Vladimir Carvalho:
poesia e saga sagaz
Do jovem roteirista pioneiro de Aruanda, no início dos anos 60, ao realizador de Romeiros da Guia e de A Bolandeira; de Incelência para um Trem de Ferro e A Pedra da Riqueza ao hoje maduro diretor de O Engenho de Zé Lins, a história do cinema paraibano está solidamente entrelaçada à trajetória de Vladimir Carvalho.
A câmera na mão do presente-devir. O tripé no passado. O avião sobrevoa um reino desencantado. O cinema de Vladimir Carvalho é São Saruê-Nordeste. O gavião vê de longe as costelas de Eldorado. É Brasília-Centro-Oeste. E a balança dos contentes pesa a sede dos magoados. É a câmera que aponta a periferia, em panorâmica sobre o desencanto, foco fechado sobre o sofrer.
“Até onde consigo recuar na minha memória, a ideia mais substantiva de terra que tenho era viva e concreta, embora às vezes confusa e incipiente. Na tenra idade do meu burgo interiorano, a imagem da terra que eu captara naturalmente era cheia de vida, uma vida que vim descobrir depois desigual e injusta para muitos dos que lidavam com ela”.
Príncipe de princípios, Vladimir Carvalho é um lorde do agreste. Solidário com sua gente, com os desnordestinados dos quatro desencantos do país. Seu cinema é lógico e simples. É soma, é suma. É semiológico. É o presente que se monta com imagens resgatadas do passado. Lírico e telúrico. É Humberto Mauro e Robert Flaherty. É poesia e saga-sagaz. É permanência. Um cinema que documenta em cada fotograma a digna postura de seu criador. Dignidade que enlaça em terno celulóide suas imagens-criaturas.
Brasil-Brasília, cidade-país cinemascópica. Um só Nordeste-Vladimir. Um contínuo buscar por conterrâneos ensandecidos pelo Eldorado. O homem que se apequena na retilínea imensidão do horizonte-planalto. Mas há sempre uma Vila Boa de Goyaz. Um espaço que se descortina em cordialidade. E em candura: Cora Coralina e o arrastar de sua cadeira a circular os cômodos da casa inteira.
Equilibrando-se sobre o trilho do trem de outrora, Vladimir vê a terra a girar, em cine-movimento, a terra vista de sua Itabaiana, que é também pedra-que-gira. “Herdei uma certa loucura nordestina, que é rodar feito um galináceo ou um peru num terreiro em torno de uma mesma ideia.” Uma ideia fixa.
Zé Lins disse um dia: “tudo foi comido pelo tempo”. O cinema de Vladimr Carvalho está aí para contradizer o ídolo inconteste do cineasta. É um museu vivo onde se revê o passado para construir o presente. São um só filme os filmes de Vladimir, busca incessante, um só ciscar, giro de câmera sobre a mesma ideia. Rola morro abaixo a pedra-pensamento. Sísifo nordestinado, Vladimir roda de novo sua pedra morro acima. E cisca em torno, e roda e roda, que – redivivo Sísifo – rodar é seu ofício.
Ronaldo Werneck/
Cineport da Paraíba
João Pessoa, 2007
2 comentários:
Q texto sensível inteligente q homenagem bonita. Salve Vladimir salve Ronaldo
Texto maravilhoso
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