente. A gente publicava o que quisesse.

LTP – Porque quando quis fazer o 3º número da Meia Pataca, eu fui à Fábrica: “Não tem mais um tostão. Pode ir embora.”.

RW– A Meia-Pataca foi bancada por quem? Por vocês?

LTP – Não. Foi a Fábrica. A maior parte.

FMC – Foi a Lina. A Lina que...

LTP – ... A Nacional deu um bocadinho, não sei o quê... Mas o resto foi a Fábrica. Era papel couché...

FMC – Devia ser assim: "Meia Pataca ou os delírios de Lina".

LTP – Eu falei assim: “Estamos precisando de mais dinheiro.” “Não tem mais nenhum tostão. Pode ir embora.” Queria que o Portinari fizesse a capa. Escrevi pro Marques Rebelo. O Marques falou que o Portinari tava muito ocupado e não podia fazer a capa (Risos).

RW – Ô Chiquinho, me ocorreu outra coisa. A relação do Mauro com a Verde que, embora não fosse de inimizade, nem nada, mas eles não eram também tão amigos. Parece que um fingia não conhecer o outro. Engraçado que nos anos 60, nós, com o Paulo Martins, a gente ficou... O Paulo Martins chegou a colaborar no Muro. E, de repente, você produz o filme do Paulo. O primeiro filme feito depois do Humberto Mauro em Cataguases. Um longa-metragem.

FMC – Em homenagem ao Humberto Mauro.

RW – Você produziu. Por que você produziu?

LTP – Então, houve também um elo do Humberto Mauro.

RW – O Humberto Mauro foi à estreia. O Mauro foi à estreia em Cataguases.

FMC – O Paulo Emílio foi (o escritor e crítico de cinema paulista Paulo Emílio Salles Gomes). O Paulo Emílio foi, “morrendo” de gripe, não se hospedou em Cataguases. Hospedou-se em Leopoldina.

RW – A estreia teve uma grande repercussão. Saiu no Jornal Nacional. Todo mundo via o Jornal Nacional.

FMC – A Manchete deu quatro páginas.

LTP – Ah, eu estava em Brasília. Lá não tinha televisão, não tinha telefone... Agora eu quero que vocês falem do Totem. Não é, Joaquim? Deixa eu falar então. Agora nós temos falado muito da Verde, falamos da Meia Pataca, mas há uma outra publicação muito importante, que houve em Cataguases, em que participaram, principalmente, o Joaquim, o Ronaldo. Eu queria que vocês falassem sobre o que representou o Totem nesse aspecto. Eu sei o que representou. Mas eu queria que você falasse.

FMC – E a série que foi quase um tabu, um suplemento cultural.

RW – O Totem vem do Muro. No início, foi O Muro; depois, o SLD.

JB – O Totem foi um jornal que representou a última etapa do nosso trabalho em grupo, trabalho que durou, de 1961 até quase o final dos anos 70. 

FMC – Quer dizer, foi o mais duradouro.

JB – Nossa! Foi o mais duradouro de todos.

LTP – Mas foram duas etapas, não é?

JB – Três. O Muro foi o primeiro. O segundo foi o SLD. O último foi o Totem. Bom, também ele englobou uma época muito forte, que é a década de 60 e 70, que é a contracultura no mundo todo. Nós tentamos açambarcar essa coisa toda. E também coincidiu com a explosão da comunicação. O início da explosão da comunicação.

FMC – Mudou a perspectiva da comunicação.

JB – Que acaba detonando, com o Facebook e outras coisas todas. Mas antes, com a internet, com o Correio. Nós fizemos uma comunicação muito forte, que é a era da comunicação. Então, isso aí valeu muito. Tivemos contatos com muitos países, muitos poetas do mundo inteiro.

RW– Isso aí é uma coisa interessante, que até o Chiquinho fala, que nós fazemos arte de exportação, mesmo a Verde não era lida em Cataguases. Nenhum de nós nunca foi muito lido em Cataguases e naquela época, principalmente. Isso porque, devido à facilidade do poema visual, ele ter uma leitura, entre aspas, “no mundo inteiro”, não precisava da língua. Então a gente teve uma saída aí pro exterior.

JB – Aí os poemas que tinham palavras a gente traduzia em inglês. Sempre tinha em inglês.

RW – Tinha uma receptividade...

JB – E outra grande força foi a ditadura. Nós combatemos a ditadura e o mundo inteiro aprovou esse combate. Então todo mundo queria conhecer o que estava se fazendo aqui contra a ditadura. Então, dos três movimentos, o nosso foi o mais político do que todos os outros. E quem nos acendeu isso novamente foi o autor aqui do lado, o Marcelo Cabral.

FMC – Esse desafio.

JBO Democrata que nos desafiou. O jornal O Democrata, foram duas edições, não é? Só. E, no entanto,... Mas também, pessoalmente, vocês nos desafiavam pra participar politicamente. Então, os poemas mais importantes do nosso grupo eram os poemas políticos.

LTP – Vocês não foram censurados não, não é?

JB – Fomos.

RW– Fomos.

JB – Eu tive peça proibida. Eu tive o DOPS lá em casa, duas vezes, pra me prender. O Festival que nós organizamos...

RW – Os dos festivais de música e poesia visual, 1969-1970

JB – ... foi interrompido muitas vezes e nós sofremos bastante. Eu tive... como eu tinha umas costas quentes... Mas que costas quentes? Eu tinha costa quente da cidade. Quem me protegeu foi a cidade.

LTP – Foi.

JB – Foi. O padre, o prefeito. O DOPS ia lá e o prefeito: “Não. Não tenho nada contra eles. Um absurdo. Não tenho nada.” Ia no padre, e o padre: “Não...”

LTP – Também não tem.

JB – “... Não tem nada. O que é isso? Isso é um absurdo.” Não sei onde eu arrumei estas costas quentes.

FMC – No fundo eram direitistas disfarçados (risos)

RW– Éramos "diretistas".

JB – Pois é. Não. Onde é que eu arrumei estas costas quentes, não.

LTP – Que coisa curiosa essa de ir ao padre. Estou achando curiosíssimo isso. O padre...

JB – E foi também ao gerente do Banco do Brasil, que morreu agora, recentemente. O Renato Teixeira.

LTP – Também foi ao gerente para perguntar?

JB – Eu ouvi ele falando pro do cara DOPS: “Eu ponho a mão no fogo por ele.” Aí eu chamei o Renato e falei: “Não põe não porque eu sou inimigo do regime. Você vai...” “Não, eu ponho. Pode deixar que eu ponho.”

LTP – Bonito isso da cidade. A repercussão do Totem na cidade foi uma coisa realmente fantástica. Não é, Joaquim? A ponto disso... A ponto do prefeito, do padre...

JB – Não era bem a repercussão do Totem. Era a repercussão...

LTP – Da ação do Totem. Não é do Totem. A ação que ele provocava...

RW – Acho que era o Joaquim como funcionário do Banco do Brasil...

JB – Mas prenderam vários funcionários do Banco do Brasil...

RW– Porque era um “cidadão de respeito”...

JB – Não sei porque eu era um “cidadão de respeito” (Risos).

LTP – É porque os artigos alfinetavam. Senão, ninguém ia perguntar ao prefeito, ao padre.

FMC – Fatura isso. Um “cidadão de respeito”. Fatura...

RW – Mas o engraçado disso que o Joaquim está falando é que realmente, de certa forma, "a repressão", entre aspas, ajudou a divulgar a gente. Aquele poema meu, “Libertarde”, saiu com chamada na capa do Jornal de Brasil. E o poema...

FMC – E uma bela sacada que é o “Libertarde”.

JB – Então, isso nos "ajudou",  entre aspas. E rendeu muita notícia.

FMC (para RW) – Eu tive lá em casa, durante muito tempo, um poema seu que eram umas cruzes que quase se encontram.

RW – É ... que quase se encontram. Eu fiz aquele poema como se fosse um quadro. Eu fiz com madeira. As cruzes não se encontravam e tal. Aí eu não sei quem falou: “Pô, Ronaldo. Você inventou a trempe de fogão. Você reinventou a trempe.”. (Risos)

LTP – É uma interpretação doméstica.

RW – Isso é que é critica.

FMC – É o Duchamp da cozinha.

JB – Mas essa explicação é inexplicável. Eu não entendi muito bem, mas...

RW– O Wlademir Dias-Pino, quando publicou esse meu poema no livro dele, ele botou um título fantástico.  ID; A & M. O id do Freud, A de amor e M de morte. Uma coisa! Depois eu mudei o título para “O afeto que em si serra”.

LTP – Não diga?

RW – É fantástico.

JB – O Wlademir é terrível.