Foi ele o baterista a acompanhar João Gilberto e Tom Jobim nas gravações de Canção do Amor Demais, o emblemático álbum inaugural da Bossa Nova. E foi também o primeiro parceiro de Tom, na composição Faz uma semana. Jóquei dos mais supimpas, José Maria Stocker controlava absoluto suas rédeas em cavalógicos páreos na Gávea. Mas corria bem mesmo era dentro dos compassos ritmados por baquetas e vassourinhas pelas boates de Copacabana. Marceneiro pra ninguém botar defeito, o Juquinha – como Stockler sempre foi mais conhecido – arquitetou funcionais estantes pro meu apartamento da Constante Ramos, em Copa. Ele, que é ainda hoje uma verdadeira enciclopédia da Bossa Nova, também andou por Cataguases lá pela década de 1980, trazido pelo Tomaz (“Man”) Pacheco, pra quem deu aulas de bateria.
Juquinha morava em cima do mitológico Luna Bar, no Leblon, e dali saíamos emborcando todas madrugadas afora. Isso quando “Dona Encrenca” deixava, que a mulher dele sempre marcou em cima. Falar de Bossa Nova sem lembrar do Juquinha não vale. Não posso me esquecer de nós dois contracenando num Super-8 que dirigi noite aforadentro, de uma cena filmada numa daquelas etílicas madrugadas na calçada do Luna Bar. O sol já inundando o Leblon, nós dois mais pra lá que pra cá, eu mostrando/discutindo pra câmera a capa do livro “O Século do Cinema” e Juquinha, meio que encostado num orelhão, interferindo na cena do alto-abaixo de seu bonezinho de jóquei, “agredindo” o livro de Glauber com um exemplar de meu “Pomba Poema”, ora pombas! Paulinho Pontes me disse certa vez que iria escrever uma peça de teatro chamada “Luna Bar”. Quer dizer, escrever não, completou ele, pois só o título bastava: “Luna Bar”. Quer mais? O Bertolucci acabou filmando, Fellini ouviu suas vozes, mas isso são outras histórias de La Luna.
E La Luna sempre – é claro, é clara – com um bar no meio. Uma década antes, e literalmente ainda meio que nas águas das etílico-musicais amizades iniciadas em Copacabana, no “200 da Barata Ribeiro” – aprendizado da noite que muito me ajudou na virada dos anos 60, e pra vida inteira –, passei alguns meses arregimentando músicos e críticos para concorrer, e principalmente para compor o júri, na segunda versão do Festival de Cataguases, agora denominado “Audiovisual”. Várias e várias noitadas no Baixo Copa. No El Cid, no Nogueira, no Beco da Fome (nunca mais aquela carne assada com aipim da Lindaura!) e no recém-inaugurado bar da cantora Waleska, no Leme, aquele “breu total” de muita Fossa e pouca Bossa.
Dali vieram para o Festival de 1970 o Gutemberg Guarabira (E viva o México, com João Medeiros) o Luiz Carlos Sá, o Zé Rodrix – o trio Sá-Rodrix-Guarabira foi formado em Cataguases, numa mesa do Bar Mocambo, o sol (quer dizer, mais eu & o chope) por testemunha.
E ainda o Carlos Imperial (“não dá um jeitinho de classificar minha Maria, Maria”?), o compositor paraibano Marcus Vinicius (que vencera o festival anterior), Rildo Hora, de novo o Messias dos Santos (agora “em parceria Cristycaia” com Carlos Sérgio Bittencourt e também com Pedro Lessa, em Produto Perdido), a Bia Bedran, o José Carlos Capinam – numa parceria com o então exilado londrino Gilberto Gil (Zooilógico, que acabou não concorrendo) –, vencedor com Gás Paralisante, feita com o pernambucano Aristides Guimarães, e a Equipe Mercado.
Meu Deus, a Equipe Mercado! Comandada por meu amigo e poeta-processo Ronaldo Periassu, eles causaram um rebuliço dos diabos com sua Marina Belair (“Manicure/ Escândalo dos dedos/ Dédalus// Lapa ofegante ofélia/ Gritrilhos de quinta categoria”). Não só pela letra de Periassu, plena de bricolagens, como pela guitarra destorcida de Stul e a voz rascante e desnuda sensualidade da band-leader Diana. Durante a apresentação, o pessoal do Mercado mastigava carne de cachorro e lançava nacos e mais nacos a um estarrecido, provinciano, engravatado público. Acabaram expulsos da cidade – com todas as glórias da imprensa nacional, da Veja (Antônio Chrysóstomo) à Manchete e Revista Amiga (Adriana Monteiro), a O Globo (Nelsinho Motta), ao Pasquim e Última Hora (Luiz Carlos Maciel) e ao Jornal do Brasil, onde Carlinhos Oliveira atacou de crônica indignada em desagravo.
No júri, Nelsinho Motta, Luiz Carlos Maciel, Marina Colasanti e Affonso Romano de Santana, Lúcio Alves, Mariozinho Rocha, Antonio Chrysóstomo e mais e mais, filósofos (Jorge Roux), críticos (até mesmo de cinema, como o baiano Alberto Silva), e poetas e potentados de tal quilate (Wlademir Dias-Pino, Moacy Cirne, Álvaro e Neide Sá, Affonso Ávila e Laís Correia de Araújo) que acabamos colocando todos no palco do Edgar Cine-Teatro. Imagina! Onde senão no palco colocar um júri de tal magnitude – e ainda sob o comando e presidência gloriosa de Clementina de Jesus, assessorada pelo mui nobre poeta cataguasense Francisco Marcelo Cabral?
O Festival Audiovisual de 1970 foi a ponte para Maria Alcina (eleita melhor cantora, ela que já arrasara no festival anterior com Pesadelo Refrigerado, de Leão Condé e Carlos Moura) lançar-se nacionalmente, sob os cuidados de um Nelsinho Motta fascinado com a jovem cataguasense. Na coordenação, estava ainda o Ernesto Guedes (vide Bossa Nossa/Lado 1), aquele que me aplicou, lembram-se?, João Gilberto & quejandos. E também Beatles, muito jazz e João do Valle, que o Ernesto sempre foi um cara aberto a todas as tendências. O mesmo João do Valle que eu vi entrar uma noite no Beco da Fome, reduto dos músicos de Copa, e ser escorraçado pelo português, dono de um dos botequins. Ainda falei pro cara: “Sabe quem é esse? É o autor do Carcará, o senhor não pode tratá-lo assim”. O português retrucou: “Não me interessa, bêbado não tem vez no meu bar”. Tristes tempos também. Se bêbado no bar não tem vez, onde terá, meu freguês?
Logo, muitíssimo logo depois, um tempo em que muito circulei pelo Biblo´s, uma boate da Lagoa, onde às vezes a Rio Jazz Orchestra tocava, com minha querida Neti Szpilman como crooner. O resto da noite corria ao som da bateria de meu amigo Tião, de um pianista (quem mesmo?) e do baixo do Bebeto, que fora do Tamba Trio e com quem, nos intervalos, eu conversava horas & uísque a fio. Tamba Trio, sim, é Bossa pura e nos leva logo-loguinho a Luizinho, o Eça (mas não, não era ele ao piano naquela boate).
Fui possivelmente a última pessoa a entrevistar Luiz Eça. Ele e Marinho Boffa se apresentavam num show “a dois pianos” no CCBB, já nos anos 1990. Eu realizava os vídeos, os textos e os roteiros pro CCBB e lembro-me muito bem da entrevista, feita no camarim do Teatro 2. Câmera em campo/contracampo, nós dois baforando com aquela dignidade dos fumantes de antigamente. A cada close, Luizinho dava uma tragada e uma píccola tossidela que vou te contar. Eu tacava-lhe outra baforada na cara (de pau) e dizia: “Você precisa parar de fumar, ô meu, olha essa tosse!”. Eça não, quer dizer, Eça sim, retrucava: “Que nada, isso é um resto de gripe, coisa à-toa, que peguei semana passada num show em Belo Horizonte”. Luizinho Eça morreu quinze dias, depois, estirado no sofá da sala de Marinho Boffa, onde dormia entre uma tossidela e outra.
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