26 de nov. de 2018

Kubrick: Peiche Fresco



Postei recentemente no meu canal do youtube um vídeo em homenagem aos 50 anos do filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço, “legendado” por um poema que fiz em 1968, quando de seu lançamento. Por um erro de digitação, que “passou em brancas nuvens siderais”, o nome do diretor Stanley Kubrick apareceu nos créditos do vídeo como “Stankey” Kubrick. Logo-logo fui corrigido por dois amigos, dois cinéfilos incontestes, que elogiaram meu vídeo-poema, mas assinalaram o erro: Fabiano Canosa – o inesquecível programador do Cine Paissandu no Rio dos anos 1960, onde vi todo o Godard, muito Fellini e Bergman e de quebra tudo que havia de mais cult na ocasião – e Carlos Alberto de Mattos, meu crítico de cinema de cabeceira. Fabiano também aponta o “crédito indevido” que dei a Eumir Deodato como arranjador de Also Sprach Zarathustra,de Richard Strauss, na trilha sonora do filme.
Quanto a isso, ao Eumir Deodato, Canosa tem toda a razão: sua versão jazz-funk, fusion & formidável de Also Sprach Zarathustra foi lançada em 1973. E acrescento: ganhou o 2º lugar na parada da Billboard naquele ano e venceu o Grammy de 1974 como “The Best Pop Instrumental Performance”.  Eu troquei as bolas talvez porque tenha ouvido muitas vezes ao longo dos anos o álbum Prelude de Deodato, onde se encontra sua recriação da música de Strauss. Tanto, que achava ter sido ele o responsável pelo arranjo que se encontra no filme. Irresponsabilidade minha.


Agora, quanto ao “Stankey” vou deixar assim mesmo: teria que refazer todo o vídeo para corrigir o erro e, além disso, o nome de Stanley Kubrick está correto no texto de apresentação que escrevi. Fica até mesmo como “curiosidade”. Quem sabe outros espectadores mais atentos não vão chamar minha atenção, o que demonstrará que assistiram ao vídeo até o fim? O que me remete a erros antológicos de digitação/impressão. Como na edição das obras completas de Cláudio Manoel da Costa, de 1768. Por causa de um erro de impressão, o volume ficou conhecido como “Orbas”. Pois é, as “orbas” completas do poeta-inconfidente levam até hoje ao delírio bibliófilos das mais variadas estirpes. 

Ou um jornal daqui de Cataguases, que fez uma longa entrevista comigo logo que voltei pra cidade. Sem nenhum erro. Epa! Como é mesmo o nome do jornal? Na capa, em letras garrafais, vinha escrito “Minas & Merais” – era mesmo o Minas & Gerais, do meu amigo Nelson Filho, que existe até hoje. Ou aquele boletim quinzenal do CCBB/Rio, editado por mim, com matéria de capa sobre uma apresentação de “O Barbeiro de Sevilha”. Também em letras garrafais, sobre uma foto de fundo de Ítalo Rossi, que vivia o personagem-título, lia-se: “O Barqueiro de Sevilha”. Passou? Passou. Já estavam impressos quinze mil exemplares e não havia mais tempo de refazer: era dia da estreia.

O que me leva também a um “causo” que me contou Rosário Fusco sobre um romance de aventuras escrito por um sujeito de Leopoldina, em plena Zona da Mata de Minas. Um quiproquó meio rocambolesco, com toda a ação passada em Paris: o personagem era perseguido enquanto subia a Torre Eiffel, corria desesperadamente pela Champs-Elysées, escondia-se atrás de uma das colunatas do Arco do Triunfo, atravessava o Sena a nado, ressurgia na Rue du Bac, tomava um cognac num bistrô de Montparnasse e por aí vai, Paris par tout. Pois bem, ao final do livro vinha a Errata: “Onde se lê Paris, leia-se Leopoldina”. Seria literalmente mais uma “viagem” daquelas do rico fabulário de Rosário Fusco? Chi lo sà? De qualquer forma, se non è vero, è ben trovato.



Há também a versão “verdadeira” do show realizado por Ella Fitzgerald em Berlim, 1960. Ali ela manda ver num impecável Mack the Knife – com todos os vocalizes, bebops & mumunhas mais que fazia como ninguém. Só que Ella não sabia a letra e acabou “improvisando” em cima das palavras de Bertolt Brecht. E criando/recriando outras palavras para a canção de Kurt Weill, onde ela cita de cambulhada Louis Armstrong (que gravou a música em 1956) e Bobby Darin, que acabara de gravar Mack the Knife naquele 1960. Mas a histórica gravação ficou tão boa – eu ainda tenho um vinil, ouvido “n” vezes, e também um cd com essa gravação do show de Berlim – que a partir de então todas as vezes que Ella cantou a canção foi com a “letra” por ela inventada. Ella por ela.



Agora, e finalmente, vendendo meu “peiche”. Trata-se de um sujeito que vendia a mais variada gama de peixes. Uma tabuleta na entrada dizia “Peiche Fresco”. Um freguês entra, olha os vários peixes, escolhe um e, ao pagar, diz para o dono: “Olha, os peixes estão muito bonitos, mas na verdade peixe se escreve com “x” e não com “ch”. “Sei disso”, diz o vendedor, “mas você não vai acreditar na quantidade de fregueses que entra aqui pra me dizer isso e acaba comprando o meu peiche”. E completa com um sorriso: “Não vou tirar o peiche da tabuleta de jeito nenhum!”. Também eu, como o nosso peixeiro, não vou mudar o “Stankey” do meu vídeo. Que me perdoe o Stanley, ou mesmo os Stankeys de todos os Kubricks: vou continuar a “vender meu peiche”.     

4 comentários:

Unknown disse...

Delicia de cronica. Aqui, esses erros (especialmente na TV) chamamos de "bloopers". O que achei engracado no "Stankey" e que,resolvesse voce corrigir o seu "peiche", podeira ter saido "Stinky" ou "Stinkey" que esta mais pra "peixe podre"...

Dinovaldo Gilioli disse...

Criatividade é isso também,a habilidade para transformar erros em novos acertos.

Unknown disse...

Aqui no Rio é comum usar "mais" no lugar de "mas". Talvez pelo sotaque chiado carioca. Tinha um bar perto do sambosambó escrito na porta "não sou dono do mundo, mais sou filho do dono". Eu sempre impliquei e pensava em entrar no bar e pedir para corrigir. Certamente o dono não iria modificar seu peiche. O bar foi demolido para passar uma rua e eu fiquei em paz...

Unknown disse...

Pois é: sambosambó é sambódromo!