o
mundo
em suas mãos
gira
em torno
do sol
solta-se
além
dos pontas e dos pés
e volta
num só revés
gol
dolo
tento
súbito e violento.
Durante a Copa do Mundo de
1978, aquela da Argentina, fiz este poema que gira em torno da aflição do goleiro
no exato momento que antecede o chute a gol: qualquer chute, contra qualquer
gol. Não por acaso, o nome do poema é “O Goleiro Atônito”. Tem tudo a ver com o
que eu e milhões de espectadores da aldeia global (vi)víamos pela TV naquele
tempo, via satélite. Dentro de casa – como agora, 40 anos depois – a Copa
intensificava a angústia.
E nesta Copa da Rússia vejo
goleiros fazendo cinema, às vezes até literalmente. Olhem só: além de goleiro, Hannes Halldórsson – o camisa 1 da
Seleção da Islândia que esteve na Rússia – é também cineasta. Pela segunda vez, “encaixa-se” (palavra
certa, tratando-se de goleiros) à perfeição aquela tirada de Ary Barroso,
citada por Humberto Mauro: “goleiro faz cinema”.
A primeira vez deve-se ao próprio Mauro, de quem ouvi o dito de Ary Barroso. Foi numa partida em Volta Grande, num dos intervalos das filmagens de “A Noiva da Cidade”. Carlos Imperial era um dos goleiros e “aceitava todas”, não conseguia segurar nenhum dos chutes dos adversários. Mauro virou-se pra mim: “o Imperial está me oferecendo não sei quantos contos para eu fazer um filme com ele. Pois é, se o Imperial ´faz cinema´ como agarra no gol aí é que eu não vou mesmo filmar com ele”.
A primeira vez deve-se ao próprio Mauro, de quem ouvi o dito de Ary Barroso. Foi numa partida em Volta Grande, num dos intervalos das filmagens de “A Noiva da Cidade”. Carlos Imperial era um dos goleiros e “aceitava todas”, não conseguia segurar nenhum dos chutes dos adversários. Mauro virou-se pra mim: “o Imperial está me oferecendo não sei quantos contos para eu fazer um filme com ele. Pois é, se o Imperial ´faz cinema´ como agarra no gol aí é que eu não vou mesmo filmar com ele”.
Atuando pelo
Flamenguinho de Cataguases, Humberto Mauro foi considerado um dos melhores
goleiros da Zona da Mata e acabou literalmente “fazendo cinema”. Já Ary Barroso
– grande compositor, mas não cineasta – não passou de um goleiro assim-assim do
Aimorés Futebol Clube de Ubá e, para espanto da torcida, jogava
de óculos. Face à sua miopia, Ary foi o único goleiro da história a jogar de
óculos e, talvez por isso, eu nunca soube que ele “fazia cinema”. Com “fazer
cinema”, Ary queria dizer fazer aquelas pontes, aqueles voos, aquelas defesas
espetaculares para gáudio do (in)distinto público. Aquelas pontes
inacreditáveis que o goleiro Pompeia, um dos meus ídolos, fazia quando goleiro
do América nos anos 1950/60.
Pompeia, a Ponte Aérea & Ary Barroso e seus óculos. |
Também, pudera:
Pompeia – apelidado de Constellation, Ponte
Aérea, Caravelle, Fortaleza Voadora – foi trapezista de circo antes de ser o histórico goleiro do
América. E certa vez afirmou: “Quem mais gosta da bola é o goleiro.
Todo mundo a chuta, só o goleiro a abraça”. Modestamente, entro na história: o treinador do Pompeia quando
ele ainda era do Bonsucesso, o técnico Alfinete, acabou vindo parar em
Cataguases na década de 50, e foi meu treinador quando eu era goleiro do juvenil do Operário Futebol
Clube. Pois é, não sou cineasta, mas já andei “fazendo cinema”. Depois eu
conto.
Mas antes fica outro
“registro cataguasense”: o primeiro goleiro da seleção brasileira não era
cineasta, mas historiador e escritor. Seu nome, Marcos Carneiro de Mendonça (pai da crítica teatral e
tradutora Bárbara Heliodora), nascido em Cataguases em 25.12.1894. No Rio, ele jogou pelo América e pelo
Fluminense e detém até hoje o título de goleiro mais jovem a atuar pela Seleção
Brasileira, pois tinha 19 anos quando de seu primeiro jogo, contra o Exeter
City, da Inglaterra, no 21 de julho de 1914. Marcos foi titular da Seleção por nove anos e conquistou os campeonatos
sul-americanos de 1919 e 1922.
Existe
um dia do goleiro, se é que vocês não sabem: 26 de abril. Isso porque é o
aniversário do Manga, o histórico goleiro do Botafogo e da Seleção. Segundo
ele, a homenagem “foi um reconhecimento depois do que passei
após a Copa de 1966. Foi difícil lidar com as críticas depois de substituir o
Gilmar e falhar contra Portugal”. Então, vejam o que diz “o goleiro que virou
dia”: "Habilidoso com os pés, líder e artilheiro, Rogério Ceni foi um dos
grandes goleiros que vi jogar, é o sonho de qualquer treinador. Não podemos nos
esquecer do Taffarel, o melhor goleiro de todos os nossos cinco títulos
mundiais. Foi o mais decisivo de todos eles. Mas, na atualidade, o melhor do
mundo é o Neuer, da Alemanha. É frio, tem o respeito da defesa e muita sorte,
que não pode faltar a um goleiro”.
O alemão Neuer & Manga: o Dia do Goleiro |
Também eu achava, e acho ainda, o Neuer um formidável
goleiro, que tinha tudo para ser o melhor de todos na Copa da Rússia. Mas o
futebol tem suas mumunhas e acabou dando no que deu. A Alemanha não só foi pro
brejo como levou o Neuer de cambulhada. Ele às vezes parecia o Rogério Ceni ao atuar
até como líbero e distribuir jogadas com os pés dentro de seu campo. No
desespero de ver sua equipe desclassificada contra a Coreia do Sul, partiu célere
pro campo do adversário, levou um drible e permitiu que a Alemanha levasse o
segundo gol com as traves vazias. Acontece com os melhores goleiros.
Mas vários
goleiros andaram “fazendo cinema” nessa Copa da Rússia, uma competição que
contou com outros grandes goal-keepers.
Não cabe falar do brasileiro Alisson, acho que o menos vazado na Copa, com
apenas três gols sofridos. Não teve oportunidade de grandes defesas, pois foram
raras as vezes em que a bola chegou às suas mãos em todas as partidas. Sem
saber, ele acabou “testado” no último sábado, 7 de julho, em Juiz de Fora. Num
jogo pela Série C do Campeonato Brasileiro entre o Tupi e o Cuiabá aconteceu um
fato, vamos dizer, histórico.
Em menos de oito
segundos, num lance em sequências, o goleiro do Tupi, Ricardo Vilar, fez quatro
defesas consecutivas e espetaculares. Vilar fez cinema dos grandes na partida,
diria mesmo “cinemascope”. De quebra, ainda defendeu um pênalti. Apesar de o
Tupi ter sido derrotado por 3 x 1, a façanha de Ricardo Vilar viralizou e mereceu
notícia até mesmo em jornais estrangeiros. Comentaristas locais chegaram a
dizer que ele devia estar na Copa, pois foi melhor que o Alisson. Menos, gente,
menos!
Pickford
& Courtois
Já o inglês
Jordan Pickford foi um dos mais exigidos na Rússia, o herói da classificação nas
quartas de final, quando a Inglaterra venceu a Colômbia por 4 a 3. Na disputa por pênaltis, Pickford defendeu uma
cobrança efetuada por Bacca, acertou o lado em outras duas e ainda viu um chute
explodir no travessão. O jovem goleiro inglês, de 24 anos, fechou o gol em
quase todos os jogos, principalmente contra a Suécia, com defesas
espetaculares, como quando espalmou a cabeçada à queima-roupa do sueco Marcus
Berg. Ou ao defender um tirambaço de Claesson vindo da marca do pênalti, ou ainda
quando Berg dominou dentro da pequena área, girou bem, chutou e Pickford, com
muito reflexo, esticou o braço e jogou a bola para escanteio. Isso sim foi
“fazer cinema”.
Destaque para o
francês Lloris, que espalmou a cabeçada à queima-roupa do argentino
Cáceres quando a França vencia ainda por um a zero, numa das defesas mais
difíceis da Copa. Também para Igor Akinfeev, da Rússia, que já foi apontado
como sucessor do lendário Lev Yashin, o Aranha Negra, um dos maiores
goleiros de todos os tempos. Sua fama de grande goleiro, porém, recebeu forte
baque quando sofreu um frango histórico na estreia da Rússia na Copa do Mundo
de 2014. Uma primeira impressão apagada, agora que Akinfeev é o novo herói
russo: em duas defesas nos pênaltis, ele eliminou a Espanha da Copa do Mundo.
Tinha razão Raul Plassmann, o comentarista e também goleiro de dois de meus
times, o Cruzeiro e o Flamengo: “Não se
deve dizer que o sujeito perdeu o pênalti, ora pois! O certo é dizer que o
goleiro defendeu o pênalti”.
Pickford numa grande defesa. |
Courtois salva a Bélgica no chute de Neymar. |
Yashin, o grande goal-keeper
da seleção russa de 1958, disse certa vez que o melhor goleiro que vira jogando
foi o brasileiro Gilmar. O grande goleiro do Corinthians, depois do Santos e
bicampeão mundial com a seleção brasileira em 1958 e 1962. E que ficou também
conhecido, vejam só, por tomar o histórico primeiro
gol de Pelé num jogo entre Corinthians e o Santos. Acontece.
Aconteceu também que num amistoso no Maracanã entre a seleção do Brasil e a da
Rússia Gilmar bateu um tiro de meta e acertou a cabeça do centro-avante russo
(que estava de costas). A bola não só acertou o russo como voltou de uma só vez
para dentro das traves, num dos gols mais improváveis da história do futebol. O
que Gilmar fez? Foi pra dentro das redes, pegou a bola com toda a calma e, num semi-
sorriso, devolveu a pelota pro meio de campo. Ele não teve culpa alguma do gol
e a coisa foi tão inusitada que só mesmo um sorriso de quem se garante como
goleiro, mas não pode se garantir quando o improvável torna-se subitamente
provável.
Pois bem, agora na Copa da Rússia aconteceram
dois momentos improváveis, de amargar para os goleiros. Um deles, com o argentino
Willy Caballero. Na estreia contra a Islândia, ele por
pouco não entregou um gol ao tabelar errado com Rojo. No primeiro tempo contra
os croatas deu passe curto para Tagliafico, que foi esperto e sofreu falta. No
terceiro vacilo, não teve jeito. Levou azar no toque para Mercado, que saiu
todo errado e caiu nos pés de Rebic. O croata respondeu com um chutaço marcando
o gol. Sim, Caballero teve mais azar que propriamente culpa. Mas, ao contrário
de Gilmar, se desesperou e levou as mãos à cabeça, desatinado.
Também o uruguaio Fernando Muslera andou rateando, até mesmo
antes da Copa, com “estranhos“ gols sofridos, um deles muito semelhante ao feito
pelo craque francês Griezmann agora na Rússia. Um frango que selou a vitória da França e o
adeus do Uruguai nas quartas de final. O chute veio meio sem força em cima
dele, e Muslera nem espalmou nem segurou a bola, que resvalou em suas mãos e foi
parar no fundo das redes. Abalado, ele recebeu o apoio dos companheiros. Mas foi só na volta para casa que o jogador de fato se
emocionou, ao ver a torcida gritar seu nome no aeroporto.
O desespero de Caballero e o frango de Muslera. |
Esse “frango” do uruguaio Muslera me lembrou, e muito, um
acontecimento antológico que se deu comigo quando eu atuava “sob as traves”,
defendendo a cidadela do Operal, campeão local. Mas isso fica pra próxima
semana, quando vou falar ainda de grandes nomes que atuaram como goleiros, do
Papa João Paulo II ao escritor e filósofo Albert Camus, do romancista e poeta russo Vladimir Nabokov ao cantor Júlio Iglesias.
A Copa da Rússia atropelou a
sequência
de minhas crônicas.
Assim, só “retornamos a Paris”
depois
da próxima semana.
5 comentários:
Taí, eu também fui goleiro e cineasta. Bom texto.
Sensacional!! na minha visão pouco fotebolistica, nem me passava pela cabeça que jogadores fizessem cinema!!! precioso seu belo texto com tanto conhecimento, só posso agradeçer ao Poeta, por este momento único onde viajo sem quere voltar!!!!
Excelente (e assaz panoramique) artigo!
Bom dia!!! Realmente na Copa do Mundo ,os brasileiros não marcaram presença.O goleiro nem apareceu pra falar do seu trabalho,sem falar de NEYMAR foi a DESILUSÃO! E está fora da lista dos melhores do mundo.Fico por aqui.Gostei muito de seu Blog! Parabéns!
viva os goleiros! mais, os das peladas!!
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