Desde
o início o trabalho dessa admirável artista plástica que é Therezinha Castro voltou-se
para um arenoso espaço de indagações transcendentais sobre o tempo, a persona,
o être-en-soi existencial e outras
mumunhas & cositas más. Um profundo mergulho de onde agora emerge a sua
criança, essa menina inesperada. A Therezinha de hoje é reflexo da simplicidade
imantada de sua infância, do prazer de ser menina, o riso solto – não me lembro
de nada assim tão puro, tão cristalino –, o riso pleno dessa obsclara
liberdade.
A
partir de sua primeira mostra individual, na Galeria Spac – Ipanema, 1980 – ou,
se, quisermos maior precisão, de sua primeira coletiva no Salão Nacional de
Belas Artes – Rio, 1973 –, a artista atravessou etapas de extrema coerência na
busca de uma linguagem própria, sempre marcada por rica densidade pictórica.
Aqui uma primeva e fugaz pincelada, um rápido primitivismo logo tomado pela
sofisticada simbologia de máscaras e ampulhetas, o tempo e a persona aflorando.
Ali um expressionismo que explode amadurecido em figurações & fulgurações
de pássaros e fetos, crianças e cores, cores e crianças e crianças e cores.
No
princípio, era plena de amarelo a sua paleta, clara referência à luminosidade
de Van Gogh. Mas ao longo do percurso Therezinha redescobriu e reincorporou ao
seu universo suaves texturas em ocre, em marinho – tramas que ela tanto ama.
Vale a rima: a polissêmica & policrômica. Desde Vitória do Espírito Santo às Minas Gerais, estrada
& trilho inicial, tudo é cíclico e simples e magnífico. Tudo está onde
sempre esteve, principalmente Cataguases e sua ancestral mineiridade. A luz da
Mata volta aqui – e para sempre. Soma de muitas cores, Therezinha é por
excelência uma refinada colorista que tem na criança o seu obsclaro objeto de
prazer.
“Ils
ont oublié leur propre enfance”, exclamava atônito, na virada dos anos 50, o
Sartre da Critique de la Raison Dialectique
(Paris, 1960). Ao recuperar a infância, Therezinha Castro nos doa a sua
redescoberta e faz com que nossa criança não se obscureça no oblívio. Que são
essas garatujas senão garatujas? Esses rabiscos parecem saltar de seu suporte
com a força de um resgate da pureza. Um retorno com a sabedoria de agora, um
retomar da criança com a plenitude do adulto. Tem uma força estranha essa
Therezinha de hoje, um poder de menina, um poder que tudo pode, sem amarras, um
lúdico despojamento que só se consegue com muito sacrifício.
Foram
muitas as voltas para que a artista pudesse finalmente expressar-se com essa economia,
com a difícil simplicidade desses traços, dessas figuras atávicas que surgem
assim, como se por acaso. Aqui, nada vem do acaso. É como se a arte de
Therezinha Castro fosse fabrico de mágica artesania, de uma pureza em construção. Melhor,
esses trabalhos são na verdade uma desconstrução consciente em busca do
expressar-se de sua criança. Sua feitura é um eterno retorno no tempo – e sua
fruição quase uma epifania. Escorre a areia da ampulheta, caem as máscaras.
Nasce a verdadeira persona em sua plenitude, manhã primeira. O mundo é macio e
perigoso. Mas que pode o mundo face a esse riso, a esse obsclaro prazer?
Ronaldo Werneck/1997-2017