6 de ago. de 2020

CATAMINAS: RESENHA EM PORTUGAL

    No último dia 29 de julho, o quinzenário impresso “As Artes entre as Letras”, da cidade do Porto, em Portugal, publicou ótima resenha sobre meu livro “Cataminas pomba & outros rios”, assinada pelo professor Adelto Gonçalves, doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade São Paulo.
Vejam o texto do professor Adelto.




Ronaldo Werneck 

e o rio de Minas

I. Tantos anos depois do desaparecimento de Rosário Fusco (1910-1977), romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e crítico literário reconhecido pela crítica como o menino-prodígio do Modernismo brasileiro, um verdadeiro precursor do supra-realismo literário, Cataguases, pequena cidade da Zona da Mata de Minas Gerais, nascida em 1877 à época da “febre” pela busca de diamantes (afinal, nunca encontrados), continua a exibir seus talentos literários. Os mais notórios hoje são os romancistas e contistas Luiz Ruffato, Ronaldo Cagiano, ambos da safra de 1961, e Eltânia André.

Sem esquecer de Joaquim Branco (1940), que lançou, no ano passado, Pequena história da fundação de Cataguases. Ou de Guilhermino César (1908-1993), que igualmente exaltou e evocou a mítica Cataguases. Ao lado de outros expoentes do Movimento Verde, como Ascânio Lopes (1906-1929) e Francisco Ignácio Peixoto (1909-1986), que, com Guilhermino César e tantos outros, editaram a Revista Verde (1927- 1929), publicação que teve colaboradores da estirpe de Mário de Andrade (1893-1945), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Aníbal Machado (1894-1964), Antônio de Alcântara Machado (1901-1935), Sérgio Milliet (1898-1966) e Ribeiro Couto (1898-1963), entre outros.

Da geração de Joaquim Branco, Ronaldo Werneck (1943) é outro literato que continua em plena atividade, como provam seus últimos lançamentos: O mar de outrora & poemas de agora (2014) e Cataminas pomba & outros rios (2012), livros de poemas entremeados por muitas fotos captadas pelo próprio autor e por sua esposa, Patrícia Barbosa, e outras de arquivo.


II. Poeta de textos rápidos, instantâneos, fragmentários e, às vezes, simultâneos, Werneck é, no dizer do poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista W. J. Solha, autor do prefácio de O mar de outrora & poemas de agora, dono de um trabalho virtuosístico em cima da palavra. Solha cita como exemplo o poema “Fogalegre” em que Werneck brinca com o nome de Audrey Hepburn – happy, rap, help, burn –, tal como Shakespeare (1564-1616), 400 anos antes, pusera a sua assinatura em Antonio e Cleópatra, ao dizer que alguém, como um animal, shakes his ears.

Mais: compara-o, sem recorrer a hipérboles, a Guimarães Rosa (1908-1967), Millor Fernandes (1923-2012), James Joyce (1882-1941) e Ezra Pound (1885-1972). De fato, Werneck, depois de deglutir toda a experiência poética do século 20, é hoje um dos poucos poetas brasileiros capazes de recorrer a todas as formas possíveis de fazer versos para expressar o seu testemunho de um mundo desgovernado, pois a vida é breve/ tome lépido o leme e engrene/ torne-a leve/ não deixe que ela se apequene, como diz no poema “Lemeleve”. É o que se pode ver também em “23.10.13”, poema em que diz: hoje tenho setenta/ e de novo e sempre/ a vida me inventa/ aos setenta e a cada dia – vírus que me adentra – tomado sou pela poesia.

Como se percebe, o livro constitui o resultado do deslumbramento do poeta pela vida e um balanço de seus setenta anos, a partir da infância em Cataguases, a atração pelo mar tão distante, a vida errante pelo Rio de Janeiro, Bahia e as viagens pelo mundo: Paris, Nova York e Barcelona, até o retorno a Cataguases na idade madura.


III. Cataguases é também homenageada em Cataminas pomba & outros rios, com o poeta recuperando na memória pedaços de sua infância, figuras marcantes de Cataguases, tipos populares, os seus familiares, seus amigos, como observou Manuel das Neves (1914-1999) em prefácio que escreveu em 1977 para Pomba Poema, livro-gênese deste. Como resumo, bastam as palavras deste poema:

(...) nada vale nadacom algemas

pois a palavra é poesia

e a poesia morreu

são cibernéticos os contatos

dos homens com os homens

e dos homens com as coisas

mas nos lados de santa rita

lá entre djaniras lá

entre faculdades

orfanatos lá

em meio ao paço centenário

lá entre marciers encobertos

lá entre andorinhas suspeitas lá

a sé velha bate que bate

diz o vate guilhermino

homenino diz-que lá

a poesia chegará

os verdes fordes gêmeos do ascânio

se transmutam

se debruçam

ainda como gerânios

e levam

 upa!

o mesmo sonho na garupa

e trotam belos galgos fidalgos

amarelos burros bucólicos

burricos borrando o

município (...)

Ninguém definiu tão bem a poesia de Werneck quanto o
professor Fábio Lucas, igualmente de alma mineira, para quem só se pode entrar neste livro “como quem ingressa num sonho, puxado por um rio sem foz”. Para ele, Werneck sempre levou em suas lembranças Cataguases, ainda que tenha percorrido o mundo: “Onde quer que tenha estado o poeta, corria no seu íntimo o rio de Minas”. Melhor definição, impossível.

NOTA 
Ronaldo Werneck é jornalista, poeta, ensaísta, tradutor crítico de literatura, cinema e artes plásticas.

NOTA 
Cataminas pomba & outros rios poemas, de Ronaldo Werneck. São Paulo: Dobra Editorial, 268 págs.,2012. 
O mar de outrora & poemas de agora, de Ronaldo Werneck. Belo Horizonte: Anome Livros, 176 págs., 2014.

Adelto Gonçalves
doutor em Literatura Portuguesa (USP)
Texto na Publicação Impressa.
(Clique na imagem para ampliar)

2 comentários:

Luthero Maynard disse...

Resenha de um mestre para um excepcional poeta brasileiro.

Joaquim Branco disse...

Excelente matéria sobre a poesia de Ronaldo Werneck.