24 de out. de 2024

A Morte de Vladimir

 


Morreu em Brasília nesta quinta-feira, 24, meu grande amigo, o cineasta paraibano Vladimir Carvalho. Triste, muito triste. Em sua homenagem reproduzo a seguir o texto que escrevi quando ele foi o cineasta homenageado em 2007 no Festival Cineport de João Pessoa. 


Vladimir Carvalho: 
poesia e saga sagaz

Do jovem roteirista pioneiro de Aruanda, no início dos anos 60, ao realizador de Romeiros da Guia e de A Bolandeira; de Incelência para um Trem de Ferro e A Pedra da Riqueza ao hoje maduro diretor de O Engenho de Zé Lins, a história do cinema paraibano está solidamente entrelaçada à trajetória de Vladimir Carvalho. 

A câmera na mão do presente-devir. O tripé no passado. O avião sobrevoa um reino desencantado. O cinema de Vladimir Carvalho é São Saruê-Nordeste. O gavião vê de longe as costelas de Eldorado. É Brasília-Centro-Oeste. E a balança dos contentes pesa a sede dos magoados. É a câmera que aponta a periferia, em panorâmica sobre o desencanto, foco fechado sobre o sofrer.

“Até onde consigo recuar na minha memória, a ideia mais substantiva de terra que tenho era viva e concreta, embora às vezes confusa e incipiente. Na tenra idade do meu burgo interiorano, a imagem da terra que eu captara naturalmente era cheia de vida, uma vida que vim descobrir depois desigual e injusta para muitos dos que lidavam com ela”. 

Príncipe de princípios, Vladimir Carvalho é um lorde do agreste. Solidário com sua gente, com os desnordestinados dos quatro desencantos do país. Seu cinema é lógico e simples. É soma, é suma. É semiológico. É o presente que se monta com imagens resgatadas do passado. Lírico e telúrico. É Humberto Mauro e Robert Flaherty. É poesia e saga-sagaz. É permanência. Um cinema que documenta em cada fotograma a digna postura de seu criador. Dignidade que enlaça em terno celulóide suas imagens-criaturas.

Brasil-Brasília, cidade-país cinemascópica. Um só Nordeste-Vladimir. Um contínuo buscar por conterrâneos ensandecidos pelo Eldorado. O homem que se apequena na retilínea imensidão do horizonte-planalto. Mas há sempre uma Vila Boa de Goyaz. Um espaço que se descortina em cordialidade. E em candura: Cora Coralina e o arrastar de sua cadeira a circular os cômodos da casa inteira.    

Equilibrando-se sobre o trilho do trem de outrora, Vladimir vê a terra a girar, em cine-movimento, a terra vista de sua Itabaiana, que é também pedra-que-gira. “Herdei uma certa loucura nordestina, que é rodar feito um galináceo ou um peru num terreiro em torno de uma mesma ideia.” Uma ideia fixa.

Zé Lins disse um dia: “tudo foi comido pelo tempo”. O cinema de Vladimr Carvalho está aí para contradizer o ídolo inconteste do cineasta. É um museu vivo onde se revê o passado para construir o presente. São um só filme os filmes de Vladimir, busca incessante, um só ciscar, giro de câmera sobre a mesma ideia. Rola morro abaixo a pedra-pensamento. Sísifo nordestinado, Vladimir roda de novo sua pedra morro acima. E cisca em torno, e roda e roda, que – redivivo Sísifo – rodar é seu ofício. 


Ronaldo Werneck/

Cineport da Paraíba

João Pessoa, 2007

2 comentários:

Anônimo disse...

Q texto sensível inteligente q homenagem bonita. Salve Vladimir salve Ronaldo

Anônimo disse...

Texto maravilhoso