Reprodução
de minha fala na roda de conversa “Os desafios da palavra escrita em
Cataguases”, realizada no Centro Cultural Siccob em 10 de novembro de 2022,
dentro das atividades da primeira edição da FLICA–Festa
Literária de Cataguases.
Sobre o tema em pauta,
“Os desafios da palavra escrita em Cataguases”, começo nomeando alguns
escritores “novos” lembrados por Ronaldo Cagiano em texto publicado em meu
livro “Cataguases Século XX/ antes & depois”. Texto possivelmente defasado,
já que escrito há alguns anos. Isso para me situar, ou para nos situarmos
diante dos escritores surgidos em Cataguases depois da revista Verde nos anos
20 e do jornal Totem, nas décadas de 60/70, i.e, nos anos da minha geração e do
poeta Joaquim Branco.
Luiz Ruffato, naturalmente, romancista já consagrado; o próprio
Cagiano, excelente poeta, contista e crítico, hoje vivendo em Lisboa. Fernando
Cesário (“Os olhos vesgos de Maquiavel”), Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira
(“Uma e outra forma de tirania” e “E se estivesse escuro?”), Leonardo de Paula
Campos (“Alma de brinquedo”), Emerson Teixeira Cardoso (“Símiles”) e Eltânia
André (“Meu nome agora é Jaque” e “Manhãs adiadas”) exemplos de uma geração
cuja preocupação e valores transcendem meramente o fazer literário.
Marcelo Benini, poeta e ficcionista, com
as narrativas de “O homem duplicado”, José Antonio Pereira, que já vem de uma
intensa participação como colaborador de jornais e revistas (“Trem azul” e
“Chicos Cataletras”), com seu début no
caprichado volume de crônicas “Fantasias de Meia-Pataca”. A narrativa diáfana e
igualmente expressiva de Antônio Jaime Soares (“Pedra que não quebra”),
Flausina Márcia da Silva (“Sua casa, minha cruz” e “Vaga lume”) e Sônia Bonzi
(“Bordando memórias”), ao lado da prosa de Fernando Abritta, Tadeu Costa, José
Santos, Mauro Sérgio Fernandes da Silva, Luiz Lopez, Laly Cataguases e Renatta
Barbosa, autores que vêm projetando seus nomes e obras no cenário disputado e
competitivo da literatura infanto-juvenil, com títulos criativos e de grande
apelo imagético e sensorial. E aproveito para citar também escritores aqui
presentes, como Carolina Valverde, Emanuel Messias e Washington Magalhães.
O que é isso, poesia?
Pois bem. Prosadores e poetas. Deixo os prosadores, os ficcionistas,
com o Marcos Vinícius, que está aqui ao meu lado: é a praia dele. Eu fico com o
que me cabe, o que me coube desde sempre, a “fricção”, o entrechoque de
palavras que às vezes resulta em poesia.
Mas, o que é isso, poesia? Passo a palavra para a polonesa Wislawa
Szymborska, Nobel de Literatura e uma poeta de minha grande admiração:
Alguns gostam de poesia.
Alguns –
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
Gostam –
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.
De poesia –
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.
Então, vamos lá pessoal, um pouco de
reflexos/reflexões sobre a poesia para esquentar o papo e a noite.
Provocações/reflexões
João
Cabral de Melo Neto na conferência “Poesia e Composição” realizada na Biblioteca de
São Paulo, 1952:
“A
composição, que para uns é o ato de aprisionar a poesia no poema e para outros
o de elaborar a poesia em poema; que para uns é o momento inexplicável de um
achado e para outros as horas enormes de uma procura.
“O
ato do poema é um ato íntimo, solitário, que se passa sem testemunhas. Nos
poetas para quem a composição é procura, existe como que o pudor de se referir
aos momentos em que, diante do papel em branco, exercitam sua força. Porque
eles sabem de que é feita essa força – é feita de mil fracassos, de truques de
que ninguém deve saber, de concessões ao fácil, de soluções insatisfatórias, de
aceitação resignada do pouco que se é capaz de conseguir e de renúncia ao que,
de partida, se desejou conseguir”.
Aqui
João Cabral faz menção à velha dicotomia inspiração/transpiração. Olhar para a
lua ou sentar-se e “meter bronca”, trabalhar, encarar a folha em branco. Ato de
produzir poesia. João sentava-se toda a manhã frente à máquina de escrever,
mesmo que não tivesse ideia alguma do que ia sair.
Sentar
ou assentar-se para escrever me leva a meu grande amigo, o saudoso poeta
cataguasense Francisco Marcelo Cabral:
O leitor se assenta.
O poeta puxa a cadeira
a poesia é o tombo.
O leitor se enleva
o poeta o empurra no abismo
a poesia é o voo.
Já
Jayme Ovalle, carioca de Belém do Pará,
como se definia, era um poeta que não escrevia. Não escrevia porque não
precisava. O poema era ele. Também músico, parceiro de Manuel Bandeira em
“Azulão”, um dos grandes momentos de nosso cancioneiro, Ovalle foi grande amigo
de Vinicius de Moraes, que o adorava. Diz
Jayme Ovalle: “Todo mundo é criado
com o dom da poesia, e só deixa de
ser poeta porque perde a inocência. No fundo, esse pessoal que se tornou
banqueiro, senador ou presidente da Republica só fez isso porque deixou de ser
poeta”.
Com
a palavra o poeta francês Benjamin Péret, ligado a André Breton e aos surrealistas: “O
poeta moderno é revolucionário – ou não será poeta. Ele deve jogar constantemente
no desconhecido. Só assim poderá se dizer poeta e participar de um processo
onde não o esperam nem glórias nem elogios”.
No centro do desconhecido
Um
dizer autenticado pela máxima de Maiakovski,
o grande poeta da revolução russa:
“A
poesia – toda – é um salto no centro do desconhecido”.
Ainda
Maiakovski e seu vermelho estandarte:
“Sem
forma revolucionária não há arte revolucionária”.
Em
sua classificação das finalidades do escrever, Rodolphus Agricola — o erudito
renascentista citado por Ezra Pound no ABC
of reading – dizia que nós escrevemos para “ut doceat, ut moveat, ut
delected”. Para ensinar, comover, deleitar. Em seus Diálogos de Oficina, um dos
poetas criados pelo grande poeta Mário Faustino re-citava o quinhentista
Agricola: “Poesia: meio de comover os homens; meio de os alegrar, meio de
ensiná-los”.
Para
o poeta simbolista Mallarmé, um dos
nomes mais importantes da poesia moderna, a função da poesia era: Donner uns sens plus pur au mots de la
tribu. Dar um sentido mais puro às palavras da tribo. Ou, na transcriação
de Ezra Pound: To purify the dialect of
tribe.
Ezra
Pound (in Soirée): “Ao ser informado
de que a mãe escrevia versos,/ E que o pai escrevia versos,/ E de que o filho
mais novo trabalhava numa editora,/ E que o amigo da filha segunda estava
escrevendo um romance,/ O jovem peregrino americano/ Exclamou: Êta penca de
gente sabida”.
Eu
amarro todo esse busílis da seguinte maneira:
Forma+ideia = poema.
Insight+poema = poesia.
Fazer isso que a gente
não sabe
Então,
resumindo: “poesia” é isso que a gente não sabe e “poema” é aquilo que tenta
fazer isso que a gente não sabe – e que nos emociona. Oswald de Andrade: “Aprendi
com meu filho de dez anos/ que a poesia é a descoberta/ das coisas que nunca vi”.
Oswald
me leva a Mário de Andrade, ao seu Prefácio
Interessantíssmo para A Escrava que não é Isaura, escrito em dezembro de 1920,
portanto dois anos antes da Semana de Arte Moderna:
“É
preciso justificar todos os poetas contemporâneos, poetas sinceros que, sem
mentiras nem métricas, refletem a eloquência vertiginosa da nossa vida. Como os
verdadeiros poetas de todos os tempos o que cantam é a época em que vivem. E é
por seguirem os velhos poetas que os poetas modernistas são tão novos”.
“É
o leitor que deve se elevar à sensibilidade do poeta, não é o poeta que se deve
baixar à sensibilidade do leitor. Pois este que traduza o telegrama”.
Oswald
de Andrade deve ter se lembrado dessa observação de Mário de Andrade ao sacar
de sua máxima em 1954, já no final da vida: “A massa ainda comerá do biscoito
fino que fabrico”.
Sempre
bom relembrar algumas tiradas de Oswald como aquelas de 1924, no Manifesto da Poesia Pau-Brasil:
“A síntese. O equilíbrio. O
acabamento da carroceria. A invenção. Uma nova perspectiva. Uma nova escala.
Qualquer esforço nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil”.
“O
trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez
romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia,
pela invenção e pela surpresa”.
Fecho
com dois grandes poetas, Rilke e Verlaine, para em seguida trocarmos ideias
sobre essas minhas anotações/provocações:
Rainer
Maria Rilke: “Os versos são experiências e é preciso ter vivido muito para
escrever um verso”.
Paul
Verlaine: “Tudo é belo e bom quando
belo e bom; venha de onde vier e tenha sido obtido pelo processo que for.
Clássicos, românticos, decadentes, símbolos, associantes, ou como direi? Incompreensíveis
desde que eles me comovam ou simplesmente me encantem, mesmo que eu não saiba
bem por que, todos eles me são caros. Vamos, poetas que somos, amemo-nos uns
aos outros, esta máxima é tão bela em arte como na moral, e eu creio que a ela
devemos no ater”.
O
que não deixa de autenticar a definição do quinhentista Agricola: “Poesia: meio
de comover os homens; meio de os alegrar, meio de ensiná-los”.
Passo
a palavra ao Marcos Vinicius: tudo é ficção. Ou fricção?
Ronaldo
Werneck
Cataguases, 10.11.22