pressinto
cabreiro
com horror
que
estou
numa cidade
do exterior
mineiro
Nem sempre menos é mais. Com sua abertura num enjambement forjado em redondilha menor – que a cada verso (palavra, linha, linossigno?) torna-se
ainda mais diminuto, despojado, opresso, e tem seu fecho com a métrica curta em
“mineiro” – esse fragmento ficou como uma das pedras-de-toque de meu livro pomba poema, que acaba de fazer 40 anos
de seu lançamento (Cataguases, 20 de agosto de 1977). Na província do interior
que se quer “exterior”, muitas vezes menos é menos mesmo.
Vários
críticos já apontaram em meus poemas uma “poética do olhar”. Muitos outros, ao
analisarem a obra de Jean-Luc Godard diziam que o cineasta “escrevia com a
câmera” (aliás, título do belo livro de meu amigo Mário Alves Coutinho: Jean-Luc Godard: Escrever com a Câmera).
O que assinala as inevitáveis controvérsias ao dito bíblico: “No princípio era
o verbo”. O verbo ou a imagem? Que a turma do maldizer me perdoe: não estou
querendo me comparar com o Godard, imagina! Apenas, e muito pelo contrário,
apontando “díspares afinidades” (se me permitem o oxímoro) nessa tomada de
foco. Desde sua primeira edição pensava em filmar meu poema-livro, que já
trazia naquela e em suas duas reedições/releituras uma série de imagens
fotográficas, quase diria “de cinema”: “minas
em mim e o mar esse trem azul”, de 1999; e “cataminas pomba & outros rios”, de 2012.
Pomba
Poema mereceu
resenhas em vários jornais de Minas, São Paulo, do Rio. Destaco algumas, por
servirem ao propósito desta minha crônica e do vídeo que acabo de postar em meu
canal no youtube. No Globo (Rio, 30.10.77),
escrevia Luiz de Miranda: “É com uma filmadora em punho que Ronaldo
revela os cenários onde não deixam de aparecer os personagens característicos
de uma época aliados aos fatos culturais e históricos. Pomba
Poema é um canto a sua terra. (...) o poeta Ronaldo Werneck, surge a todo o
momento com a força grave de seu verso: “ali na poeira onde o rio tomba/onde a
margem estreita/esmaga o rio torto”... “não mais o mar/ mas o rio mar/ telando
ainda agora/ as margens da memória”.
No Suplemento Literário Minas Gerais (Belo Horizonte, 04.11.78), dizia o
poeta-crítico Hugo Pontes: “(...) Como se estivesse filmando sua cidade,
o autor faz tomadas verbais dignas de um grande cineasta com suas câmeras. Sua
desenvoltura, sabendo fazer uso da palavra, faz-nos ver Cataguases com seu povo
e suas ruas num mundo entre o útero e o átomo; mostra-nos o menino descalço
dentro de um jato chupando jabuticaba e num carro de bois sonhando com a Lua (...)”.
No Rio, em 1999, o poeta-crítico Marcus Vinícius Quiroga escrevia no
jornal literário Panorama: “O poeta, com sua oito e meio na mão (quanta
saudade!) faz-se cicerone e nos guia por esta cidade-tempo, qual a Roma de
Fellini, subjetivo muitas vezes em seus signos cataguasenses, mas mantendo
sempre a densidade poética dos versos”. E Joaquim Branco, no poema-texto de
orelha: “Riverrun um filme ou
barco/ que se toma em qualquer ponto/ (...) – fotos, arte, voz, meandros/
resultam na paisagem inflada a cada/ take
planejado: foto/cine/drama/ da cidade-mundo que o poeta/ ama”.
Revendo esses textos,
escritos há várias décadas, percebo como havia neles qualquer coisa de
premonitório. Isso porque a partir da década de 1980 comecei a filmar
Cataguases e suas gentes (super-8 na mão, ou “oito e meio”, com brincou Marcus
Vinícius, remetendo ao filme de Fellini), tendo como fio condutor o pomba poema. Fragmentos desse filme inacabável – “Tempos
de Mineração”, cerca de oito horas já editadas, com imagens captadas em várias
bitolas: Super 8, VHS, Super VHS, Full HD – encontram-se no vídeo que acabo de editar
– focado somente no poema –, disponibilizado no meu canal do youtube.
A seguir, e também como
homenagem aos 40 anos de sua publicação, apresento alguns fragmentos do Pomba
Poema, tomados ao acaso.
nesgas
neblina
manhã
ainda
agora
O CHEIRO DA MAÇÃ
EVOCANDO A METRÓPOLE
O MUNDO EXTERIOR
EXTRAÍDO
A CADA ODOR & DENTADA
O MUNDO ALÉM DA RETA DA SAUDADE
ANTES
DAS INDÚSTRIAS O MUNDO
ATOLADO
NA PONTE DO
SABIÁ
HÁ?
NÃO HÁ?
NÃO SABÍAMOS
NÃO
SABEMOS
NÃO SOUBEMOS
NUNCA JAMAIS
ESTAVA ALI O
MUNDO
ANTES DO
TEMPO E DA PONTE
NUM
REPENTE
NA GIRÂNDOLA DO
TEMPO
MANGA
JABUTICABA
ABIU
EXPLODINDO NO DENTE
o pombaquário
arrebata
dados como petecas
lançados
sugados ao rio
como patacas
na
memória
correndo
corroendo
um século em cada minuto
afogado em flores alvas
netrodorea
pubescens
laranjeira
da mata
limo
limoeiro dos campos
dos palcos
gerais
ktá apenas
cata
cena
seus atletas
seus patetas
seus poetas
que
passo é esse apressado?
que luz é essa
amarela?
quando quem o
quê como por quê?
de quem são esses olhos?
quem por trás da janela?
traiçoeira
a esmo
trágica
caminhada
sem tutu
sem torresmo
sem
o velho cabedal
e sua poção mágica
a pé sem rapé
aguado
maneiro
resta o café
deslocado no tempo
outrora agora
fora
do tempo do urânio
dos
tratados
contratos
de ricos
conchavos
de risco
movida a carro de boi
e gerânios
girando
como pião matreiro
fora
dentro
fora
no exterior mineiro
cata ktá catanga
catuauás cartazes catuauases
itacatuauases cataguases
catarte
catarse
catavento
em close na memória
aqui ali
frag´alimentada
parte por parte
catanada água argila
desesperada
cataguases
arte por arte
ainda cintila
cataguarte.
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