16 de fev. de 2018

A VIDA QUE “AVOA” COM SEUS MITOS


A capa do Catálogo da exposição-homenagem de 1995 no CCBB
 e os criadores da mostra realizada no Museu de Arte Moderna do Rio,
 em 1965: a critica de arte Ceres Franco e o marchad Jean Boghici.
     
     “A jovem pintura pretende ser independente, polêmica, inventiva, denunciadora, crítica – social e moral. Ela se inspira tanto na natureza urbana imediata como na própria vida com seu culto diário de mitos”. O ano era 1965 e o enfoque de contestação que salta dessas palavras da marchande Ceres Franco – no catálogo da mostra “Opinião 65” que se realizava no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – reflete bem o contexto de uma época que encontrava a nação ainda atônita e sufocada pelo golpe de 64.
     Nunca mais “JK-65”, nunca mais eleições, nunca mais liberdade de opinião, nunca mais sonho, nunca mais. Era “um tempo de guerra, um tempo sem paz”, ameaçado pela censura surrealista, pelas perseguições indiscriminadas, pelos números sub-reptícios da economia, pelo terror cultural – densas nuvens pairando sobre a manhã já em si obscura. Mas eram jovens e rebeldes os artistas que se apresentavam na “Opinião 65” – e queriam sustentar o sonho e reviver a arte e revolucionar o mundo. Como na voz-bandeira-de-protesto de sua musa Nara Leão: “tudo o que eu sei é viver/e vivendo é que eu vou morrer/toma a decisão, tá na hora/que um dia o céu vai mudar/quem não tem mais nada a perder/só vai poder ganhar”.

Wesley Duke-Lee

     E foi da canção e do protesto que se originaram o nome e a tônica de crítica social da mostra do MAM: os artistas agrupados em torno da “Opinião 65” tomavam emprestado o nome do show realizado no ano anterior em Copacabana e empunhavam sua bandeira, como na voz de Zé Keti: “podem me prender/podem me bater/podem até deixar-me sem comer/que eu não mudo de opinião”. “Opinião 65” foi a facção plástica de um tempo pleno de protesto – já antecipado em 1963 pelo cangaceiro-ícone do “Deus e o Diabo”, de Glauber Rocha (“só me entrego na morte/de parabellum na mão”, pois “mais fortes são os poderes do povo”), ou pelo retirante do “Vidas Secas” de Nelson Pereira, na contenção característica de Graciliano Ramos: “Governo é governo”.
     A idéia da exposição veio do marchand Jean Boghici, ao encontrar-se com Ceres Franco em Paris: reunir no Rio os artistas internacionais que trabalhavam no Novo Realismo europeu e os brasileiros que contestavam a exaurida pintura abstrata via “Nova Figuração” (a Nouvelle Figuration da Escola de Paris), com rescaldos esparsos da pop art norte-americana. Inaugurada em 12 de agosto, “Opinião 65” apresentava trabalhos de constatação/contestação realizados por 17 artistas brasileiros de vanguarda, a grande maioria na faixa dos 20 anos, e de 13 estrangeiros, naturalmente “apartidários”.

Roberto Magalhães

     Em 1966, a comparação com a arte que vinha do exterior seria colocada em cheque por Hélio Oiticica, um dos destaques da exposição de 65 com as cores vibrantes de seus “Parangolés” vestindo cinco sambistas da Mangueira em pleno MAM – num revolucionário movimento vivo. “Chega da anti-arte. Com as apropriações descobri a inutilidade da chamada elaboração da obra de arte. Está na capacidade do artista declarar se isso é ou não uma obra tanto faz se seja uma coisa ou uma pessoa viva”.

Rubens Gerchman
     Estão todos de novo aqui, nesta mostra  onde o Centro Cultural Banco do Brasil comemora os 30 anos da “Opinião 65”, os mesmos trabalhos, agora acrescidos de obras atuais. O que, em muitos casos, permitirá ao espectador o acompanhamento da trajetória de alguns desses artistas, muitos deles transformados hoje em emblemas contemporâneos da criação plástica brasileira. Ao reviver um momento muito específico da história nacional, esta mostra faz-se ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva: um mergulho no passado para entender o presente e, quem sabe, pintar o pássaro do amanhã – “bicho que avoa que nem (g) avião”.

Hélio Oiticica & seus parangolés.

Ronaldo Werneck
CCBB/Rio, 1995
17 maio a 16 julho


3 comentários:

Vitoria Lima disse...

Daqui de longe, da Paraíba, vivi tudo isso, vibrei com tudo isso, com Nara e demais protestantes.
Obrigada por me lançar de volta nesse planeta Brasil, que aliás, andava muito amorfo.
Recebi os livros, obrigada. Ainda não tive tempo de ler, o carnaval ainda "avoa" por aqui.
Meu abraço.
Vitória Lima

fernanda lopes disse...

iNCRIVEL A VIAGEM QUE TIVE AO LE-LO AQUI, PRIMOROSO TEXTO!! SÓ VINDO DE UM GRANDE POETA-ESCRITOR QUE É VC RONALDO WERNECK!!! OBRIGADA POR MAIS ESTA, BJO E LUZ SEMPRE!!!!

Simone disse...

Muito bom..triste .assustador.