Give me the gun, Pumpy!
Vociferava
o grandalhão-marfim John Wayne – o protótipo do “herói”
americano – para o ébano-gigante Woody Strode, o Pump, na sequência-chave do filme de John Ford “O homem que matou o
facínora” (The man who shot Liberty Valance,
1962). “The gun” era o rifle, pedido
e passado por Pump a Tom Doniphon (Wayne) segundos antes dele
liquidar Liberty Valance (Lee
Marvin), o facínora do título em português.
Tempos em que a América-mundo girava em ritmo de faroeste – onde caubóis
nem sempre do bem matavam índios nem sempre do mal. E por “índios” entenda-se
qualquer bandido, mesmo bandidos não sendo.Tempos que perduram ainda hoje.
A recente tragédia
americana com os estudantes de Virginia Tech, em Blacksburg, lembrou-me que
exatamente em abril de 1998 – quando de meu retorno a Cataguases, há quase dez
anos – eu escrevia em minha coluna “Há Controvérsias” no Jornal do Marcos uma
crônica intitulada “Deserto Aborrecido”, que girava sobre o mesmo tema. Não de
homens que matam facínoras. Mas de meninos que simplesmente matam o que estiver
pela frente.
Nos EUA, mais que em
qualquer outro lugar, o mundo realmente gira sobre si mesmo, como balas no
tambor de um revólver. E disparates como esse de agora voltam sempre, como se
disparassem (palavra certa) em cima da(s) gente(s). Bush, esse ser presidencialmente
inacreditável, declarou que os estudantes “estavam no lugar errado na hora
errada”. Parece autorreferência.
Ao escrever minha
crônica, rifles e demais símbolos fálicos abundavam, com licença da palavra.O
presidente americano era Bill Clinton, na época às voltas com o escândalo
Monica Lewinsky, a moça do charuto, lembram-se? Em 24 de março de 1998, em
Jonesboro, Arkansas, os meninos Andrew Golden, 11 anos, e Mitchell Johnson, 13,
mataram a tiros quatro estudantes e uma professora durante um treinamento
contra incêndio na escola onde estudavam. Um ano depois, aconteceria outra
tragédia de grandes proporções numa escola americana, tratada por Michael Moore
em filme memorável, Bowling for Columbine/
Tiros em Columbine (2002). Em 20 de abril de 1999, no
Instituto Columbine, Colorado, Eric
Harris de 18 anos, e Dylan
Klebold, 17, atiraram e atiraram e atiraram a esmo – e mesmo a esmo
mataram mesmo muitos mestres e colegas.
Perguntas que ainda hoje perduram: como Harris e seu amigo conseguiram levar para a Columbine High School quatro armas pesadas e dezenas de quilos de explosivos? Por que atiraram a esmo, enquanto explodiam quatro bombas, e depois executaram com tiros na cabeça alguns dos melhores atletas da escola? Queriam mesmo comemorar o aniversário de Adolf Hitler, nascido há 110 anos, num mesmo 20 de abril? Não por caso, os matadores de Columbine foram incensados como heróis por Cho Seung-Hui, o atirador enlouquecido que agora em 16 de abril matou 30 estudantes na Universidade Virginia Tech, em Blacksburg.
April is the cruelest month, escrevia o poeta T.S. Eliot (Saint
Louis, 1888; Londres, 1965) em The
Wasteland, um dos poemas-marco do século XX. Ezra Pound (que leu The Wasteland no original e fez a mais
célebre revisão da história da literatura, totalmente aceita por Eliot) dizia
que os poetas são as antenas da raça. Fica então mais uma pergunta: a
reincidência desses massacres americanos em abril, este “mês mais que cruel”, contribui para confirmar o poder de antecipação da poesia?
Fica a pergunta e suas
controvérsias. Há uma gota de sangue em cada poema, dizia Mário de Andrade em
1917, muito antes do “modernismo” desses massacres. Matança tá na moda. O
mundo, “esse deserto aborrecido”, continua a confirmar o título de minha
crônica anterior, dito pelo pai de meu amigo, o escritor Carlos Alberto Castelo
Branco, que nesse entretempo se foi para sempre. O pai e o filho. Sim, “pela
morte de Deus”. Não “por tiro lá no sertão”, como soava a canção de Sérgio
Ricardo com a letra que Glauber Rocha fez para Deus e o Diabo na Terra do
Sol. Nos EUA, antes como agora, a morte
vem mesmo de bala encontrada, de tiros acertados por facínoras que matam os
homens. Tiros delivery, certeiros – entregues no/pelo destino, a domicílio. E a
vinte e quatro quadros por segundo. Cinema-verdade é isso aí. A América (não) muda.
29.04.2007
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