Lembro agora: era aí pelos meados dos anos 80 e eu era muito festeiro no Rio de Janeiro. Com rima e tudo. Qualquer coisa era motivo para festa lá em casa. E festas havia mesmo sem motivo. Só pela poesia, só pela prosa, só pela alegria de receber, reencontrar amigos. Foi um tempo em que minha amiga Mônica Botelho aparecia sempre em meu apartamento de Copacabana. Nunca perdeu uma de minhas festas. Foi quando nossa amizade se fez mais forte.
No final do século, volto a morar em Cataguases. E reencontro Mônica, que também voltara e acabara de assumir a presidência da Fundação Ormeo Junqueira Botelho. Ela então me “convoca” (palavra certa) para de certa forma fazer na Fundação o que eu fazia no Centro Cultural Banco do Brasil: assessoria de imprensa, revisão, editoria de textos, essas tarefas do bem escrever, se é que eu bem escrevo – esse amontoado de textos e mais textos: há sempre controvérsias.
Nossa parceria começa na inauguração do Anfiteatro Ivan Müller Botelho, segue na abertura das várias Usinas Culturais, e em outras importantes inaugurações comandadas por ela: Museu Chácara Dona Catarina, Centro Cultural Humberto Mauro, Memorial Mauro. E, claro, a abertura do primeiro Cineport em 2005, um acontecimento na cidade.
Em 2002, com a inauguração deste Centro Cultural, Mônica e eu passamos a “bater ponto” diariamente, e lado a lado, exatamente aqui, neste terceiro andar. E nada mais justo que ele agora receba o nome de Espaço Mônica Botelho. Foi quando pude observar melhor a criatividade de minha amiga, o seu total envolvimento não só com os afazeres burocráticos da Fundação como com o dia-a-dia da divulgação dos eventos, das várias mostras, da edição das publicações. O seu compromisso com o novo. De tudo Mônica participava e sempre aparecia com ideias inovadoras, tornando a feitura desses produtos da Fundação um verdadeiro luxo.
Eu ficava fascinado com sua inventividade na escolha das cores para os catálogos – e principalmente para a revista Usina Cultural que editávamos, com todas as suas páginas harmonicamente em policromia, seu inusitado formato de grandes dimensões. Foi quando descobri, surpreso, a excelente designer que era minha amiga.
Em contraponto ao formato gigante da revista, Mônica criou um formato também inusitado para os catálogos com meus textos para as exposições fotográficas realizadas aqui na Galeria Zequinha Mauro, no corredor de entrada e no hall deste prédio. Eram “livrinhos de textimagens”, num formato diminuto, 10 por 8 cm. E fizeram grande sucesso. Em 2002, a abertura da Galeria, dedicada na época exclusivamente a mostras fotográficas, foi com trabalhos do próprio Zequinha, o grande fotógrafo filho de Humberto Mauro.
A seguir, veio a mostra Pedro Comello, com os retratos de sua filha Eva Nil. Na sequência, o cataguasense Daniel Fachini mostraria as fotos que fez na Nova York de 2001, quando da queda das Torres Gêmeas. E Walter Carvalho as fotos inéditas de Humberto Mauro em Volta Grande, inclusive flagrantes do enterro do cineasta em 1983. Logo, a belo-horizontina Mariângela Chiari voltaria seu olhar sobre a China e, entre outras mostras fotográficas, Mônica traria ao Centro Cultural uma ousada exposição de Egven Bavcar, o filósofo e fotógrafo cego esloveno.
Ao mesmo tempo, o Museu Chácara Dona Catarina fervia com exposições dedicadas às artes plásticas, com artistas cataguasenses, regionais e de outras estados, a exemplo de nomes do porte de Amilcar de Castro e Sonia Ebling. Era um tempo de grandes eventos, como o Cineport, que trouxe a Cataguases em 2005 grandes nomes não só de nossa cinematografia como a das demais nações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Inclusive o embaixador José Aparecido de Oliveira, um dos fundadores da CPLP, e o ex-presidente português Mario Soares, que brilhou em sua participação na mesa de abertura do Festival.
O Cineport, que se estendeu no ano seguinte a Portugal e depois a João Pessoa, acabou por fazer de Mônica, na sequência, uma espécie de primeira dama da produção cinematográfica e gerou o Polo Audiovisual da Zona da Mata. O que tornou Cataguases uma espécie de cidade-set, uma cidade locação.
Mas isso tudo são apenas detalhes do empreendedorismo de minha amiga, de sua extrema capacidade de inovar-se. Quero destacar aqui seu carisma. E a sofisticada e poderosa presidente da Fundação tem um quê de simplicidade que sempre me cativou. Como naquela tarde em que, em meio ao trabalho aqui nesta sala, ela virou-se pra mim e propôs fazermos um lanche. Para minha surpresa, saímos daqui para a praça aí em frente e sentamos num desses bancos de pastilhas enquanto Mônica comandava um inacreditável cachorro-quente do Leno, acompanhado de uma “coquinha”, como ela gostava de dizer. E jogamos conversa fora, enquanto ela comia seu sanduíche com toda a autoridade. Essa é minha amiga que eu não esqueço.
Há alguns anos, e dias após sua palestra aqui no Centro Cultural Humberto Mauro, dentro do Projeto Grandes Escritores, recebo email da escritora Marina Colasanti: “Ronaldo querido, obrigada pelo carinho e generosidade. Ainda bem que Cataguases gostou de mim, porque também gostei dela. E um beijo para Mônica, fiquei entusiasmada com ela, com sua atividade, com o perfil que está imprimindo à cidade”. Dias depois, era seu marido, o poeta Affonso Romano de Sant´Anna, quem me escrevia: “Ronaldo, Marina voltou encantada de conhecer melhor essa parte viva, pulsante de Minas, essa Cataguases única”.
Pois é, “essa Cataguases única” deve muito a Mônica Botelho. Ainda no ano passado, a convite de Eduardo Mantovani, li aqui no Centro Cultural pequeno texto escrito em comemoração aos 35 anos da Fundação Ormeo Junqueira Botelho. Termino este depoimento com o parágrafo final daquele meu texto:
“Hoje, quando a Fundação completa seus 35 anos, o Centro Cultural 20 e o Memorial Humberto Mauro 15, eu acrescentaria a esse texto, e acrescento agora, a importância de Mônica Botelho para a Fundação como um todo. Se nos 1940 o escritor e industrial Francisco Inácio Peixoto foi de fundamental importância para a formação de uma Cataguases arquitetonicamente modernista, a partir do início deste século Mônica Botelho passa a ocupar o seu papel. E com todo o direito. Ela é a grande propulsora da arte e da cultura na cidade. Seu nome está perenemente gravado como tal e será lembrado a cada vez que os cataguasenses e visitantes se depararem com os monumentos artísticos/culturais que aqui se encontram – e seu para sempre legado”.
Ronaldo Werneck
Cataguases, 1º/12/23
3 comentários:
Excelente texto
Toda a história cultural da cidade !
mônica Botelho e Ronaldo Werneck lendas vivas da cultura brasileira
Perfeito, como sempre. Ela merece
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