A seguir, a terceira parte da entrevista de Rosário Fusco que eu e Joaquim Branco fizemos pro Pasquim em 1976.
O ESCRITOR BRASILEIRO É UM SUPERCAMELO
PASQUIM – Quais os melhores poetas e romancistas brasileiros?
FUSCO – Todos os que pertenceram ou pertencem às Academias de Letras do país, da nacional às municipais, passando pelas estaduais, inclusive o endiabrado mulato que fundou a Academia (nordestina) de Letras.
PASQUIM – O que mais te impressionou em tuas andanças por Paris, além de ter dado “solene regada no Sena” como nos disse certa vez?
FUSCO – Os legumes daqui (de Paris) têm um cheiro, um suco (abundantíssimo) e um sabor desconhecido para nós. Excusez-moi du peu, mas foi o que mais me impressionou, até agora, na França: porque homens, mulheres, crianças, casa e lugares públicos – café, bares, cinemas, restaurantes, teatros, metrô, ônibus – cheiram mal. Qualquer coisa ardida, entre melão pobre temperado com vinagre e algo de açúcar de beterraba: um horror para o meu afro-nariz, sensível ao micro-cheiro. A vida literária francesa é tão suja quanto a brasileira (os homens são iguais em toda parte, pudera) e os grandes nomes daqui só são grandes nomes aí. J’ai touché Montherlant, Cocteau. Duhamel, Céline (80 anos sem tomar banho) e outros cretinos iguais aos nossos nacionais medalhões. Louis-Férdinand-Céline não concebe (vive miseravelmente, sustentado pela jovem mulher – 30 anos, no máximo – professora de dança) que ele só possa vender 30.000 exemplares de um seu romance qualquer, quando o secretário de Brigitte Bardot vende 300.000 de suas memórias só na chamada área parisiense. Mas é isso: ninguém vive de literatura. Os tipos que a praticam ou são ricos de pai e mãe (Montherlant, por exemplo, é nobre e capitalizado) ou são, de pai e mãe, paupérrimos. Uma lástima. Lástima ou pândega? Meu Deus, como tudo é igual, e a mesma coisa vem ser o inédito aleatório do existente (bonita frase e difícil de entender). Tradição e civilização, não é? Mas não haverá uma hierarquia nas “civilizações”? A França tem, no mínimo, 1.000 museus. Mas terá, no máximo 500 banheiros. E, por aí, vocês podem concluir a diferença entre a civilização e progresso. Acontece, ainda, que civilização é um estágio, um “momento” do progresso. Concluam, se quiserem. No bidê de Maria Antonieta, eu vi com meus olhos, está escrito – laissez venir à moi les petits enfants. Mme. de Montespin escreveu um tratado (300 páginas, composição corrida, cerrada, corpo 8 antigo) sobre a arte de tomar banho com um (sic) copo d’água. Luiz XV só tomou dois banhos: um quando nasceu e outro quando morreu – ou depois de morto. Os grandes museus falam de tudo, menos da autenticidade francesa. A elegância da mulher, aqui, é artigo de exportação: como a cultura, a ciência, a água de cheiro, a indumentária e o resto. No Brasil, a gente gasta um dia inteiro para achar uma feia. Em Paris, vocês gastarão meses para encontrar uma bonita. E as que se podem chamar de “boas” (no argot brasileiro) em geral vieram... da América do Sul. O francês médio é de uma burrice espetacular (não sei se já lhes falei isso) e o culto, ora, o culto não vale o nosso “meio” cultivado. Qualquer anedota de português (como somos injustos com os portugueses) você poderá aplicar, sem susto, ao francês: será sempre exata, justa, correta, adequada e... verdadeira. Para arranjar divisas, o austero De Gaulle chegou a permitir a impressão de selos (não consegui um exemplar, tal a procura universal filatélica) da Brigitte Bardot com o derrière exposto ao vento: voilà.
FUSCO – Todos os que pertenceram ou pertencem às Academias de Letras do país, da nacional às municipais, passando pelas estaduais, inclusive o endiabrado mulato que fundou a Academia (nordestina) de Letras.
PASQUIM – O que mais te impressionou em tuas andanças por Paris, além de ter dado “solene regada no Sena” como nos disse certa vez?
FUSCO – Os legumes daqui (de Paris) têm um cheiro, um suco (abundantíssimo) e um sabor desconhecido para nós. Excusez-moi du peu, mas foi o que mais me impressionou, até agora, na França: porque homens, mulheres, crianças, casa e lugares públicos – café, bares, cinemas, restaurantes, teatros, metrô, ônibus – cheiram mal. Qualquer coisa ardida, entre melão pobre temperado com vinagre e algo de açúcar de beterraba: um horror para o meu afro-nariz, sensível ao micro-cheiro. A vida literária francesa é tão suja quanto a brasileira (os homens são iguais em toda parte, pudera) e os grandes nomes daqui só são grandes nomes aí. J’ai touché Montherlant, Cocteau. Duhamel, Céline (80 anos sem tomar banho) e outros cretinos iguais aos nossos nacionais medalhões. Louis-Férdinand-Céline não concebe (vive miseravelmente, sustentado pela jovem mulher – 30 anos, no máximo – professora de dança) que ele só possa vender 30.000 exemplares de um seu romance qualquer, quando o secretário de Brigitte Bardot vende 300.000 de suas memórias só na chamada área parisiense. Mas é isso: ninguém vive de literatura. Os tipos que a praticam ou são ricos de pai e mãe (Montherlant, por exemplo, é nobre e capitalizado) ou são, de pai e mãe, paupérrimos. Uma lástima. Lástima ou pândega? Meu Deus, como tudo é igual, e a mesma coisa vem ser o inédito aleatório do existente (bonita frase e difícil de entender). Tradição e civilização, não é? Mas não haverá uma hierarquia nas “civilizações”? A França tem, no mínimo, 1.000 museus. Mas terá, no máximo 500 banheiros. E, por aí, vocês podem concluir a diferença entre a civilização e progresso. Acontece, ainda, que civilização é um estágio, um “momento” do progresso. Concluam, se quiserem. No bidê de Maria Antonieta, eu vi com meus olhos, está escrito – laissez venir à moi les petits enfants. Mme. de Montespin escreveu um tratado (300 páginas, composição corrida, cerrada, corpo 8 antigo) sobre a arte de tomar banho com um (sic) copo d’água. Luiz XV só tomou dois banhos: um quando nasceu e outro quando morreu – ou depois de morto. Os grandes museus falam de tudo, menos da autenticidade francesa. A elegância da mulher, aqui, é artigo de exportação: como a cultura, a ciência, a água de cheiro, a indumentária e o resto. No Brasil, a gente gasta um dia inteiro para achar uma feia. Em Paris, vocês gastarão meses para encontrar uma bonita. E as que se podem chamar de “boas” (no argot brasileiro) em geral vieram... da América do Sul. O francês médio é de uma burrice espetacular (não sei se já lhes falei isso) e o culto, ora, o culto não vale o nosso “meio” cultivado. Qualquer anedota de português (como somos injustos com os portugueses) você poderá aplicar, sem susto, ao francês: será sempre exata, justa, correta, adequada e... verdadeira. Para arranjar divisas, o austero De Gaulle chegou a permitir a impressão de selos (não consegui um exemplar, tal a procura universal filatélica) da Brigitte Bardot com o derrière exposto ao vento: voilà.
PASQUIM – O que você acha da “onda estruturalista” que afoga o ensino de literatura nas universidades?
FUSCO – Quando um sujeito, depois de massudo arrazoado sobre um tema “esférico”, já em si e por si difícil, vem com um “o que eu quero dizer é o seguinte”, fazendo o exegeta de si mesmo, o que ele vier a dizer será mais confuso ainda. O negócio é aquilo do vosso Compadre Boileau: “o que se pensa com clareza, com clareza se enuncia”. Um professor de história literária – a literatura é um processo – que se apega a minúcias filatelistas, devia colecionar caixinhas de fósforo e não datinhas que nada significam. O romantismo começou com os Suspiros Poéticos e Saudades? Por quê? A história das letras no Brasil começa com a carta de Pero Vaz? Por quê? A periodologia é coisa de professor universitário e só voga nos compêndios, para provar que a história é uma invenção privada de quem a faz. Cada vez entendo menos essa sucessão de equívocos (estruturalistas, para empregar a palavra da moda) envolvendo e moendo pessoas. Dar nome aos bois não lhes muda a essência ou natureza. Daí a precariedade dos ismos. Basta a comemoração dos gritos que nos entulham os ouvidos: do “Fico” de Pedro I ao “Eu vou” do falecido Getúlio Vargas.
PASQUIM – A cultura, a civilização, o caos dos mass-media, o que pensa Rosário Fusco dessa confuzione toda?
FUSCO – O audiovisual das comunicações cotidianas desmoralizou o mistério das terras e das gentes. Cartões postais, slides, livros e discos desmoralizam, hoje o conceito de cultura. Num excelente artigo no Le Monde, Ionesco perguntava o que é cultura. Se eu o tivesse en face eu diria cultura, sua besta, é informação. Mas informação metabolizada e não apenas codificada em termos de computador (máquina que guarda sem sentir). A poesia “progride” em nós ou fora de nós? É um tema de estética. E em estética o óbvio sempre precisa ser demonstrado. O eterno é o moderno... com apelidos episódicos. Não se modifica o que o grande Barbudo (no alto não há gilete... ou há?) criou. O resto não é apenas o silencio do nosso Shakespeare, mas o elenco de words, words, words, no dito ameno. Não acredito muito no próximo, mas no próspero.
PASQUIM – O que diz Rosário Fusco sobre Rosário Fusco?
FUSCO – Desse, posso testemunhar sem a pecha de suspeito. Se nada fez que prestasse, até agora, daqui por diante (pra lá dos sessenta – sexappealgenário, como diria o Oswald) nada fará. Com a velhice chegando, estou virando objeto de anedota: sujeito, objeto e (ou) a própria. Outro dia – saiu numa coluna de jornal – me “viram” ou ouviram cantando tango no Zum-Zum. Como gozação, é o máximo. Minha postura permanente é a do Cristo no Corcovado – braços abertos... o que não impede que, de estalo, eu resolva cruzá-los para uma ruidosa e federal banana. A biografia de Rosário Fusco? Quá, quá, quá: homem comum não tem biografia – sobrenada no mar existencial e já é muito. Não o lamentem, por favor. O homem está em estado de dentadura postiça e já não pode rir como antes ria de fazer inveja ao Newton Braga. Mais alguma coisa? Gracias, já estou intoxicado. Vou tomar um necroton. Et voilà!
PASQUIM – O que diz Rosário Fusco sobre Rosário Fusco?
FUSCO – Desse, posso testemunhar sem a pecha de suspeito. Se nada fez que prestasse, até agora, daqui por diante (pra lá dos sessenta – sexappealgenário, como diria o Oswald) nada fará. Com a velhice chegando, estou virando objeto de anedota: sujeito, objeto e (ou) a própria. Outro dia – saiu numa coluna de jornal – me “viram” ou ouviram cantando tango no Zum-Zum. Como gozação, é o máximo. Minha postura permanente é a do Cristo no Corcovado – braços abertos... o que não impede que, de estalo, eu resolva cruzá-los para uma ruidosa e federal banana. A biografia de Rosário Fusco? Quá, quá, quá: homem comum não tem biografia – sobrenada no mar existencial e já é muito. Não o lamentem, por favor. O homem está em estado de dentadura postiça e já não pode rir como antes ria de fazer inveja ao Newton Braga. Mais alguma coisa? Gracias, já estou intoxicado. Vou tomar um necroton. Et voilà!
Continua na próxima semana
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