Anna Maria Maiolino entre a mãe e a filha em "Por Um Fio" |
Leio na “Ilustrada” da Folha de S.Paulo
do último domingo que a artista plástica Anna Maria Maiolino faz no Museu de
Arte Contemporânea de Los Angeles a maior mostra de seus trabalhos já realizada
nos Estados Unidos. Foi quando me lembrei de um texto de apresentação para o
catálogo de uma de suas exposições, que eu escrevi para o CCBB/Rio em 1993. Lá
se vão 25 anos, mas aproveito para republicar.
A trajetória de seis décadas como
artista mostra a fuga de Anna Maria Maiolino e da família de uma Itália
destruída pela Segunda Guerra, a passagem pela Venezuela, primeira migração,
seus anos nova-iorquinos e o momento em que fincou raízes em São Paulo, onde
vive hoje.
“Fui uma andarilha”, diz Maiolino. “E
fui criar um alfabeto, um discurso na arte por não pertencer a nada e a tudo ao
mesmo tempo. É uma coisa muito paradoxal. Mas quando os brasileiros querem me ver
como uma artista de fora, fico ofendida. Tenho plena consciência que sou um
produto da arte brasileira. Todo artista é um antropófago”.
A seguir, meu texto sobre ela.
A
MÃO DE
MAIOLINO
Desde
o início de sua trajetória artística, existiu sempre em Anna Maria Maiolino uma
latente inquietação pelo ato de fazer em si e, mais ainda, pela estrutura da
“cousa” onde aplicava suas criações. Daí um constante interrogar-se com relação
aos próprios suportes de sua arte, como no tempo da Nova Figuração, quando buscava
revitalizar as potencialidades formais da gravura e do próprio objeto.
Essa
preocupação manteve-se mesmo em fases posteriores, ao lançar-se – já no final
dos anos 60, em Nova York – na desconstrução do suporte da gravura e do
desenho, interferindo na aparente neutralidade do papel através das incisões,
fendas, perfurações. Já então, como agora, Maiolino “tateava” a metáfora maior
de sua obra: um discurso preso ao fazer matérico, extraído do manuseio do
objeto, da mão operante, da mão que emprega, que se entrega, da mão que obra a
matéria e que, ao preservar o seu “estar-no-mundo”, afasta-se definitivamente
da ilusão.
Anna
Maria Maiolino foi buscar em Pirandello o título dessa exposição. Nada melhor
que “Um, Nenhum, Cem Mil” para dar sentido a suas cobrinhas, a esses rolinhos
que são um e nenhum, pois ao mesmo tempo que preservam sua identidade, o que há
de intrinsecamente matérico em si mesmo, somam-se a outras formas parecidas,
repetindo-se na composição desses objetos-cousas. São iguais e diferentes, esses
objetos. É a mesma a argila em que são modelados. É semelhante o gesso que se
aplica ao molde, quando retirada a argila. É a mesma a dualidade
pleno-vazio-negativo-positivo, oco-cheio com que trabalham as mãos de Maiolino.
A
artista substitui a argila pelo gesso, mas mantém a essência do material, seu
peso e temperamento. Anna Maria Maiolino não quer ocas essas cousas, meros
simulacros. O que ela nos propõe é o ato de “cousar” - sinônimo de reflexão e
mistério. Ao abrir espaço para essas matérias vivas, o Centro Cultural Banco do
Brasil quer devolver ao público um pouco do fascínio primitivo do trabalho de
mãos simples – padeiros, ceramistas – frutos de paciência e prazer. Aqui, não
se esculpe – mas se modela à imagem e semelhança da memória, do acaso que vem
da mão.
Ronaldo
Werneck
CCBB/Rio, 1993
Um comentário:
Nada mais autentica antropofagia brasileiro que isso. Alguem que inventou um alfabeto de sobrevivencia existencial . É genial. Um tecido nao residual, mas, intrinseco da antropofagia Geral de Oiticica. É é a brasileira que todos queríamos.
Postar um comentário