Na feira livre
do Estácio, preso numa roda de bamba, o malandro deu de cara com três turistas
trêbados trauteando tartamudos Città meravigliosa!
cheia de milencantos em meio a frutas, facas, alfavacas, frufru de feirantes e
tutti quanti aliterantes. E súbito acontece uma mulata daquelas, uma que se
dizia Florisbela. Era dia de Carnaval e o malandro fingiu que nem viu sua
cabrocha de fé e moradia a lhe puxar pela camisa em meio a toda aquela
algaravia. Sua velha cabrocha que no compasso do samba de lá dizia: Encontrei o meu pedaço na avenida de camisa amarela,
cantando a Florisbela. Não estava nada bom o meu pedaço, trauteava a mulatantã.
Na verdade estava bem mamado, bem chumbado, atravessado e foi por aí
cambaleando, se acabando num cordão com o reco-reco na mão.
Era dia de Carnaval quando alguém não se sabe de onde anunciou Portela! Portela! E o samba trazendo alvorada seu coração conquistou. Mais ainda: quando nem bem uma esquina dobrou, as portelas pernas ainda bambas, ele deu com um cara a cantar eu sou o samba, um mulato maneiro a dizer sou natural aqui do Rio de Janeiro e metendo bronca: em qualquer esquina eu paro em qualquer botequim eu bebo. E se houver motivo é mais um samba que eu faço. E podem me prender que eu não mudo de opinião.
Era dia de Carnaval quando alguém não se sabe de onde anunciou Portela! Portela! E o samba trazendo alvorada seu coração conquistou. Mais ainda: quando nem bem uma esquina dobrou, as portelas pernas ainda bambas, ele deu com um cara a cantar eu sou o samba, um mulato maneiro a dizer sou natural aqui do Rio de Janeiro e metendo bronca: em qualquer esquina eu paro em qualquer botequim eu bebo. E se houver motivo é mais um samba que eu faço. E podem me prender que eu não mudo de opinião.
Pelo que
dizia, o mulato muitos amigos teria, e era pra lá de popular. Como aqueloutro,
comandando o bloco que lá vinha. O que será que
andam combinando no breu das tocas, que anda nas cabeças anda nas bocas? O que
será que estão falando alto pelos botecos? E vinha de lá um magrelo sem
queixo, cigarro caindo da boca: agora vou mudar minha conduta, vou tratar você
com força bruta. O cinema falado é o grande culpado da transformação dessa
gente. Que não tem governo nem nunca
terá. Que não tem vergonha nem nunca terá.
Fecha
a cortina do passado
O que será, eu
sei, que o meu peito é lona armada. Circo vive é de ilusão. Chorei com saudades
da Guanabara refulgindo de estrelas claras longe dessa devastação. Passei pelas
praias da Ilha do Governador e subi São Conrado até o Redentor. Lá no morro
Encantado eu pedi Piedade. Plantei Ramos de Laranjeiras, foi meu Juramento. No
Flamengo, Catete, na Lapa e no Centro. Pois é, pra gente respirar, Brasil,
Brasil, tira as flechas do peito do meu Padroeiro, que São Sebastião do Rio de
Janeiro ainda pode se salvar.
Eu poderia ficar sempre assim como uma casa sombria. Percorrer correndo os
corredores em silêncio. Mas quero as janelas abrir para que o sol possa vir
iluminar. Muita calma pra pensar e ter
tempo pra sonhar. Sim, eu poderia procurar por dentro a casa, cruzar uma por
uma as sete portas, as sete moradas. Mas eu prefiro abrir as janelas pra que
entrem todos os insetos. Da janela vê-se o Corcovado, o Redentor, que lindo.
Agora, falando sério, eu queria não cantar. Meu Rio que não dorme porque
não se cansa. Dou um chute no lirismo, um pega no cachorro e um tiro no
sabiá. Não me leve a mal. Me leve à toa pela última vez ao quiosque, ao
Planetário, ao Cais do Porto, ao Paço. Agora, falando sério, eu queria não
mentir. Meu
Rio que balança, sorrio, só Rio. Da janela vê-se o
Corcovado.
Estrela vulgar a vagar.
Passou este verão, outros passarão. Eu passo. Mas tenho os olhos
tranquilos. Sobre um pátio abandonado, profetas nos corredores, mortos embaixo
da escada. Mas isso faz muito tempo. E outras palavras já queriam se cantar. De
ordem e desordem, de loucura. O filme quis dizer "Eu sou o samba". A
voz do morro rasgou a tela do cinema. Fecha
a cortina do passado. Dessa janela, sozinho,
olhar a cidade me acalma. Rio, e também posso chorar.
Fragmentos de meu texto “Rio
e também posso chorar”, publicado na Revista RECine, do Festival Internacional
de Cinema de Arquivo (Rio, 2010)
3 comentários:
Muito bom- parece que eu lia umas letras do Aldir Blanc pro Guinga
belo texto, extratos do outro que deve ser belo também... pena que o rio e o brasil quase não nos permitem mais rios nem risos...
Como numa das obras-primas esquecidas do Caetano, feita para a Aracy cantar: A voz do morto/ os pés do torto/ o cais do porto/a vez do louco/a paz do mundo/ Na Glória/Na glória. Belo (en)feixe o seu, Roneck. Abraços do Carlim Moura.
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