“Baden-Chopin: Samba em prelúdio”
“Baden
de branco/ e fala magra e mansa e magro/ e tão mago e leve/ como se no fim por vício/ levitasse/ como se
pelas veredas de Vinicius/ seu violão voasse”. Assim eu fechava um poema
dedicado a Baden Powell (1937-2000) por ocasião dos dez anos de sua morte.
Num
dia do início dos anos 1990 Baden me procurou no Rio, com o projeto de um show
com seus afro-sambas, que queria levar ao CCBB. Convivi com ele por algum tempo
e acabamos amigos: às vezes, ele
aparecia lá em casa em Copacabana e, assim como quem não quer nada, soltava
seus dedos mágicos naquele violão de nunca mais.
No
dia 26 de setembro agora completam-se 20 anos sem Baden Powell e seu “violão veloz,
seus acordes alucinados, alucinantes”. Volto a homenageá-lo, reproduzindo, com
alguns acréscimos, o texto que escrevi quando de sua morte.
A BÊNÇÃO, BADEN
POWELL!
RW/Cataguases, outubro de 2000
Era
assim – com esse “A bênção, Baden Powell! – que eu fechava o show Dentro & Fora da Melodia, que
escrevi há coisa de dois anos, apresentado em Cataguases no Anfiteatro do Museu
da Eletricidade no Natal de 1998. E foi no mesmo local, semana passada, durante
uma apresentação do grupo de chorinho Patápio Silva, que me deu uma vontade
súbita de pedir de novo e para sempre a bênção de Baden Powell. Era
sexta-feira, uma “sexta básica”, e Baden morrera no Rio de Janeiro há apenas
dois dias.
A
meu lado, o baterista Afonso Vieira – o prezado amigo, parceiro e compadre
Afonsinho, que se apresentara várias vezes com Baden na Europa dos anos 1970 –
ouvia com ares de grande satisfação o grupo de chorinho cataguasense. Eu
confesso que estava meio alheio, olhando o rapaz do violão e pensando na morte
da bezerra, quer dizer, do Baden, quando o grupo iniciou aqueles acordes
rápidos e guerreiros de Berimbau,
exatamente a música que eu usara para terminar meu show. Afonsinho acenou-me,
polegar pra cima, e cantarolamos juntos, baixo-baixinho, a canção do Baden com
o Vinicius, eterna como eles: “quem de dentro de si não sai/ vai morrer sem
amar ninguém”.
"Baden-Vinicius: Cantando até o sol raiar" |
Berimbau
No
dia 7 de setembro de 1964, Vinicius de Moraes escrevia carta para Tom Jobim,
direto do Porto do Havre: “Tomzinho
querido, deixei Paris para trás com a saudade de um ano de amor e pela frente
tem o Brasil, que é uma paixão permanente em minha vida de constante exilado. A
coisa ruim é que hoje é 7 de setembro, data nacional, e em nossa Embaixada há
uma festa que me cairia muito bem, com o Baden mandando brasa no violão. (...)
Estou doido pra ver você e o Carlinhos (Carlos
Lyra) e recomeçarmos a trabalhar”.
“Imagine
que este ano foi praticamente dedicado ao Baden, pois Paris não é brincadeira.
(...) Fiquei muito contente com a notícia do sucesso de Berimbau aí no Brasil: dizem que estão tocando a musiquinha pra
valer. (...) Lembro-me tão bem quando fizemos o
samba há coisa de três anos, por aí. Eu disse a Baden: isso tem pinta de
sucesso. E ficamos cantando o samba até o sol raiar: Quem é homem de bem não trai/ o amor que lhe quer seu bem/ (...) / Quem
de dentro de si não sai/ vai morrer sem amar ninguém”.
São
esses octossílabos os meus versos preferidos entre todos os que Vinicius
escreveu para suas inúmeras parcerias: “Quem de dentro de si não sai/ vai
morrer sem amar ninguém”.
Benil & seu cast
Nunca
mais em toda a minha vida vou ver um violão veloz como o de Baden Powell. Nunca
mais a agilidade de seus dedos mágicos, aqueles acordes alucinantes e
inesperados. Nunca mais. Ficamos amigos
por conta de um texto que escrevi sobre ele a pedido do compositor e empresário
Benil Santos. Deu-se que há muitos, muitos mais de trinta anos atrás, lá pelos
inícios dos anos 1970, fui contratado por Benil para editar um catálogo com seu
cast de artistas.
Ele
queria que eu fizesse não só o texto como a programação visual: quer dizer,
Benil me pedia um produto que “vendesse o seu peixe” em todo o país. E olha que
eram peixes graúdos os de sua rede. Na época, ele tinha em suas mãos o melhor
elenco da MPB, gente como Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Maria Bethânia,
Nara Leão, Carlos Lyra, Paulinho da Viola, MPB-4, Gonzaguinha, Milton
Nascimento, Clara Nunes e outros, e outros, inclusive Baden Powell.
Varei
várias noites viradas em vários dias. Em vão. Quando os textos estavam todos
prontos e muitas fotos já produzidas para o catálogo, o Benil me conta num
almoço melancólico no velho Zeppelin de Ipanema – salvo somente pelo ótimo
scotch – que acabara de se desfazer de todo o seu maravilhoso cast, ficando apenas com Bethânia.
Mas
queria que eu editasse um jornal-toalha pra ele. Jornal-toalha? “É, isso mesmo
– diz Benil, talvez influenciado pelos famigerados chopnics do Jaguar, colocados num painel atrás de nós –, um negócio
formidável que eu vi nesta última viagem (Benil estava voltando do Festival do
Midem, em Paris, onde fora acompanhando Clara Nunes): o sujeito vai almoçando,
lendo as notícias e vendo os anúncios, estampados no papel-toalha sob seu
prato. Um espetáculo!”.
Claro
que nosso jornal-toalha não saiu da mesa do Zeppelin. Mas “a novidade” acabou
sendo adotada por vários bares que serviam refeições ligeiras: os
jornais-toalha iriam proliferar mais tarde nas chamadas “lanchonetes” – palavra que Caetano colocara na canção Baby, embora a detestasse (a palavra,
não a canção).
O
catálogo do Benil não saiu, mas a feitura dos textos acabou me aproximando da
maioria dos artistas – e com alguns deles cheguei mesmo a fazer certa amizade.
Com o Baden, não. Na época, ele estava morando na Europa e acabamos não nos
encontrando. Baden foi dos poucos que não chegou a ler os textos que fiz, um
para cada artista. Só vinte anos depois, já no início dos anos 90, veria o que
escrevi para ele.
Afro-sambas no CCBB
Foi
quando, em 1992, um amigo do Baden me procurou no Centro Cultural Banco do Brasil,
querendo falar sobre um “projeto”. Maior mistério: Baden Powell queria segredo
e mandava perguntar se não poderíamos nos encontrar em outro lugar, quem sabe
na minha casa. “Dito e feito”. como diria o Fernando Sabino da década de 80, em
sua coluna do Globo. No outro dia, abro a porta prum Baden Powell meio tímido,
ressabiado, o que percebi logo depois ser parte de sua personalidade.
Baden
queria reeditar os afro-sambas – as matrizes, de sua propriedade, haviam sido
recentemente remasterizadas em Paris – e fazer um grande show de relançamento
no CCBB. Acontece que a agenda do Centro Cultural era, e ainda é, fechada com
grande antecedência. Não havia espaço na programação – e Baden tinha pressa.
A
partir daí, nós nos encontramos várias vezes – na minha casa, na dele, no velho
Garota de Ipanema e, quase sempre, no Antonio’s –, procurando ajustar datas e
adequar o projeto, que acabei reescrevendo enquanto a Sílvia, mulher do Baden,
cuidava de acertar o orçamento. Só então mostrei pro Baden o texto que havia
feito para ele, aquele do catálogo do Benil, cujo título era “O Violão
Epiceno”. E não me perguntem o porquê, pois naturalmente não me lembro mais.
Talvez,
quem sabe, porque Baden soltava suas onças, os onças machos, sobre as cordas do
violão, e nelas se enroscava como só as onças fêmeas se enroscam. Sabem vocês,
não? Epiceno: o onça, a onça. Pois é, minha gente, na época em que escrevi o
texto eu era realmente movido a onças de uísque, várias onças. Muito que bem.
Baden releu várias vezes e ficou nitidamente impressionado – e de novo não
perguntem o porquê. Tanto que pediu pra Sílvia botar o meu texto como
apresentação do book que divulgava o seu trabalho. Acho que ainda hoje lá está.
E eis que aqui está, e agora.
O violão epiceno
Como
os músicos, também as pessoas se dividem
em comuns e eruditas. Com uma ligeira colher-de-chá para os comuns de dois, ou
epicenos. E tanto para uns como para outros, cabe a inversão de lugares &
valores: o que aqui é coisa de gênio, pode ser banal mais adiante & etc.
Mas num ponto as pessoas, como os músicos, estão sempre de acordo: Varre-e-Sai,
cidadezinha do Estado do Rio de Janeiro, conseguiu a façanha aparentemente
inacreditável de dar ao Brasil um compositor e virtuose de projeção
internacional. E ao bravo e mui nobre poetinha Vinicius de Moraes a chance de
fazer uma das mais profícuas parcerias da MPB.
Desde
garoto ele tirava do violão os acordes mais incríveis, com espantosa
agilidade. E a intimidade entre homem & instrumento cresceu a tal ponto que
hoje os dois chegam a se fundir, a se enroscar quase pecaminosamente a cada
contato, a cada reaproximação, como se sentissem a falta do outro. Dois amantes
que se encontram e se integram e se entregam insaciáveis, entre fragmentos de
sons brilhantes. E é como dois seres que se amam a união entre Baden Powell e
seu instrumento: mãos que machucam e acariciam, mandando ver, num só repente,
do afro-samba a Johann Sebastian Bach.
Drinques
finos no Antonio´s
Dos
muitos e “epicenos” meses de nossa convivência naquele ano ficaram várias
histórias envolvendo suas músicas, além de extraordinárias e inesperadas
noitadas de violão. Vejam que loucura: Baden não se apresentava desde que
voltara ao Brasil, estava “seco” pra tocar e acabava invariavelmente, para
minha alegria e de algumas amigas de fé, chegando lá em casa com o famoso
violão a tiracolo. Lembro particularmente de uma noite em que ele acompanhava
empolgado a voz de minha amiga Neti Szpilman e o “diálogo” entre os dois era
tão perfeito que chegamos, ideia do próprio Baden, a pensar num espetáculo de
voz & violão. Ficou no pensamento,
mas daria um belo show – e como!
Assim,
naqueles inícios dos anos 90 – e até sua volta para a Alemanha, vários meses
depois – Baden e eu nos encontramos quase todos os dias: na minha casa em
Copacabana, na casa dele na Joatinga, no Garota de Ipanema, no Antonio’s, num
súbito, misterioso e inacreditável botequim de Jacarepaguá. Em todos os botequins dessa vida... e de cara
limpa. Baden não mais bebia, pelo menos naquele tempo: nem eu, naquele tempo e
ainda agora.
Ficaram
também as tardes no Antonio’s, regadas a drinques
finos. Modestamente, uma velha invenção de minha lavra, que está fazendo
dez anos e que Baden adorou (também ele havia parado de beber). Uma bebida
plural, se me explico bem. Uísque sem uísque. Sim, um copo alto de uísque, mas
sem uísque, regado a guaraná diet, gelo e água tônica. Na dosagem certa, os drinques finos têm a cor exata do melhor
scotch, com a vantagem de um sabor supimpa e de o freguês estar permanentemente
livre de qualquer vestígio de ressaca.
E foi numa dessas tardes no Antonio´s, nós dois a nos encharcar de drinques finos, que apareceu o ator Lúcio Mauro: “Ué, Baden, voltou a beber?”. Baden fez cara de tacho, mas logo emendou: “Pois é, tava com saudade, tô tomando esse uisquinho, mas só esse”. Lúcio segue para sua mesa, enquanto Baden vira-se pra mim, risonho: “Não é que o troço tem mesmo cara de uísque?”.
Baden no meu sofá
Claro
que Baden não tocava nos botequins em que íamos, mas lá em casa. E minhas amigas
Ana Luiza Fonseca e Bel Cabral até agora devem estar sem entender o que viram
naquela noite: Baden Powell sentadinho no meu sofá, mandando ver no violão. Ou
na casa dele, ou às vezes de algumas amigas, como a de Neti Szpilman – onde os
dois andaram, como já disse, fazendo um dueto diabólico –, ou numa festinha chez Cely Bianchi, empresária da Rio
Jazz Orchestra. Baden não tinha shows marcados e, mais do que isso, estava
muito a fim de tocar. Imaginem só: foi o próprio Baden quem me pediu para
levá-lo à festa da Cely, que não era a Campelo, como acreditava meu inacreditável
amigo Zé Maria de Abreu, e muito menos de arromba.
Eu
estava sem carro e fomos, Cely e eu, pegar o Baden na Joatinga. Logo estávamos
subindo uma enluarada Estrada das Canoas: eu, Baden & violão socados no
velho e charmoso fusquinha conversível da Cely, cantando “noite alta, céu
risonho” sem que Cely acreditasse no que (ou)via. Já na casa da Cely, Mr.
Powell não se fez de rogado: antes que alguém pedisse, já empunhava o violão e
durante mais de uma hora mandou ver, de Bach a Baden, com direito a Pixinguinha
& tudo o mais. Meses depois, encontrei uma das amigas da Cely na cidade,
ainda atônita e fascinada com o que ou(vira) naquela noite.
Canção de Natal
Quem de dentro de
si não sai/ vai morrer sem amar ninguém”. Como já disse, esses octossílabos são meus versos
preferidos entre todos os que Vinicius escreveu em suas canções. A vida dá
muitas voltas, mas de dentro de si não sai, pois acaba no mesmo lugar. Lá em
casa, numa noite dos anos 1990 – Copacabana, café, cigarros caretas –, o
próprio Baden Powell pegou o violão e começou a se lembrar do Vinicius,
dedilhando os acordes de uma canção inacabada. Contou-me que o poeta morrera
sem colocar letra naquela música. Também eu tentei letrar a música do Baden,
uma canção natalina. Qual o quê! Saiu um poema, “Velhas Vozes”, que vai a
seguir, mas neca de letra pra canção. Pois é, o Baden também acabou morrendo, e
nossa parceria não aconteceu. A canção ficou mesmo sem letra, mas ela é tão
bonita que nem precisa.
VELHAS
VOZES
a
Baden Powell
sim
não
mais
sinos
meninos
velhos
uais
sonhos
címbalos
símbolos
sim
não
mais
presentes
no
passado
hinos
janelas
abertas
meninos
na
memória
sons
sinos
sapatos
nós
nozes
nós
na garganta
velhas
vozes
hoje
só
só
sons
estranhos
martelando
a
madrugada
janelas
fechadas
ruídos
rompendo
interrompendo
a
manhã
geladas
nozes
veladas
vozes
de
outroragora
sambam
soltas
entre
as frestas
da
janela
de
nunca
de
jamais
entre
as festas
velhos
tantos
anelos
elos
tontos
tônicos
natais atônitos.
Baden & Barouh: SARAVAH! |
Barouh, Formosa, Bofetada: Saravah!
Voltando
aos bons tempos daqueles drinques finos,
um dia nosso papo no Antonio’s acabou chegando a Pierre Barouh, o
ator-compositor francês que fez a versão e gravou o Samba da Bênção para o filme Um
Homem, Uma Mulher (1966), em que
também atuava.
Plagiando
o Vinicius de Moraes daquele “o branco mais preto do Brasil”, Barouh se dizia
“o francês mais brasileiro da França”. Ele esteve depois no Brasil, em 1968,
quando – ciceroneado pelo próprio Baden
Powell – rodou o ótimo documentário Saravah,
com Pixinguinha, João da Baiana, Clementina de Jesus, Paulinho da Viola,
Bethânia e o próprio Baden, que canta com ele O Samba da Bênção.
Barouh
e Baden acabaram muito amigos e eu disse ao Baden como gostava das canções que Barouh
fizera para o filme de Claude Lelouch, principalmente uma em parceria com Francis
Lai, que dizia qualquer coisa como A
l’ombre de nous/ Restera toujours/ Au noms de l´amour/ Un goût d’éternité. / Au
nom de notre amour/ Une ombre va rester/ Ces soleils.../ Ils sont si chauds/
Ils sont si forts/ Qu´ils nous brûlent/ Et qu´ils nous devorent/ Encore, encore, encore. Ou coisa
parecida, pois – encore, encore, encore –
eu cito de cor. Ainda hoje me agrada muito o jogo de palavras da canção e aquela
imagem do “gosto de eternidade”, perfeita dentro do filme – onde Barouh é o
marido e stunt-man morto em cena,
cujas peripécias e canções são lembradas pela viúva interpretada por Anouk
Aimée (na vida real, ele foi casado com Anouk, minha ídala felina e felliniana).
Baden-Vinicius: samba, soro & uísque |
De
Pierre Barouh, Baden saltou quase que naturalmente para seu parceiro Vinicius
de Moraes. Ele falava com muita saudade do poetinha, das canções, dos porres
que tomaram juntos, dos pertinentes “recolhimentos” estratégicos-hospitalares.
“Formosa”, por exemplo, o antológico samba da dupla, surgiu da visão de uma
bela passageira do trem noturno onde eles se encontravam rumo a um show em São
Paulo, mas terminou de ser criado na Clínica São Vicente, onde os dois estavam
internados. Desintoxicação da pesada, à base de soro, glicose e uísque: nada de
drinques finos.
Baden
me contou que ele e Vinicius ficavam cantando o samba noite aforadentro na
Clínica, a pedido de um paciente do quarto ao lado, que estava adorando a tal
Formosa:A gente nasce, a gente
cresce/ A gente quer amar / Mulher que nega/ Nega o que não é para negar/
A gente
pega, a gente entrega/ A gente quer morrer/ Ninguém tem nada de bom/ Sem
sofrer/ Formosa mulher!
Engraçado
que sem saber disso, e sem querer imitar a grande dupla, anos depois também eu
fazia “recolhimentos” similares. Após seguidas sessões de uísque, costumava
tomar soro num hospital que existia em Ipanema, na Farme de Amoedo. Glicose na
veia – e devidamente recuperado –, eu saía de lá, atravessava a rua e continuava
meu uisquinho no Bofetada, o tradicional botequim daquela famigerada rua. Um
dia, o enfermeiro que me atendia passou por lá e não acreditou no que via:
quase tomei uma bofetada. Bem que ofereci o uisque, mas “o de branco” não aceitou:
acho que só tomava soro.
No Metropolitan a última vez
No
início de 1993, consegui um espaço pro Baden no CCBB, num projeto que juntava
violões, verão, sambas e Rio de Janeiro. Tudo certo, todo mundo adorou a honra
de participar ao lado de Baden Powell, ídolo da maioria dos artistas que iriam
se apresentar no projeto. Já começávamos a divulgação quando a Sílvia me ligou
dizendo ter recebido uma proposta irrecusável para uma temporada do Baden na
Alemanha. Foi assim que o show dos afro-sambas acabou “sambando”. Paciência: encaixamos
em seu lugar Luiz Melodia e Jards Macalé – pois é: só mesmo uma dupla, e que
dupla!, pra ocupar o lugar de Baden, que valia por dois, ou mais – enquanto “o
violão epiceno” voava pras Oropas.
Em 1997, esbarrei com Carlos Lyra na Feira de Ipanema e Carlinhos me convidou para um show que iria fazer no Metropolitan, um tributo ao Vinicius, com Baden, Toquinho e Leila Pinheiro. Foi então, naquela temporada em homenagem ao seu parceiro Vinicius de Moraes que encontrei-me, no camarim do Metropolitan e pela última vez, com Baden Powell.
Coincidência:
como na semana passada aqui em Cataguases, o Afonsinho também estava comigo naquela
noite no Metropolitan, e sentimos a mesma coisa: estava ali um Baden de fala
mansa e extremamente baixa, um Baden como sempre de branco e muito magrinho que
parecia montar em seu violão para seguir ao encontro de Vinicius. Foi essa lembrança
que nos emocionou tanto, quando os meninos do chorinho Patápio Silva o
homenagearam com aquele maravilhoso Berimbau
que ouvimos semana passada.
Nos
últimos tempos, voltado para as coisas do astral, um hiper religioso Baden não
mais cantava o Samba da Bênção, pois,
ao contrário de Vinicius, evitava pedir a própria. Mas, como Vinicius (e os
dois devem estar fazendo – perdão, Baden! – o diabo nas alturas) eu não resisto
e peço “A bênção, a bênção, Baden Powell/ Amigo novo, parceiro
novo/ Que fizeste este samba comigo/ A bênção, amigo!”. A bênção, a bênção, Baden Powell, que fizeste com sua lembrança
nascer este texto que em mim se entranhara, e que agora surge sem pesar, mas
pleno de canto e alegria, pois “É melhor
ser alegre que ser triste/ Alegria é a melhor coisa que existe/ É assim como a
luz no coração”. Este texto que nasce de mim para ir por aí – e contigo. A
bênção, amigo!
Baden-Baden
BADEN-BADEN
a
Baden Powell
só
restam rastros de paixões que explodem
baden
baden baden
pólvora
violão-de-outono
intento
violão-verlaine
longo-lento-lamento
violão
veloz assim jamais
jamais
assim violão-devir
nunca
nunca
mais ao vivo
ver
ouvir
ou/ver
tudo
tão íntimo assim
baden-violão
um
os dois
irmanados
insanidade
complacência
e
logo
em
pecado
enroscados
e
pecado
não
havia
dois
amantes
a
se integrarem
a
se entregarem
em
sons só poesia
nunca
nunca
mais
acordes
alucinados
alucinantes
inesperados
nunca
nunca
mais
baden
de branco
e
fala magra e mansa e magro
e
tão mago e leve
como
se no fim por vício
levitasse
como
se pelas veredas de vinicius
seu
violão voasse
Ronaldo
Werneck
Cataguases, 2010
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