“Na
linha do horizonte pendurei tua saia/ E a minha mão pegou na tua contra-mão/ À
sombra de uma dúvida eu dormi na praia/ E construí meu lar na casa do botão.” São
estes os versos iniciais de Amor
Nonsense, primeira de uma série de canções que Juca Chaves pretende fazer,
criando o movimento de Música Nonsense
no Brasil. E, naturalmente, ele será o único representante, criador e criatura:
“Sozinho eu me imortalizo mais depressa. Se participasse de grupos, eu ficaria sendo
somente mais um deles”.
Segundo
ele, a música nonsense é inspirada em
Juarez Machado, criador do desenho nonsense
no Brasil. Juca é amigo de Juarez há muito tempo e acha que suas músicas têm
muitas afinidades com o tipo de desenho feito por ele: “Juarez desenha, por exemplo, muitos
arcos-íris – e arco-íris é uma palavra que sempre cantei em minhas músicas. Apresentar
Amor Nonsense na televisão é o
próprio nonsense.
Furo de jornal
Embora
o nonsense tenha surgido através de movimentos bem
antigos, como o Surrealismo e o Dada,
do princípio do século, a novidade trazida por Juca é que é a primeira vez que
o nonsense é veiculado através da
música. A melodia é uma marchinha e a jogada mesmo é na letra, que – embora
sendo toda rimada e feita em falsos dodecassílabos,
de pés totalmente quebrados – no fundo não tem (e está e a intenção básica) o
mínimo sentido.
O
nonsense nasce da surpresa, da
associação inesperada de palavras, que acaba produzindo efeitos de grande
humor, como por exemplo nesses versos da música: “Levei meu olho mágico prum
oculista/ do teu ponto de vista fiz ponto final/ no rabo do foguete eu
encontrei tua pista/ e enchi de novidade o furo do jornal”.
E esse tipo de música só poderia partir mesmo do humor ferino de Juca Chaves, que define o nonsense como “uma maneira de não se dizer nada muito mais sabiamente do que se tem dito”.
Um clássico
Quando comento sobre
suas letras serem rimadas e (às vezes) metrificadas, Juca faz blague e solta
uma de suas boutades:
–
Eu mantenho uma tradição musical, embora procure evoluir poeticamente. É
verdade que minhas letras são rimadas e metrificadas.
Mas que posso fazer? Eu sou um clássico.
–
A minha salvação é que sou da classe média. Se fosse de família tradicional, eu
não teria ouvido música clássica na infância e sim a do chicote dos escravos...
–
Quando jovem, eu era um músico popular fracassado, era apenas um erudito...
–
Após 10 anos pesquisando a música renascentista e fazendo música de câmara,
voltei agora à música satírica e principalmente a fazer modinhas, gênero de que
sempre gostei. Aliás, acho que as três grandes contribuições que os portugueses
trouxeram para o Brasil foram a modinha, a mulata e Tostão no Vasco...
Vá Tomar Caju
O
sucesso de Juca Chaves vem muito mais de seu talento verbal do que propriamente
de suas músicas. E ele tem consciência disso:
– O forte desse meu show Vá Tomar Caju são as piadas. Todas aplaudidíssimas. No intervalo,
toco umas musiquinhas. E as palmas são as mais mixurucas possíveis. O povo
gosta de rir, embora quase sempre esteja rindo de si mesmo. Quando digo que sou
baixinho e traído, ele ri. Mas traídos e baixinhos é o que não falta nesta
terra...
Vá Tomar Caju
esteve em cartaz durante quatro meses no Teatro Casa Grande. A partir desta
semana, Juca Chaves fará o show no Teatro Serrador. Naturalmente com o mesmo
sucesso, com a mesma casa lotada. O espetáculo obedece ao mesmo esquema de one-man-show, já utilizado por Juca há
vários anos. Mudam as piadas (“tenho um bom repertório”) ou as músicas, mas o
esquema é o mesmo. Ele explica:
–
Sou o único show-man no Brasil que
faz um espetáculo inteiramente sozinho, sem diretor nem script pré-fixado. Não
tenho nem um roteiro certo para as piadas: conto a que aparecer na hora. A
verdade é que sou o artista brasileiro que tem o maior fã-clube masculino. Parece
brincadeira, mas é verdade. Os homens
dizem “pois é, ele é baixinho e traído, eu não sou”. E caem na risada, quando
estou me auto-gozando. Ah, é? Tá bom.
–
A verdade é que este esquema deu certo. E não vou mudá-lo, que não sou bobo. E
no meio da coisa, acabo fazendo com que eles ouçam minhas músicas de câmara, o
que é importante.
Naturalmente, existem
os despeitados, que dizem já ter ouvido essa ou aquela piada. Não ligo a mínima
pra isso. Piada não tem autor, é como mulher no Bateau: não é de ninguém.
Amor
Nonsense
Na
linha do horizonte pendurei sua saia
E
a minha mão pegou na tua contramão
À
sombra de uma dúvida eu dormi na praia
E
construí meu lar na casa do botão.
Levei
meu olho mágico prum oculista
Do
teu ponto de vista fiz ponto final
No
rabo do foguete eu encostei tua pista
E
enchi de novidade o furo do jornal.
Oh
Léa, que ideia,
Da
lâmpada apaguei a luz
No
teu dedo em segredo
A
aliança do progresso eu pus
Mandei
pintar o sete por Juarez Machado
Adormeci
meu braço no leito do rio
Curei
este soneto que tem pé quebrado
Tomei
um caldo verde com sabor de anil
Fiquei
a ouvir estrelas no céu de tua boca
Com
a vela de meu barco iluminei o mar
Num
disco de fricção gravei minha voz tão rouca
E
derrubei a tarde com golpes de ar
Oh
Léa, que ideia...
Ronaldo Werneck
UH-REVISTA/CAPA
Rio,
02.05.72
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