Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada
É dia claro quando chego ao hotel na Paraíba. Venho da Cidade do Cinema montada na Usina Cultural Saelpa, de João Pessoa. Mais uma noite em (preto e) branco a digitar e editar textos para o jornal eletrônico do Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, o “Cineport na Tela”. Nove e meia da matina e caio na cama, exausto de lutar com palavras noite aforadentro.
Ligo a tevê só pra ver. Pra ver se durmo. Mas minha
atenção é despertada por um documentário finlandês num canal a cabo, “
Um mundo de silêncio e perplexidade. As sequelas da
guerra da Chechênia vistas pelos pequenos grandes olhos de meninos russos na
Academia Militar de Kronstadt. Parecem atores-personagens, tal a força
dramática dessa pequena gente de carne e osso e amargura. As panorâmicas, a
madrugada sanguínea (palavra certa) e fresca sobre as montanhas – tudo lembra
pombas e céu escarlate e Raimundo Correa:
E à tarde,
quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
O cavalo na bruma. Os silêncios. Os travellings
verticais belíssimos. Construir um
filme. Câmera fechada sobre o silêncio. Sobre o pequeno Aslam, 11 anos, o
menino estuprado pelos soldados russos. Close em Adam, 12 anos, que perdeu o
pai. Em Milana, 19 anos, estuprada aos 13. Câmera ainda em close sobre Milana,
agora abraçada à irmã Kiki, de uns dois anos. Silêncio constrangedor. Milana
começa a rezar: “Salva-me da vergonha, meu Deus, bendiga todos os órfãos, ouça
minha prece, salva-me da vergonha!”.
Também dos
corações onde abotoam,Os sonhos, um por um, céleres voam,Como voam as pombas dos pombais
A câmera em close sobre os dedos dos meninos. Dos
pés, das mãos, desses dedos de crianças que se espreguiçam num acordar para o
nada. Choro matinal. Um galo canta ao longe. Um jato risca o céu vermelho. Ao
ouvir o barulho, os “olhos estuprados” de Aslam são puro estupor, puro medo e
apreensão. Silêncio.
Também dos
corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais
4 comentários:
Não conheço esse filme. Vou atrás.
QUERIDO AMIGO OS SEOS OLHARES POETICO TAM SUTIO ME EMOCIONAM E ME LEVAM NO BELO TEMPO DO FESTIVAL DE CINEMA NO RIO ONDE NOS SE CONHECEMOS ……. NESTE MOMENTOS ESTO SEGUINDO O TERZERO FESTIVAL DE CINEMA QUE PASSA EM SANTARCANGELO “ TERRA DE TONINO GUERRA” PORCISSO È CHAMADO DE “OS LUGARES DA ALMA”……. ESTO TE FALANDO ESATAMENTE DESTE PORQUE VOCE È UM POETA QUE REFLETE TAMBEM A ALMA E OS LUGARES……. ENTAM EU LHE PERGUNTO……. QUAL È O SEO LUGAR DA ALMA? ACHO DE SABER QUAL È…… MAS ESPERO SUA RESPOSTA…… GRATA COM CARINHO E SAUDADE SUA AMIGA MARIA ANDREA 🐟❤️
Ronaldo, indiscutivelmente, você é Top. Brinca e dimina as palavras.
...Domina as palavras.
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