Neste
cinepoema, a poesia vive uma odisseia no espaço. “Selva
Selvaggia” não
é o título de mais um livro de poesias, mas sim o nome de
um cine-poema. O roteirista e diretor extraiu o argumento desta edição de fatos
vivenciados por ele mesmo no eixo Minas-Bahia-Rio, entre 1962-1975, e de
“outros lidos, vistos, consumidos – pelo telstar, pela tv, pelo cinematógrafo”.
Para Glauber Rocha, um filme não é arquitetura de efeitos, mas expressão visual de
problemas. Talvez esteja nestas palavras de Glauber a explicação para a
proposta poética de Ronaldo, que sem dúvida alguma suou e sofreu para compor
seu poema – “na rua, na cama, no teclado da máquina, subitamente dentro de um
cinema”. Com uma primeira montagem de “Selva Selvaggia” (com 66 takes de certa forma mantidos ou
reestruturados nesta montagem atual), o autor foi premiado em 1970 pela União Brasileira de Escritores.
Teve outras premiações – na primeira promoção de poesia na Guanabara, no primeiro e segundo festival de poesia de Pirapora (neste último recebeu o prêmio “Carlos Drummond de Andrade”). Ronaldo Werneck é um poeta “amadurecido” em barris de carvalho. Seu poema é uma dose dupla de batida de limão misturada com muitos copos de cerveja, duas vodcas e vários uísques.
A quem brinda? A Oswald de Andrade,
Fellini, Mallarmé, Jorge de Lima, Mário Faustino, João Cabral, Maiakóvski,
Camões, e.e. cummings e muitos outros. O que brinda o poeta? A palavra e o
homem. Em “Selva
Selvaggia”,
o leitor-espectador encontrará
dez sequências, e a primeira
abre a cena com o poeta refletindo sobre seu ofício: procurando estruturar os elementos necessários para a cine-viagem, através das palavras, imagens, espaços em
branco.
Vejamos o poema “Três haicais à la
carte”: 1) os brancos impressos/ entre as letras são tetas/ leite submerso. 2)
pedra sal e sonho/ apreender com o corpo/ sol cotidiano. 3) do amor não a/
prendeu a tonalidade/ar e amar´elo”.
Notam-se influências joycenas – pelas
associações sonoras – e de cummings – pela desintegração das palavras. Infelizmente não posso reproduzir aqui os melhores
exemplos de total libertação,
como acontece nos poemas “Telstar”, “2001 – o espaço poético”, “Canção
da espera”, “Réu´p”, Full-time”, “Pranto-socorro” e outros em que as palavras
se agrupam coerentemente e se estruturam formando mosaicos visuais e fragmentos
sonoros.
O poeta encerra a sequência cinco com o
poema-processo “Pop/lar” – um poema eletrodoméstico social, em que aparece uma página de jornal
anunciando uma liquidação de geladeiras, aparelhos de tv, liquidificadores,
fogões, bicicletas, enceradeiras. Na mesma página, a notícia – “O mundo é macio
e perigoso” – é o título do poema-texto, que tem como ilustrações fotografias
de pessoas rindo e correndo de felicidade. Neste poema-texto Ronaldo mostra em
versos como vê a realidade social deste mundo macio e perigoso. – “Uma canção
de espera/ uma canção de esperança/ ancião/ ânsia/ canção/ anunciação/
retribuição/ risos/ grunhidos/ febre/ vômito/ de esperança/ é o mundo/ que te
anuncio”.
Num total de 86 poemas, “Selva Selvaggia” é um desabafo de seu autor, refletido em uma boa dose
de sentimentalismo poético,
misturado com muita poesia concreta e alguns poemas-processo.
Affonso Romano de Santana
Revista Veja, São
Paulo, maio de 1976
4 comentários:
Ronaldo nos convida a ver.
Que espetáculo!!!
Só del Poeta Affonso Romano de Santana podiam brotar tão acertados conceitos. Parabéms!!
Quando o crítico casa com o poeta como no caso de Affonso Romano as palavras brotam em perfeita síntese de sons e cores, significados e sentimentos. Parabéns Ronaldo Werneck por ter inspirado e nos ter propiciado esta dádiva.
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