Passa rápido: no próximo dia 9 de julho, há 40 anos, perdemos o poetinha maior Vinicius de Moraes. O poeta namorou a morte em vários momentos, em vários poemas de sua vida. Como neste “A Hora Íntima”:
Quem pagará o enterro e as flores
se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral,
dirá de mim: – Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
de não ter me trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
no meu túmulo de poeta?”
Namoro esse que se configura melhor em O Haver, um terrível, mas ao mesmo tempo compassivo, balanço “contábil” no livro de deves e haveres de sua vida – face à morte-namorada. Foi um de seus últimos e também um de seus melhores poemas – o meu preferido entre todos que escreveu.
A seguir alguns fragmentos de O Haver, esse pungente encontro com a morte, falsa passionária:
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...
...
Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.
...
Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.
...
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.
...
Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio
Pelo momento a vir, quando emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada.
Muito antes, naquela célebre canção com o Carlinhos Lyra, inícios da Bossa Nova, Vinicius já parecia antever a morte-namorada, aquela que virá abrir a porta como velha amante sem saber que é a nova namorada: “Se você quer ser minha namorada/ Ah, que linda namorada/ Você poderia ser/ Se quiser ser somente minha/ Exatamente essa coisinha/ Essa coisa toda minha/ Que ninguém mais pode ser/ Você tem que me fazer um juramento/ De só ter um pensamento/ Ser só minha até morrer.”
Mas o poetinha parecia não morrer nunca. Seu tempo é quando: ontem, hoje, amanhã. Como no poema escrito em Nova York, 1950 – 30 anos antes de sua morte. É verdade: Vinicius parece imune até ao coronavírus – morre ontem, nasce amanhã:
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
— Meu tempo é quando.
Ronaldo Werneck
Direto do Shangri-lá:
Cataguases, 13 de maio
56 dias de quarentena
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