3 de jun. de 2024

Joaquim Branco Cronista Visual

 

     Bela ideia, ótima notícia: o poeta Joaquim Branco lança agora em Cataguases, no dia 15 de em junho, seu novo livro. Zona de Conflito é o nome do “baita”, como diria Rosário Fusco.  Desde quando editávamos nossos primeiros suplementos literários na Cataguases da década de 60, Joaquim Branco sempre se pautou por priorizar o acontecimento em seus poemas. E esse novo livro só faz confirmar isso: poemas visuais, quase sempre de fatura política, características de sempre na produção de JB. Reler/rever esses trabalhos me levam a não mais classificá-los somente como “poemas”, mas colocá-los em outro patamar, o de “crônicas visuais”, como os defino agora.  

     Poeta e professor, incessante, incansável, são inúmeras as obras publicadas em vários gêneros por Joaquim Branco. Zona de Conflito mostra como o poeta ultrapassa o professor e sente-se à vontade em seu ofício por excelência.  Ao navegar na poesia, o JB-poeta é insuperável. Melhor: o “JB-poeta & cronista visual”. Isso porque esses poemas só confirmam mais uma vez a extrema atualidade de seus poemas-crônicas, voltados para o agora, para a temática social – e sempre com alta dose de invenção. Crônica e grafismo, o poema visual “Oculum” é exemplo mais-que-perfeito: “o poeta de olho vidrado na realidade”.  Ainda na área dos visuais, “Out(in)Door” é um verdadeiro (m)achado, ao associar num ousado re/corte (“epistemológico”?) a coca-cola-consumo deglutida de ponta cabeça sob o dito de Cristo. Forma e conteúdo. Sem esquecer a bandeira de Maiakóvski: “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”.

     Motor da imaginação, a palavra ocupa espaço de destaque. Aqui e ali, poemas-aforísticos tout court, como: “A mão invisivel do Mercado é a mesma que balança o berço?”. Ou insights antecipadores, como se, ao falar da ponte, o “poeta-antena-da-raça” (evoé, Pound!) aludisse ao “mito fugaz e fujão”: “Eternamente unir/ levar sofregamente/ nitidamente postar-se/ fugir avidamente”. E sempre atual e atuante, participante de nosso tempo, poeta-operário obrando o poema que acusa o descaso: “Nasce das entranhas deste dia/ uma trama secreta surgida/ nas gretas, ungida nas ruas/ escuras onde corpos magros/ experimentam a nostalgia da fome”. Ou ainda nesse poema-crônica, quase prosa-poética de dicção modernista: “Suas costas não pressentem/ um vulto que avança por trás? /Seu peito varonil nem percebe/ os instintos macabros em volta?/Então erre, se enterre/ na própria miséria”. Poema que parece desaguar em “Bocas e Dentes”, conciso, enxuto, verdadeira pedra-de-toque à la Cassiano Ricardo, que merece transcrição na íntegra: “Boca pequena/ Poema grande// Letra morta/ Boca solta/ Sua porta// Em boca fechada/ Não entra ostra// Letras armadas/ Até os dentes// Dente por dente/ Olho por olho/ Letra por letra”. 

     E letra por letra vão se formando aquelas “Lunações antes da primavera” – poema de onde a poesia salta com suavidade e extremada força: “Lua nua na redoma/ de vidro ilumina/ a si e deixa o céu/ a descoberto, à míngua/ (...)/  Deixa apenas um rastro linear/, uma espuma de poeira lunar/ entre estrelas e astros/ desavisadamente sós”. A mesma suavidade alcançada em “Meninez”: “Fui lá tirá-la do colo/ da infância/ para mostrar o avesso/ do pesadelo/ – a noite estrelada, o travesseiro de pelos/ macios onde encostar/ a cabeça de zelos”.  E é também com oxímoros, com suavidade & força, a construção de “Mãe”, poema que cai como um soco: “Mães morrem. (...) Mães vivem. Especialmente está que se vai, (...) Depois a tarde caiu como um soco/ aos olhos que se fechavam em pranto/ de chuva implacáveis”. 

     “Nunca li meia página de Homero sem encontrar invenção melódica”, escreveu em seu ABC da Literatura o grande inventor e mestre, o poeta-crítico Ezra Pound. Em sua célebre classificação dos poetas – mestres, inventores, diluidores – Pound colocava Homero não só entre os inventores (“aqueles que descobriram um novo processo”) como também entre os mestres (“aqueles que usaram esses processos tão bem ou melhor que os inventores”). Como o Homero na visão de Pound, e o próprio Pound, Joaquim Branco também se enquadra entre os poetas inventores e mestres, como se vê nesses fragmentos inundados pela melopeia poundiana, impregnados de musicalidade: “Aves sem rumo se lançam ao ar,/ o azul briga com as nuvens/ enquanto um sol amarelo/ se esvai pelo vão da janela.//(...) Haverá tormentas em outros céus/ que, em vão, não dominamos,/ mas cairá sobre esta terra/ nova promessa ou presságio/ de sóis,/ de luas,/de véus,/ de ventos/ a criar palavras-pensamentos no ar.”. Uma poética do olhar, que Joaquim Branco manobra como poucos. 

     Em “Ode a uma Marciana”, ressurge o poeta-inventor, numa associação de grande impacto de palavras-valise, à la Joyce: “Quem reprisar o sonho em vão/ na selidão de navens repelidas/ perdia senso, boca, vela e mastro. / Pensasse o coração, a ave louca/ despocaria assublinhada e púnica, perdida.// Desde que lendas turvas se atrombaram/ no horizontem, o sol de todo/ se apogou no pensamento”. 

     Já o poeta-mestre ressurge nesse metapoema literalmente avant la lettre: “o dicionário e o inventário,/ a retórica e a poesia,/ todas as formas de ser e haver/ se deram nessa forma de páginas/ na feitura e na leitura/ de palavras mágicas/ que um dia se transformariam/ nessa coisa chamada livro/ onde a humanidade aprendeu/ a viver, a sonhar, a conhecer”. Aprender a conhecer: eis o que nos ensina o novo livro de Joaquim Branco, poeta-maior, a quem dedico essas linhas. Ao Mestre, com carinho. 


Ronaldo Werneck

Cataguases, junho 2024


2 comentários:

Acir Vidal disse...

Não li mas já gostei.
Onde adquirí-lo, Ronaldo?

Anônimo disse...

Que comentário maravilhoso! 👏👏👏