A morte de Lina Tâmega Peixoto no último 1º de setembro não passou em branco: logo chegavam textos homenageando a poeta, vindos de vários lugares: Brasília, Rio, Ouro Preto, Cataguases, Lisboa. Vários e afetuosos os saudares e louvações de seus muitos amigos.
De Brasília,
publicava ainda no dia seguinte a poeta Angélica Torres Lima (que me disse ter
passado a noite escrevendo, ainda chocada com a morte de sua amiga): “Tão
significativo quanto deixar como último legado um livro intitulado Prefácio de Vida é partir dela, a vida,
no primeiro dia de setembro, quando o Cerrado se derrama em flores... É como
dar um toque mágico ao momento, para todos tão difícil e sofrido. É como fazer
um truque com imagens, que só poetas de primeira grandeza, como Lina Tâmega Peixoto,
são capazes de fazer sem ter planejado. Lina pôs ontem de luto a poesia
brasileira”.
De Ouro Preto, o ex-Secretário de
Cultura de Minas, Angelo Oswaldo, me enviava email: “Minha solidariedade. Os Peixoto parece que
vieram de Portugal (os Botelho, dos Açores). Tâmega é o rio que passa em
Amarante e junto à velha ponte postava-se São Gonçalo. Mas Lina não era
portuguesa, senão mineira de Cataguases tocada pela poesia verde banhada nas
águas do Pomba espraiadas no lago Paranoá. Vamos saudá-la na perenidade de sua
palavra poética”.
Do Rio, um
totem ontológico
Do Rio, o poeta Tanussi Cardoso me mandava pelo
zap: “Lina era uma das nossas maiores poetas, cuja discrição silenciosa impediu
que seu nome e sua poesia tivessem o reconhecimento merecido. (...) O uso inteligente das metáforas, inversões,
metonímias; das palavras como um totem ontológico radical; desta íntima
“respiração” entre elas; desse silêncio loquaz que capta a memória e o vazio das coisas, e, ao mesmo
tempo, o seu barulho – são de uma sensibilidade rara em nossa poesia”.
Joaquim Branco, Lina e RW: lançamento de Alinhavos do tempo (Cataguases, 2019) |
De Cataguases, o poeta e crítico Joaquim Branco: “Ontem (01-09-2020) recebi a notícia da morte
de Lina Tâmega Peixoto (1931-2020), num hospital de Brasília. Fiquei muito
consternado, e mais ainda, pois já havia tomado conhecimento do que acontecera
ao poeta Sebastião Carvalho. E com o Pedro (seu
irmão, o poeta P.J. Ribeiro), que falecera no final de março, os fatos
somados tomaram vulto a ponto de Zeca Junqueira comentar que a cidade de
Cataguases se despoetizava... Não encontrei melhor expressão para o momento. Entre
as possíveis damas da poesia cataguasense há uma prima dona: Lina Tâmega
Peixoto.
“Ler um livro de
Lina – escreveu ainda Joaquim – requer tempo. Não o tempo normal que se gasta
para leituras cotidianas, mas um tempo para se concentrar mais, pois ele exige
do leitor mais do que a fruição de palavras que vão puxando palavras. Seu
discurso requer um silêncio dentre desse tempo para se buscar. (...) Fui dirigindo
meu voo por penetráveis porém surpreendentes vias – que é assim o caminho dos
bons livros – deparando ora com o recurso da metalinguagem, ora com a difícil
música de alguns versos ou com a ligeireza do pensamento”.
O mesmo Joaquim
Branco – meu grande amigo e companheiro de aventuras literárias que já vão para
mais de meio século – citado por Lina num dos e-mails que ela me enviou, com a
poesia de sua imensa delicadeza, coisa de eterna lady, de primeiríssima dama da
literatura:
“Caríssimo amigo:
acabei de ver o que se maravilha da vida. E estive aí no Centro Cultural
Humberto Mauro para os 90 anos da Verde e escutei você narrando Humberto
Mauro e falando no Mac. Voltarei depois para ouvir mais coisas de seu gesto de
coração de poeta e mais, pedaços de sonhos que modificaram seu acordar em
Cataguases. A cidade precisa de pessoas como você e o Joaquim, capazes de por à
superfície a memória definindo o Rio Pomba e cheia de estrelas refazendo a
luminosidade do pensamento. Não pude deixar de registrar aqui as emoções da
inteligência que tive. Esta a mais perfeita e profunda que vive no espírito.
Peço que receba meu abraço de afeto por suas palavras e que o coloque na jarra
como uma flor. Lina”.
De Lisboa, um sopro de humanismo
De Lisboa, o também
poeta e crítico cataguasense Ronaldo Cagiano, que vive atualmente na capital
portuguesa e que lá esteve presente ao lançamento de Alinhavos do tempo em janeiro de 2019, enviou a meu pedido o seu depoimento:
“Caro Ronaldo, foi uma ótima noite o
lançamento da Lina na Casa do Brasil aqui em Lisboa: bom público, apresentação
da escritora Vania Chaves, um belo ensaio lido por uma professora da
Universidade de Lisboa e depois as palavras da Lina. (...) Foi um evento
marcante, principalmente porque reuniu amigos, colegas, leitores e conterrâneos
de Lina e todos tiveram oportunidade de percorrer esse panorama sobre sua
vida e obra, buscando a gênese de seu processo criativo, desde os primórdios da
estudante que criou com Francisco Marcelo Cabral a revista Meia-Pataca; do
estímulo do tio-poeta Francisco Inácio Peixoto; do sopro literário de Hernâni
Cidade, um primo materno e um dos reconhecidos críticos literários de Portugal
que, do outro lado do Atlântico, trouxe-lhe informações, conselhos e dicas
técnicas sobre o fazer poético; das influências e amizade de Cecília Meireles,
da presença de Cataguases e Brasília na sua trajetória existencial e criativa,
dos tantos tempos, entretempos & alinhavos que constituem sua tessitura e
culminam no polimento estético de sua arte”.
Lina, RW e Ronaldo Cagiano no lançamento de meu livro Momento Vivo: Lisboa, 24.10.2019 |
“A poesia de Lina – continua Ronaldo Cagiano em seu depoimento – chegou a Lisboa como um prefácio de vida, abriu-se aos leitores, como as asas da cidade que escolheu para seu escreviver. Sua poesia – que tem uma profunda inflexão imagética e sensorial, carregada de símbolos e metáforas, cristalina e diáfana na forma e na linguagem –, sem dúvida a coloca entre as melhores vozes da poesia que se faz em todo o mundo lusófono, uma palavra carregada de simbologias e afetos, que é fruto de um esmerado senso de observação do mundo, das coisas; de captura da memória e da geografia ancestral; que, entre o rigor e a sofisticada elaboração, faz uma ponte dialética entre o lírico e o metafísico, entre o passado e o presente, com um sopro de inegável humanismo”.
Lina lê-se em ardósia
Antes de nossa recente troca de
e-mails que vem a seguir, fecho com um poema que dediquei à minha agora saudosa
amiga, publicado em meu livro minerar O
branco, de 2008.
Lina lê-se em
ardósia
A
memória vai buscar uma menina de treze anos,
improvisando
uns versos que teimavam em ser música.
De
súbito, ela descobre que tocava a poesia.
Lina
Tâmega Peixoto
tâmara lina
pomar de minas
turmalina
o fio tâmega
o xis de peixoto
seixo
ao sol
do pomba
lina-horizonte
peixoto
do tâmega
feixe-facho
de delicados dáctilos
ânfora de anapestos
lina lê-se em ardósia
proeza-poesia
proesia toda-prosa
fina escrita e valia
Ronaldo
Werneck
Cataguases/agosto/2008
LINA:
OS ÚLTIMOS E-MAILS
RW, Lina e Francisco Marcelo Cabral: Brasília, 2008 |
Sobre um texto meu que não consigo identificar – 17.03. 2016
Querido amigo: li,
colocando na língua, cada palavra de seu longo texto, já que não aprecio
bebida, de modo geral. Pois seu texto foi um vinho do Porto, bebido aos goles
lentos. Me emocionei com sua admirável memória afetiva, onde agrega os
amigos e as experiências que viveram, de forma intensa, e que me
parece, ajudaram a formar sua identidade humana e poética, seu
jeito de contemplar as coisas das coisas, e que explodiram, anos mais
tarde, com uma força e balbucios de beleza e ternura, em expressiva e
sensível criação literária, tanto em prosa como em poesia. Vou ler tudo
de tudinho com muita atenção, sofrimento, alegria e redenção. Abraços, Lina.
EMAILS DE 2019
Sobre meu post quando do
prêmio Camões para Chico Buarque – 31.05.19
Como
sempre, sua crônica, ou melhor, seu testemunho no mundo, é um espaço de prazer.
Aquele prazer que Roland Barthes nos ensina. Poucas vozes se levantaram
para saudar o prêmio Camões, concedido ao Chico Buarque. Do Governo não se
esperava mesmo nenhum gesto, mas da intelectualidade, até da fatia da música,
não li quase nada. Penso que sou eu que não desvelo notícias, de tão absurdo
este fato. Enfim, Ronaldo, seu texto é preciso, cheio de nervos de
encantamento. Uma leitura feita de horizontes de percepção e ordenança de
significações. Abraços diversos, Lina.
Sobre meu texto “Catawood”, publicado na
letra “C” da revista portuguesa “Linguará”, e a palestra que faria (e fiz) no
lançamento em Belo Horizonte – 06.07.19
Boa noite, querido amigo: li, com
gostosura, seu texto de C, com tantos substantivos que mais parecem atributos.
Há uma leveza na linguagem que é um tom constante em sua escritura.
Outros textos que me manda trazem esta margem que contorna os significados de
uma nuvem que esvoaça, lenta, macia, mansa. Que sua apresentação em BH seja uma
alegria enorme e que a noite seja um sol de sucesso. Muitos e inexplicáveis
abraços, Lina.
Quando do meu post sobre o livro Essa
gente de Chico Buarque –
07.12.19
Querido amigo: seu texto coça a inteligência do leitor e faz cócegas na emoção. Li suas palavras como se fizesse uma descoberta de mim mesma por meio do Chico Buarque/Duarte. Sempre me impressiona seu discurso narrativo seco e úmido ao mesmo tempo, as imagens revelando um fino e sutil humor de quem vê o mundo mordendo o rabo. Parece que endoideci. A realidade parece. Tudo parece sem ser igual. Com uma alegria gorda e macia, meu abraço exaustivamente grande para vc. e Patrícia.
Lina: palestra sobre Cecília Meireles - Cataguases, abril de 2017 |
EMAILS DE 2020
Ao chegar de Lisboa – 18.01.20
Já estou em
Brasília, enforcada de calor. Vim enrolada em peles extras para isolar o frio e
aos poucos me desnudei de mim. E, com calma e horizontes, li o texto do Angelo
Oswaldo sobre seus poemas em Momento Vivo.
Bem penetrante e explicativo, ressaltando as simbologias-chaves que permitem, a
nós leitores, abrir as palavras. Fico feliz em conhecer a repercussão de
seu fazer poético, da amplidão geográfica que eles habitam. Muitos e fidalgos
abraços.
Quando
de uma postagem sobre a exposição Fellini no MAM – 28.01.20
Suspiro, Ronaldo!!! Quisera ter
estado no Rio, no mesmo dia em que foi ao Museu, e acompanhar sua visita ao
Fellini. Abraços diversos e urgentes, Lina.
23.04.20
Soube
da morte do P. J. Ribeiro pelo seu texto. Estou atônita e confusa. Liguei para
o Joaquim e consegui falar. Depois, mais tarde, entro em contato com vc. Com
meu coração, Lina
Sobre
o poema “A peste pede passagem” postado
em meu blog – 30.04.20
Meu
amigo: fiz um comentário, mas não sei resolver colocações exigidas. Assim,
coloquei anônimo. Se você recebeu, me avise. O comentário começa: "O poema
interroga... e termina: pela consciência do prazer". Eis o
comentário que Lina postou no meu blog: “O poema interroga a
continuidade, a importância, a impotência, o horizonte do homem na vida. De
repente, o poema desfolha-se. O
ritmo, que torce a camada fônica, fragmenta, com encadeamento sedutor, a tensão
dos múltiplos significados. O tema da peste configura, pela estrutura da
substância poética, um aturdimento e uma vertigem apreendidas pela consciência
do prazer”.
Quando
postei textos sobre Elisete e Nelson Cavaquinho – 21.06.20
Querido amigo: também estive numa
apresentação da Elisete e do Nelson Cavaquinho nos por aí dos 80. Lembro da
sensação de euforia e prazer que senti. Um passado sem "rugas". Uma
delícia rever tudo isso no seu excelente texto. Inumeráveis abraços, Lina.
Sobre
a morte do Pedro Branco, o P.J. Ribeiro – 24.06.20
Querido
Ronaldo: teu texto foi uma pancada que atingiu uma pálida e triste alma,
a que me veste, até hoje. Foi nela que li o avesso da mentira, a da morte do
P.J. Ribeiro. Seu texto foi armando palavras e nelas deitou nosso amigo,
com doçura e sussurro de dor e saudade. Consegui falar com o Joaquim e lhe dar
meu abraço feito com muitas palavras. Muitos abraços, Lina.
Sobre
o envio da Revista Chicos, que publicara seus poemas –
27.06.20
Querido amigo: foi um respirar
profundo a surpresa de ver a revista Chico's com eu lá dentro. Foi a
primeira vez que li a revista, mas sabia que ela existia. Como nunca entraram
em contato comigo, ficava, burramente, atrás da porta, na quina da esquina.
Conheço o Emerson há tempos, parece, inclusive, não sei, ou sei, talvez, penso
que, esteve no lançamento de meu livro aí. Verdade? E veja, sou um gomo da
revista, que vou saborear depois. Ainda não olhei, com nitidez, as palavras que
falam de minha poesia, (conheço bem o ritual bibliográfico) porque vim,
primeiro, lhe agradecer o envio do texto, de tudo. Anotei o email de
Chico's e vou, ainda hoje, escrever para o Emerson e José Antônio. Às vezes
viro um arquipélago, ilha que sou. Lanço ponte e barco para ir à sua ilha e
religar, ou relumar ou relumbrar as fronteiras da poesia de nossas vidas. Com
um gordo e solar abraço, Lina.
Quando da postagem dos 50 anos do Festival de Música de Cataguases – 05.07.20
Sabe, meu amigo, que já havia
lido esta memória do Festival em Cataguases. Não me lembro quando. Nesta época,
estava em Lisboa estudando as origens do lirismo peninsular, mas soube lá desta
grande aventura de vc e Joaquim. Que tempos maravilhosos aqueles! A leitura do
texto redobrou a fartura de lembranças que são asas leves do encantamento. E
como vc escreve bem e firme o que são sensações e friúmes do sentir. Uma
jardineira de abraços. Estou olhando para as miudinhas cores roxas do
canteiro que estão com olhos arregalados.
Quando respondi, dizendo que “friúmes” me lembrava Mário de Andrade – 07.07.20
Curioso, Ronaldo, lembrar
Mário de Andrade pelo nome "friúmes " Me veio à memoria (sei de cor)
o poema “Conversa piedosa” do tio Francisco (o escritor Francisco Inácio Peixoto) em referência a Cristo:
Madalena quando
enxugou os seus pés
Com
os cabelos dela, você não sentiu
Uma
espécie de friúme no seu corpo?
Considero este poema
belíssimo. Saudades de todos e de todas as memórias.
Ao lhe enviar a introdução de meu novo
livro, “Cataguases Século XX – antes & depois” e dizer que iria colocar um
texto dela sobre Francisco Inácio Peixoto – 08.07.20
Acabei de ler sua introdução e lendária, novamente, minha observação sobre seu poder de escrever uma linguagem firme, lúcida, objetiva, voltada para a inteligência especulativa, e a do bem-querer saber. Acho que melhor do que o texto sobre o Aprendizado (sobre Francisco Inácio Peixoto, que eu sugerira) ... seria este que lhe mando. Resultado de uma longa pesquisa na Fundação Casa de Rui Barbosa (cartas do Guilhermino) e de conseguir, em Porto Alegre, as cartas do tio Francisco. Consegui todas e guardo este acervo, com feroz carinho. Veja o que acha de minha sugestão. Se quiser, revejo o texto, para perceber algum cisco. Com abraços diversos, Lina.
Lina e a poeta Fabíola Fabyz na Feira do Livro de Brasília (15.06.2019) |
Quando
lhe enviei um texto que havia escrito sobre Francisco Inácio Peixoto
– 11.07.20
Obrigada, amigo, por levantar minha
memória do chão. As pegadas do que faço vão se apagando aos poucos, porque não
sei, como você, guardar as palavras numa gaveta de ar. E lhe conto sobre o
conto "Bapo". Ele foi inspirado num fato que aconteceu com os
peixinhos vermelhos de minha mãe. Numa manhã, um dos peixes do tanque
amanheceu torto. Como era costume, chamamos tia Eponina que
sabia consertar tudo, asa quebrada, osso partido, mau-olhado, enfim,
mazelas, defeitos e virtudes de bichos e de gente. O resultado da consulta
resultou em envolver o peixe com ataduras e prensar o corpinho do peixe, com
dois palitos de picolé para que voltasse à forma. Evidente que o peixe afundou
e morreu. Vou reler seu artigo sobre tio Francisco. Tudo que é sombra dele, em
mim e nos outros, se incendeia.
Com o melhor e mais azul das
lembranças, Lina.
Ao
ler uma postagem que fiz sobre os 110 anos de Rosário Fusco – 18.07.20
Já
li este interessante e instigante texto sobre o Fusco, inclusive a entrevista
no Pasquim. Há muito vc me mandou, mas de qualquer jeito reli com prazer e
sabor. Abraços para vc e Patrícia.
Ainda sobre a postagem dos 110 anos do
Fusco – 23.07.20
Pois então, Ronaldo, o texto
estava à superfície dos olhos e reli, porque já havia lido nem sei há quantos
meses passados. Penso que lhe escrevi na ocasião, se a memória sobrevoa as
palavras. Considero este texto sobre o Fusco uma excelente página de uma
narrativa memorista que lhe pertence, mais do que a história sobre o
Fusco. Dele, tenho recortes de papos longos, na casa da mãe, com uma garrafa de
pinga na mesa. E em outros encontros com ele debruçado na janela conversando
comigo, eu em pé na calçada, levantando os pés para alcançá-lo. E as
cartas que me escreveu e que mandei para o Joaquim. Estão publicadas no
livro Meia-Pataca: a terceira margem.
A minha convivência maior foi com o Marques (Rebelo), a quem devo o apoio (junto ao apoio maior de meu tio
Francisco) para o que fiz, na juventude, de lances e embrulhos, na arte e na
poesia. Com o mais fidalgo abraço de admiração, Lina.
Francisco Marcelo Cabral olha para a jovem Lina na capa do livro (by Natália Tinoco), que acabei encontrando em minha estante. |
Em 31.07.20 eu lhe escrevia em resposta:
Lina querida, passando pra dar um rápido (mas afetuoso) abraço:
só agora vejo esse seu email de quase uma semana. As recordações do Fusco são
muitas: escrevo este email em Bodoni, para homenageá-lo: era a tipologia de que
mais gostava. Exato agora não estou me lembrando do livro Meia-Pataca: a terceira margem. Que livro é esse? Acabei de reler
nesta manhã “Dia do Juízo”, um dos grandes romances do Fusco. Marquei várias e
várias passagens do livro (como sempre faço com as leituras que me chamam a
atenção), passagens de que não mais me lembrava. Lá pelo final tem um monólogo
da personagem Primavera que me remeteu ao monólogo de Molly Bloom, no Ulisses
de Joyce (será “viagem” minha?). Você fala no Marques, que conheci ligeiramente
numa noite na casa do Chico Peixoto, ele me falando (numa chaise-longue, do alto de sua piteira) do filho, Zé Maria (de quem
fiquei amigo mais tarde), que estava “necessitado”: a pintura não dava pra ele
viver. E aproveitou pra meter o pau nos concretos, que, segundo ele, só faziam
aqueles poemas porque não precisavam de dinheiro: “Veja só, um deles é até Pignatari”.
Coitado do Décio, eu pensei, apenas um mero professor universitário: nada a ver
com a fortuna dos Pignatari. Mas, falar no Marques, por acaso você tem cópia
(ou sabe onde eu possa encontrar) daquela crônica dele intitulada “Cataguases
1937”? Acho que é esse o nome: penso em colocá-la nesse meu novo, em homenagem
aos “rapazes da Verde”. Você recebeu o link de uma live minha falando poemas?
Abracíssimos, Ronaldo.
Resposta da Lina – 31.07.20
Oi, Ronaldo. Trocamos de amigos
quando adolescentes em Cataguases. Eu, com Marques, você com Fusco. O livro Meia-Pataca:
a terceira margem é obra do Joaquim com a colaboração de dois alunos.
Mandei para ele, na época, todas as cartas escritas e recebidas – para e do – Marques
e do Fusco. Deu um excelente panorama e visão cultural do que foi aquela febre
de literatura, aquele grito de poesia. Esqueceu? Com certeza tem aí caído em
qualquer prateleira, este precioso livrinho. Quanto à crônica que mencionou
"Cataguases -1937" está em Cenas da Vida Brasileira, uma
gostosura de fina ironia. Lembro quando fala de Sete Lagoas. São oito lagoas,
mas só se vê uma. O livro é uma soma de olhares para muitas cidades, buscando
em cada uma a ponta burlesca ou crítica que lhe dá a fisionomia. Penso também
que a crônica vestiria bem as páginas de seu livro-documento. Ainda não abri
sua participação literária com a Noélia (uma
live da poeta de Brasília Noélia Ribeiro, onde fui entrevistado e falei alguns
poemas). Apareceram, domesticamente, muitos problemas para resolver,
inclusive com a televisão que desmancha as imagens com jeito de Miró.
Exclusivos abraços para Patrícia e você, Lina.
Seu último email – 17.08.2020
Meu caro amigo: peço desculpas
por não ter respondido ao envio das crônicas, mas só agora estou saindo de uma
brava pneumonia e meu tempo, lento e gradual, se volta todo para minha
recuperação. Não sei onde apanhei a bactéria que derruba a gente além do
chão, subsolo, abismo, qualquer palavra que signifique angústia serve para
definir a situação. Fica tudo para mais tarde. Com o melhor dos abraços,
Lina.
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