6 de mai. de 2011

Bossa Nossa/Bônus 2

Memória, que nos leva a memorabilia, é também e muitas vezes coisa imemorial. Afinal, 50 anos (de Bossa Nova) em cinco (crônicas) dá nisso: falha(s) nossa(s). Mesmo porque a gente não pode assumir, incólume, a juscelinidade dos cinqüent´anos-em-cinco. Andei trocando nomes e me esquecendo de outros. Não é que chamei meu caro amigo Juquinha de José Maria, quando o bravo baterista e primeiro parceiro de Tom Jobim na verdade chama-se João Batista Stockler? Acho que – justo de Juquinha e só disso ser chamado – nem mesmo ele se lembra desse “tal de João Batista”. Mas, vá lá. Quer dizer, fica aqui. E registre-se: João Batista Stockler. Também indoutrodia, na volta de rápida viagem, o acaso me trouxe “vívidas” relembranças – que ele também traz dessas coisas, na impossibilidade de carregar “mortas” lembranças. Eis que na estrada deparou-se-me (sempre quis usar essas mesóclises, mesmo com o carro andando) um outdoor que me recordou a logomarca da Metal Leve do José Mindlin. Não me perguntem qual era o outdoor: o fato é recente e eu só me lembro, vocês bem sabem (“eu sou um rapaz de bem”: evoé, Johnny Alf!), de acontecimentos pra-lá-pra-cá de cinqüentenários.


Parágrafo para Conexão-Cataguases (há sempre um link/conexão Cataguases em toda e qualquer história): Mindlin foi quem lançou a edição fac-similada da Revista Verde, em 1978. Falo “de cadeira”: a coleção de números da Revista que possuo é autografada por ele e por alguns dos remanescentes da Verde. Todos, como eu, presentes ao lançamento em Belo Horizonte. O outdoor me levou então ao logo da Metal Leve e a ninguém menos que ao cineasta Walter Carvalho, há tempos (mas não ainda naquele tempo) o melhor fotógrafo do nosso cinema. Havia me esquecido de meu querido amigo Waltinho quando falei aqui do Festival Audiovisual de Cataguases, que Joaquim Branco e eu organizamos em 1970.


Ainda em fase de preparativos para o Festival, viemos do Rio o Waltinho Carvalho, o compositor Marcus Vinícius e o artista plástico Raul Córdula – todos esses impávidos paraibanos num fusquinha que eu modestamente dirigia. Ainda na baixada fluminense, Waltinho – na época aluno da ESDI, a famosa Escola Superior de Desenho Industrial carioca, e por isso mesmo – chamou minha atenção para um outdoor da Metal Leve, para a perfeição de sua logomarca. Eis o “link” que me levou a lembrar dessa história toda: Waltinho Carvalho seria um dos membros do júri; Raul, o responsável pela cenografia do Festival, desenhando belos e “práticos praticáveis” para o palco do Edgard Cine-Teatro. Já Marquinhos-Marcus Vinícius de Andrade, que vencera o Festival anterior, vinha para se inscrever. E sua música, “Meio-dia doze mortes”, acabaria em segundo lugar.


Foi um rápido fim-de-semana, só pra tomarmos pulso da cidade, ver a quantas andava Cataguases às vésperas do Festival. Na madrugada do outro dia voltamos ao Rio em meio a um toró maior que um tororó, uma chuvarada daquelas. O fusquinha estava, por assim dizer, desprovido de limpador de pára-brisa. Eu não enxergava nadica – embora dissesse aos meus brancaleônicos amigos que nem precisava, pois sempre estive “local” naquela estrada. É bem verdade que a turma não acreditou muito nessa minha “localidade” interestadual e o Waltinho logo se prestou a me ajudar. Foi quando o poeta-processo – que ele o era naquela era – retira sua camisa, mete metade do corpo e a cara toda fuscafora, quer dizer, pra fora do fusca, e põe-se bravissimamente a lutar contra a chamada intempérie.


Quanto mais Waltinho esfregava a camisa, mais a chuva-chovia sobre o pára-brisa. Eu nada via, nem podia. Havia a estrada? Havia. Mas a via estava vazia. Ainda bem. Vários e fortes pingos, outras tantas esfregadelas e muitas rimas depois, a chuvarada cedeu – acho que amainada pelos golpes camisísticos & Waltínicos. Coisa do Carvalho. Muitos anos depois, Waltinho faria o excelente “Janela da Alma”, um filmensaio sobre a cegueira – não por acaso um dos entrevistados era o próprio Saramago – e sobre deficientes visuais & afins. Mas já naquela viagem, quem diria, ensaiávamos nossas cegueiras estrada afora. Corações e olhos apertados, vislumbramos enfim o Dedo de Deus ao deus-dará, ao nada apontar. Névoa de nada, Teresópolis surgia assustada em meio à manhã que se desfazia.


“Chove chuva choverando/ que a alma do meu bem/ está-se passando-se”: cito Oswald de Andrade de cabeça e a chuvas tantas – cabeça ainda molhada pelos pingos do parágrafo anterior. E tudo isso me leva à Joyce. A crase não é por acaso. Não ao Joyce, James – mas à cantora, minha preferida entre tantas. Exatamente “Joyce na Chuva” chamava-se um artigo que escrevi para o “Voz Ativa”, um jornal que eu fazia em Cataguases no final dos anos 80 – ao lado de Silvério Torres, Marcos Spíndola, Rogério Torres, Acir Vassalo e Washington Magalhães.


Eu vinha do Rio todo fim-de-semana para o “fechamento” do “Voz Ativa” – pois era, vamos dizer, o “subeditor carioca” do jornal. Entre seus colaboradores, nomes como os de Luiz Ruffato, Jair Ferreira dos Santos e Carlos Alberto de Mattos, além dos saudosos Roberto M. Moura e Carlos Alberto Castelo Branco – e até uma coluna da Glória (de Ipanema) Horta. Mas, na verdade, eu vinha mesmo era mais pra namorar a Olga Juliana – namoro no(i)vo, vocês sabem como é – até que ela fosse comigo lá morar (no Rio).
Sempre fui (e vim) de dirigir à noite. Numa dessas, achei uma fita esquecida no porta-luvas e botei pra tocar. De início, não ouvi direito: chovia muito na subida da serra e minha atenção voltava-se para a estrada. Mas, de Teresópolis pra cá, fui ficando “local” com a chuva e a estrada e comecei a prestar atenção na música. A fita era da Joyce, que eu sempre ouvira assim como quem não quer nada. A chuva, a noite, a estrada. Tudo ao som de Joyce, minha inesquecível companheira daquela noite de brEu sozinho na mata mineira. Como é que eu nunca percebera a grande cantora e compositora que ela é? Chego a Cataguases e ainda naquela noite escrevo o tal Joyce na Chuva. E, mesmo sem chuva, sem Joyce jamais.


As Costas. Tem as duas, a Alaíde e a Gal. Tem Áurea Martins e Rosa Passos. Tem a Silvinha Telles. A Elis. A Leny. A Elizete. E Bethânia. E Elza. E Ná Ozzetti. Tem sempre a Nara. E agora tem até japonesas, a Lisa Ono e a Fernanda Takai. Ex-namorada vale? Tem a Andréa Dutra. A Daniela Aragão. A Neti Szpilman. Mas não vem que não tem ninguém como Joyce. A voz, o violão, as canções. A batida perfeita da viola, as divisões inteligentes, o seu cantar, o texto sofisticado, as bem-sacadas crônicas – o que fazem vocês que ainda não leram seu livro “Fotografei você na minha Roleiflex”? As letras, as mutretas, as costas.


Seu baterista-muso Tutti Moreno que me perdoe, mas as costas de Joyce – ah, as costas de Joyce – quequieisso, minha gente?!!! Aquelas costas – aquilo sim são as veras (en)costas do Rio que sobre o (meu) mar de Minas se debruçam –, aquelas costas magníficas antevistas anos atrás em cada rodada que Joyce dava dentro de um longo-verde-vestido-frente-única a girar no palco de um teatro do Leblon. Estava comigo naquela noite e está de “provas costais” o Afonsinho, meu muso-baterista – que eu também carrego um, ora pois! E até mesmo o Caetano Veloso, a aplaudir (as costas?) na fileira à nossa frente.


Mas parecia que era pra mim que ela cantava – e quem dizia que não? “Eu com vestido verde hortelã/perdida em seus olhos de xamã/de deslumbrante cor de avelã/pra me aquecerem, feito astracã/mas pra que me cobrir de lã/se cá não ardo em febre terçã?/me seduzindo assim como um fã/com fala mansa, cantada chã/pra um passeio no seu Sedan/e ver um filme de Jean Gabin/me convidou para um coq-au-vin/que encomendou lá no Bec Fin”. Mas logo sua voz, a cristalinamada voz de Joyce, me acordava na noite malsã: “e com a benção de Iansã/prossigo firme no meu afã/de não tirar o meu sutiã/e o meu vestido verde hortelã.//(Até amanhã, galã tantã...)”.

Brasília-Cataguases: escritores nascituros

Falou-se poemas nas ruas, nos museus, nas universidades, nos teatros, nos espaços mais inusitados. Liberta das mais recônditas gôndolas das livrarias – onde é quase sempre jogada às traças – a poesia invadiu a cidade. E ganhou finalmente a praça pública: como antes, na ágora dos gregos. Bom Demais, Balaio, Martinica, Savana, Rayuela, Açougue Cultural T-Bone: a poesia tomou de assalto cafés e bistrôs da Capital Federal, trafegou pela Barca Brasília no Lago Paranoá e avançou pelas cidades-satélites.



Imaginada como um espaço para o confronto das linguagens e formatos em que acontece a poesia contemporânea, em sua diversidade, a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília – que ocupou vários espaços da Capital Federal entre os dias 03 e 07 de setembro de 2008 – foi um acontecimento fundador, um museu vivo e internacional da poesia que se faz no momento, uma tentativa de revitalização poética como há muito não se via. Segundo seu idealizador, o poeta-professor Antonio Miranda, diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, a Bienal foi “uma espécie de caleidoscópio, de vitral ou mural em que se expuseram todas as tendências para um confronto entre os criadores, mas aberto ao público”.



A Bienal não foi somente um festival de poesia para os poetas-participantes, mas – como afirmou o professor Miranda – “um encontro de poetas, editores, ensaístas e toda a classe de ativistas culturais com públicos em diversas escalas, desde os freqüentadores dos cafés literários e academias até os espaços abertos, em shows, em ônibus, praças públicas”. Daí, e não por acaso, a tomada da poesia em frentes diversificadas e nos pontos mais distantes da capital, um evento que não se deteve no mainstream do eixo central, mas espraiou-se pelos bistrôs e cafés-concertos de Brasília e pelas cidades-satélites.


Apesar de contar com o apoio da Secretaria de Cultura do Governo do Distrito Federal – tanto os Secretários de Cultura e de Educação, como o Governado José Roberto Arruda estiveram presentes à sessão de abertura no Museu Nacional, que teve palestra do poeta Affonso Romano de SantAnna – a I BIP não foi um evento “chapa branca”, mas manifestação solidária, cooperativa, democrática, em que muitos parceiros e voluntários se prestaram à montagem de sessões em diversos locais, com a total liberdade de organização e escolha. Mesmo oferecendo uma programação formatada, com nomes célebres em seus países de origem, o evento esteve aberto para que qualquer poeta pudesse divulgar seu trabalho, sem a mínima censura.



A Bienal prestou homenagens especiais aos poetas Thiago de Mello, Affonso Romano de SantAnna, Reynaldo Jardim (que ganhou uma exposição de suas criações literárias e multiartísticas na Biblioteca Nacional, intitulada “Revanguarda”) e ao poeta-processo Wlademir Dias-Pino, que acaba de completar 80 anos, e que teve suas obras em destaque na exposição de poesia visual “ObraNome”, realizada no Museu Nacional de Brasília. Na área experimental, o poeta Robson Correa Araújo apresentou na Biblioteca Nacional a mostra “Y-Semiótico”, projeção de vídeos com poesia de experimentação de linguagem semiótica.


Com curadoria do poeta Paco Cac, a Biblioteca Central da Universidade de Brasília exibiu a mostra “Revistas de Poesia”, com 50 revistas que refletiam a diversidade dos projetos poéticos surgidos nos últimos 50 anos. Paco Cac encenou ainda na Sala de Som do Museu Nacional o míni-show “O Menor Espetáculo da Terra”, uma audição realizada em sete minutos para sete pessoas, com poemas de Torquato Neto, Samaral, Sousândrade, Ferreira Gullar, Nelson Cavaquinho, kzé, Paulo Leminski. Também no Museu Nacional e na Praça do Conjunto Cultural da República, acontecia a mostra “Utopia e Modernidade: de Brasília à Tropicália”, com curadoria de Ana Queiroz.



A I BIP lançou na ocasião três antologias, o “Poemário”, com trabalhos de poetas-convidados dos vários países participantes; “Deste Planalto Central – Poetas de Brasília”; e “ObraNome”, catálogo com os trabalhos dos poetas visuais que participaram da exposição homônima no Museu Nacional de Brasília. E também os poetas-mirins não foram esquecidos: tiveram sua hora e vez na “Antologia da Poesia em Superdotação”, resultante de concurso nacional patrocinado pelo Ministério da Educação, com textos bilíngues, português e espanhol.



“Muito que bem”. Surge aqui o “link-Cataguases”, que não podia faltar se é de poesia que estamos a falar. Na Bienal de Brasília, Cataguases fez-se representar por Francisco Marcelo Cabral, Lina Tâmega Peixoto e por este controvertido cronista. Mal voltara eu do “federal porre poético” – onde, como já sabemos, houve o lançamento da antologia-mirim “Poesia em Superdotação” –, e eis que recebo convite para o lançamento de outra antologia-mirim, o volume “Assim Nasce um Escritor”, resultante de concurso promovido pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com o Proler, e que contempla alunos de diversas faixas etárias das escolas de Cataguases.



Fui mais para ver do que se tratava, mas acabei convidado pelo prefeito Tarcísio Henriques para participar da mesa e entregar os prêmios aos jovens escritores “nascituros”, palavra que sapeco aqui para mostrar alguma erudição, como a justificar minha presença em tão digna mesa, ao lado da Secretária de Educação, Ana Maria Paixão Resende, e do “mais político de nossos políticos”, Galba Rodriguez Ferraz, autor da Lei Municipal 2731/97, que criou o projeto “Assim Nasce um Escritor”.



“Palavras doces, palavras fortes/ palavras pequenas, palavras de emoção/ palavras pesadas, palavras leves/ palavras da alma, puras ou não”, diz o poema de Carla Ramalho Procópio, da 7ª. Série do Colégio de Aplicação-FIC, que fecha com o quarteto “Palavras são palavras/insubstituíveis e sem fim/ para algumas pessoas, comuns/ mas são eternas para mim”. Isso aí, Carla: insubstituíveis e sem fim, as palavras são um mundo infinito. Fica assim gravado aqui o poema de Carla como exemplo ao acaso da antologia “Assim Nasce um Escritor”, que já se encontra em seu oitavo ano de realização.



Mais do que revelar escritores – vá lá, e de novo – “nascituros”, a importância do concurso “Assim Nasce um Escritor” é despertar esses jovens para a leitura e, principalmente, estimular sua curiosidade para o mundo à sua volta. Curiosidade acoplada à leitura – ponto de partida para a formação de um escritor, qualquer escritor. Ponto pro Galba, pro Tarcísio, pra Ana Maria Paixão. Ponto principalmente para as professoras cataguasenses que orientaram esses jovens poetescritores “nascituros”: é assim que nasce, assim que cresce – como cresceram as folhas de relva do poeta Walt Whitman – um projeto bem idealizado.

Bossa Nossa / Bônus 1

Foi ele o baterista a acompanhar João Gilberto e Tom Jobim nas gravações de Canção do Amor Demais, o emblemático álbum inaugural da Bossa Nova. E foi também o primeiro parceiro de Tom, na composição Faz uma semana. Jóquei dos mais supimpas, José Maria Stocker controlava absoluto suas rédeas em cavalógicos páreos na Gávea. Mas corria bem mesmo era dentro dos compassos ritmados por baquetas e vassourinhas pelas boates de Copacabana. Marceneiro pra ninguém botar defeito, o Juquinha – como Stockler sempre foi mais conhecido – arquitetou funcionais estantes pro meu apartamento da Constante Ramos, em Copa. Ele, que é ainda hoje uma verdadeira enciclopédia da Bossa Nova, também andou por Cataguases lá pela década de 1980, trazido pelo Tomaz (“Man”) Pacheco, pra quem deu aulas de bateria.


Juquinha morava em cima do mitológico Luna Bar, no Leblon, e dali saíamos emborcando todas madrugadas afora. Isso quando “Dona Encrenca” deixava, que a mulher dele sempre marcou em cima. Falar de Bossa Nova sem lembrar do Juquinha não vale. Não posso me esquecer de nós dois contracenando num Super-8 que dirigi noite aforadentro, de uma cena filmada numa daquelas etílicas madrugadas na calçada do Luna Bar. O sol já inundando o Leblon, nós dois mais pra lá que pra cá, eu mostrando/discutindo pra câmera a capa do livro “O Século do Cinema” e Juquinha, meio que encostado num orelhão, interferindo na cena do alto-abaixo de seu bonezinho de jóquei, “agredindo” o livro de Glauber com um exemplar de meu “Pomba Poema”, ora pombas! Paulinho Pontes me disse certa vez que iria escrever uma peça de teatro chamada “Luna Bar”. Quer dizer, escrever não, completou ele, pois só o título bastava: “Luna Bar”. Quer mais? O Bertolucci acabou filmando, Fellini ouviu suas vozes, mas isso são outras histórias de La Luna.


E La Luna sempre – é claro, é clara – com um bar no meio. Uma década antes, e literalmente ainda meio que nas águas das etílico-musicais amizades iniciadas em Copacabana, no “200 da Barata Ribeiro” – aprendizado da noite que muito me ajudou na virada dos anos 60, e pra vida inteira –, passei alguns meses arregimentando músicos e críticos para concorrer, e principalmente para compor o júri, na segunda versão do Festival de Cataguases, agora denominado “Audiovisual”. Várias e várias noitadas no Baixo Copa. No El Cid, no Nogueira, no Beco da Fome (nunca mais aquela carne assada com aipim da Lindaura!) e no recém-inaugurado bar da cantora Waleska, no Leme, aquele “breu total” de muita Fossa e pouca Bossa.
Dali vieram para o Festival de 1970 o Gutemberg Guarabira (E viva o México, com João Medeiros) o Luiz Carlos Sá, o Zé Rodrix – o trio Sá-Rodrix-Guarabira foi formado em Cataguases, numa mesa do Bar Mocambo, o sol (quer dizer, mais eu & o chope) por testemunha.

E ainda o Carlos Imperial (“não dá um jeitinho de classificar minha Maria, Maria”?), o compositor paraibano Marcus Vinicius (que vencera o festival anterior), Rildo Hora, de novo o Messias dos Santos (agora “em parceria Cristycaia” com Carlos Sérgio Bittencourt e também com Pedro Lessa, em Produto Perdido), a Bia Bedran, o José Carlos Capinam – numa parceria com o então exilado londrino Gilberto Gil (Zooilógico, que acabou não concorrendo) –, vencedor com Gás Paralisante, feita com o pernambucano Aristides Guimarães, e a Equipe Mercado.


Meu Deus, a Equipe Mercado! Comandada por meu amigo e poeta-processo Ronaldo Periassu, eles causaram um rebuliço dos diabos com sua Marina Belair (“Manicure/ Escândalo dos dedos/ Dédalus// Lapa ofegante ofélia/ Gritrilhos de quinta categoria”). Não só pela letra de Periassu, plena de bricolagens, como pela guitarra destorcida de Stul e a voz rascante e desnuda sensualidade da band-leader Diana. Durante a apresentação, o pessoal do Mercado mastigava carne de cachorro e lançava nacos e mais nacos a um estarrecido, provinciano, engravatado público. Acabaram expulsos da cidade – com todas as glórias da imprensa nacional, da Veja (Antônio Chrysóstomo) à Manchete e Revista Amiga (Adriana Monteiro), a O Globo (Nelsinho Motta), ao Pasquim e Última Hora (Luiz Carlos Maciel) e ao Jornal do Brasil, onde Carlinhos Oliveira atacou de crônica indignada em desagravo.


No júri, Nelsinho Motta, Luiz Carlos Maciel, Marina Colasanti e Affonso Romano de Santana, Lúcio Alves, Mariozinho Rocha, Antonio Chrysóstomo e mais e mais, filósofos (Jorge Roux), críticos (até mesmo de cinema, como o baiano Alberto Silva), e poetas e potentados de tal quilate (Wlademir Dias-Pino, Moacy Cirne, Álvaro e Neide Sá, Affonso Ávila e Laís Correia de Araújo) que acabamos colocando todos no palco do Edgar Cine-Teatro. Imagina! Onde senão no palco colocar um júri de tal magnitude – e ainda sob o comando e presidência gloriosa de Clementina de Jesus, assessorada pelo mui nobre poeta cataguasense Francisco Marcelo Cabral?


O Festival Audiovisual de 1970 foi a ponte para Maria Alcina (eleita melhor cantora, ela que já arrasara no festival anterior com Pesadelo Refrigerado, de Leão Condé e Carlos Moura) lançar-se nacionalmente, sob os cuidados de um Nelsinho Motta fascinado com a jovem cataguasense. Na coordenação, estava ainda o Ernesto Guedes (vide Bossa Nossa/Lado 1), aquele que me aplicou, lembram-se?, João Gilberto & quejandos. E também Beatles, muito jazz e João do Valle, que o Ernesto sempre foi um cara aberto a todas as tendências. O mesmo João do Valle que eu vi entrar uma noite no Beco da Fome, reduto dos músicos de Copa, e ser escorraçado pelo português, dono de um dos botequins. Ainda falei pro cara: “Sabe quem é esse? É o autor do Carcará, o senhor não pode tratá-lo assim”. O português retrucou: “Não me interessa, bêbado não tem vez no meu bar”. Tristes tempos também. Se bêbado no bar não tem vez, onde terá, meu freguês?


Logo, muitíssimo logo depois, um tempo em que muito circulei pelo Biblo´s, uma boate da Lagoa, onde às vezes a Rio Jazz Orchestra tocava, com minha querida Neti Szpilman como crooner. O resto da noite corria ao som da bateria de meu amigo Tião, de um pianista (quem mesmo?) e do baixo do Bebeto, que fora do Tamba Trio e com quem, nos intervalos, eu conversava horas & uísque a fio. Tamba Trio, sim, é Bossa pura e nos leva logo-loguinho a Luizinho, o Eça (mas não, não era ele ao piano naquela boate).


Fui possivelmente a última pessoa a entrevistar Luiz Eça. Ele e Marinho Boffa se apresentavam num show “a dois pianos” no CCBB, já nos anos 1990. Eu realizava os vídeos, os textos e os roteiros pro CCBB e lembro-me muito bem da entrevista, feita no camarim do Teatro 2. Câmera em campo/contracampo, nós dois baforando com aquela dignidade dos fumantes de antigamente. A cada close, Luizinho dava uma tragada e uma píccola tossidela que vou te contar. Eu tacava-lhe outra baforada na cara (de pau) e dizia: “Você precisa parar de fumar, ô meu, olha essa tosse!”. Eça não, quer dizer, Eça sim, retrucava: “Que nada, isso é um resto de gripe, coisa à-toa, que peguei semana passada num show em Belo Horizonte”. Luizinho Eça morreu quinze dias, depois, estirado no sofá da sala de Marinho Boffa, onde dormia entre uma tossidela e outra.