Na segunda-feira, 28 de maio, Caetano Veloso
postou em seu facebook um convite para que assistíssemos ao programa Roda Viva,
onde Ciro Gomes, seu candidato a presidente da República, seria entrevistado.
Foi o bastante para que a turma dos ANTAgonistas caísse de pau, lembrando até
mesmo de uma “estrondosa vaia” que ele teria recebido ao gritar “Marielle
Presente! Lula Livre!” num espetáculo realizado no mês de abril em Juiz de
Fora. Não foi bem assim. Eu estava no Theatro Central naquela noite – e o que
aconteceu foi que ele acabou dando o troco aos que tentavam vaiá-lo, que
Caetano não é de levar desaforos pra casa.
Sobre
sua opção por Ciro Gomes, Caetano falou em recente entrevista: "Acho que Lula
deveria estar livre e concorrer à eleição. Meu candidato é Ciro porque, embora
eu adore Marina, ele é politicamente mais sólido e representa realmente uma
alternativa à superstição neoliberal. Acho até que é por isso que a imprensa o
enterra tanto, finge que ele está muito menos no páreo do que de fato está.
Estou pagando pra ver um neodesenvolvimentismo experimentalista e audaz.Tudo é complicado num mundo complicado. A
América Latina é campeã de assassinatos violentos. Precisamos superar isso.
Para começar, não esquecer Marielle”. Fica como registro: ao contrário de
Caetano, eu ainda não tenho candidato. A não ser que Lula emplaque.
É vida e alguma coisa a mais
Visto
antes, no início de dezembro de 2017, em Brasília (“essa temerosa capital do
país”, como Caetano disse em cena), assisti pela segunda vez na noite do último
21 de abril, em Juiz de Fora, ao show “Ofertório” estrelado por Caetano e seus
filhos Zeca, Moreno e Tom. De Brasília a Juiz de Fora, o show dos Velosos
amadureceu sem perder a verdura da vanguarda, a inovadora criatividade, a
invenção – marcas registradas que as apresentações de Caetano sempre trouxeram
desde o seu princípio.
“Quis isso,
fazer esse show”, disse Caetano, “porque meus filhos são a coisa que mais amo
no mundo e eu intuía que seria preciso um exercício de luz nesses tempos e na
minha velhice. Estar com eles significa felicidade
e aprofundamento da experiência da vida. Estar com meus filhos não é só música. Ou melhor, estar com
meus filhos nem é música. É vida e alguma coisa mais”.
Já
quase no final da apresentação, Caetano soltou um “Marielle, Presente!”,
seguido de um “Lula Livre!”, que repercutiu em aplausos e vários gritos de
“Lula-Lula!” por parte da plateia. Parte da plateia, pois ao retornarem para o
bis Moreno Veloso entrou em cena soltando também um “Lula Livre!”, no que viu a
plateia se dividir entre vaias e aplausos.
Foi
a vez de Caetano retomar as rédeas: “eu gosto desse Lula Livre!, dessa
aliteração e do que ela representa. Esse arremedo de vaia representa bem essa
classe média que tem dinheiro para pagar ingresso num teatro como esse. Quando
fizemos o show no Ceará, que era gratuito, ao mencionarmos o nome de Lula o
povo repercutiu em uníssono sob aplausos. É isso aí: Lula Livre!”. Foi quando
os aplausos calaram as vaias.
Pois é, pra quê
E foi ao ouvir aquelas vaias, mesmo sufocadas
pelos aplausos, que eu pensei na coincidência de o golpe de 1964 ter começado
em Juiz de Fora. Nada a ver, mas quem sabe? Aqueles tanques de triste história,
tanques comandados pelo desastrado General Mourão Filho. Recentemente, em 02 de
junho, em sua coluna da Folha de S. Paulo, André Singer escreveu:“O
então capitão Olympio Mourão Filho – futuro detonador do golpe de 64 – foi
chefe do estado-maior integralista em 1955”.
Pois
é, houve um tempo, lá pelos anos 60, que eu olhava Juiz de Fora (nada!) assim
meio de soslaio, pensando que dali tinha vindo tudo o que jamais desejávamos. E
salvava somente Murilo Mendes e Pedro Nava, sem esquecer a boutade de Drummond:
“Pedro Nava saiu de Juiz de Fora. Parabéns para Juiz de Fora. Parabéns pra
Pedro Nava”. Bobagens da juventude, a cidade não tem culpa do tresloucado avanço surrealista daquele
general de opereta. Hoje eu até gosto de JF, onde tenho vários amigos. Afinal,
é aqui perto e com mais recursos que Cataguases: saúde, gastronomia, cultura.
Nada (ou tudo?) a ver.
E aqueles tanques vindos de Juiz de Fora há
mais de 50 anos foram também lembrados dias antes de Singer por Luis Fernando Veríssimo
em 31 de maio, em sua coluna do Globo: “A farsa de 64 começou com um general de opereta,
impaciente com a demora das conspirações, decidindo comandar seus tanques
contra o governo Jango sem esperar por ninguém. Foi a faísca que incendiou o
resto. Muito cuidado com faíscas e generais impacientes, portanto”. De novo:
pois é. Ou “Pois é, pra quê?”, como na canção de Sidney Miller: “A revolta
latente que ninguém vê/ E nem sabe se sente, pois é, pra quê?”
Naquela
noite, ao sairmos do Theatro Central em Juiz de Fora, vimos
que havia uma van aguardando Caetano e seus filhos e vários admiradores que os
esperavam. Passávamos por eles quando ouvimos do outro lado pequeno grupo que
ainda gritava: “que absurdo! Ele vem em nossa cidade pra falar bem do Lula!”.
Pois é, eu pensava, “em nossa cidade, de triste memória”. Foi aí me lembrei do exaltado, ferino
discurso feito por Caetano em 1968, quando da apresentação da música “É
Proibido Proibir” naquele Festival da Canção. Não, “É Proibido Proibir” não
estava no repertório do show daquela noite, mas 50 anos depois a voz do jovem
Caetano repercutia lá do palco, viva, vibrante voz daquele novelhíssimo senhor
que jamais perdeu a garra da juventude.
“Mas
é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de
aplaudir, este ano, uma música, um tipo de musica que vocês não teriam coragem
de aplaudir no ano passado! São a mesma juventude que vão sempre, sempre matar
amanhã o velhote inimigo que morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada,
nada, absolutamente nada! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender! Mas
que juventude é essa? Vocês são iguais sabem a quem? Àqueles que foram no Roda
Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, em nada”.
No
dia seguinte, domingo, já no Rio, assistimos também à nova montagem que José
Celso Martinez Corrêa fez do Rei da Vela de Oswald de Andrade (assisti à
primeira montagem há 50 anos, em 1968, no Teatro João Caetano, e ainda hoje ela
permanece como das melhores coisas que já vi em teatro). “A cultura teatral brasileira está no fundo de um
precipício", desabafou Fernanda Montenegro, emocionada, ao fim da estreia
carioca do espetáculo. “Há muito tempo os nossos palcos não apresentam nada
igual. Há uma comoção geral na plateia, silenciosa, porque há uma necessidade
de renascermos. Nós temos que renascer nos nossos palcos.”
Da oitava fileira, voz empostada, dirigindo-se a Zé Celso Martinez
e ao elenco do Teatro Oficina, que permaneciam no palco, a maior dama do teatro
brasileiro resumiu o sentimento geral que tomou a Grande Sala da Cidade das
Artes. Foi
emocionante rever o Rei da Vela, mesmo sem Renato Borghi no papel principal.
Com 80 anos, mesma idade de Zé Celso, Borghi foi o Rei da Vela na montagem
original de 1968 e fez novamente o personagem agora, durante a temporada
paulista. No Rio, foi substituído por Marcelo Drummond, que eu vira atuando em
2011 anos em Paraty, na Flip que homenageava Oswald de Andrade.
Absolutamente nu, na “Macumba Antropofágica”: outra daquelas desconcertantes apresentações do Teatro Oficina – ele e todo o elenco, Zé Celso inclusive, nuzinhos da silva, numa frenética, desenfreada antropofagia de dar inveja a Oswald de Andrade. Vinho e frutas, índios canibais, Napoleão Bonaparte, o compositor Carlos Gomes, a Revolução Francesa, bolcheviches... Teve de tudo no caldeirão lotado, ou seja, cerca de duas mil pessoas na tenda do telão da Flip. Uma verdadeira apoteose Uzyna Uzona.
Absolutamente nu, na “Macumba Antropofágica”: outra daquelas desconcertantes apresentações do Teatro Oficina – ele e todo o elenco, Zé Celso inclusive, nuzinhos da silva, numa frenética, desenfreada antropofagia de dar inveja a Oswald de Andrade. Vinho e frutas, índios canibais, Napoleão Bonaparte, o compositor Carlos Gomes, a Revolução Francesa, bolcheviches... Teve de tudo no caldeirão lotado, ou seja, cerca de duas mil pessoas na tenda do telão da Flip. Uma verdadeira apoteose Uzyna Uzona.
Lembro-me
também que houve uma outra montagem do Rei da Vela no ano 2000, no CCBB/Rio,
dirigida por Enrique Diaz, com seu grupo, a Cia dos Atores. Por acaso, na
estreia sentei-me ao lado de Renato Borghi. Na saída, conversamos um pouco e
Borghi me disse ter gostado dos dois atores que interpretaram o Rei da Vela:
Marcelo Olinto (Abelardo I) e Marcelo Valle (Abelardo II) e também da Drica
Moraes fazendo a Heloísa de Lesbos. Um
pouco daquela gentileza entre confrades, pensei na hora, pois eles nem chegavam
perto de sua própria interpretação dos dois Abelardos na montagem dos anos
1960, nem do fascínio da Heloísa de Lesbos da Ítala Nandi, ou mesmo daquela de
Dina Sfat, que a substituiu com grande garra. Na época, Enrique Diaz fez uma
declaração no mínimo “esquisita”:"Cortei tudo que dava o tom excessivamente
marxista, que descrevia o modus operandi do capitalismo, para ficar só a
dramaturgia". Pois é, pra quê?
Zé
Celso não só manteve o texto original como colocou inúmeros e hilários cacos,
numa atuação impagável como a aristocrática Dona
Polaca – cantando, dançando, discursando e incluindo no texto referências
atuais e ironias a Silvio Santos, João Doria, Geraldo Alckmin, Marcelo
Crivella, Janaína Paschoal e até à série “O mecanismo”. Gostei também de Camila
Mota como João dos Divãs, talvez por me lembrar daquela surpreendente tirada,
que me faz rir desde que vi a montagem dos anos 60: “Eu
sou uma Lady, porra!”
A
criatividade da primeira montagem foi mantida no cenário de agora, com o palco
giratório e painéis artísticos que foram reproduzidos por seu criador original,
Hélio Eichbauer. O mesmo Eichbauer que desenhou o cenário para o show de
Caetano com seus filhos e também o do recente show de Chico Buarque. Eichabauer
já é uma grife quando se fala em cenários de nossos palcos. Aliás, um dos painéis
criados por ele para a montagem do Rio Vela acabou virando capa do disco
“Estrangeiro”, de Caetano.
Ao
final, como na estreia, Zé Celso fez um pequeno-grande discurso também gritando
Lula Livre! Marielle Presente! Só que dessa vez, ao contrário de Juiz de Fora, o
público aplaudiu de pé, num só uníssono que dominou o imenso teatro da Cidade
das Artes, na Barra da Tijuca. Saímos com a alma lavada.
Continua na próxima semana
5 comentários:
Nossa vc é Mestre!!! até parece que vi tudo e lá estava!! vc é massa!!! um escritor e poeta incomparãvel!! gratidão por tudo que vc representa para nossa arte eternamente!!!!
Obrigado por esse texto recheado de análises e referências muito bem colocadas!
Grande texto para grande tema.
¡¡¡ SUPER !!!
EUFÓRICO texto em BUENAHORA ¿¡!?
Besotlisss dos "2"
Obrigado, Ronech, por ter revisitado um pouco da história cultural e ter lembrado momentos importantes.
Ronaldo, você, como Chico,Lula,Caetano et le vin; quanto mais velhos melhores grande abraço
EDIR
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