20 de abr. de 2016

Fusco no Pasquim 6: Rilke, Rosa, CDA & etc

Finalizando a série de crônicas sobre a entrevista de Rosário Fusco que eu e Joaquim Branco fizemos pro Pasquim em 1976, encontram-se a seguir – e provocadas por nós – algumas das “tiradas fuscais” sobre escritores daqui e dalhures. Semana que vem, como bônus, vamos publicar “Edital de Demissão e Ponto”, o poema “impublicável”, que nem mesmo o Pasquim publicou.   


ALGUNS MEDALHÕES LITERÁRIOS BY FUSCO  

Rosário Fusco: “A regra é considerar ressentida a opinião de um autor sobre outro, outros, principalmente num país em que os leitores são mais autores do que os próprios. Procurem entender. Posso discutir uma ideia: não posso discutir uma afinidade, cujos implicações têm raízes num modo que a lógica desconhece. Em homenagem a vocês, corro o risco de pensar em voz alta, com a lista na mão”.   



GUIMARÂES ROSA – Hábil inventor de palavras: inventor ou restaurador? Numa carta ao seu tradutor alemão, confessou que seu ideal seria escrever nesse idioma, por lhe permitir as mais imprevistas combinações vocabulares. Essa renúncia potencial à língua de origem delata a ambição do candidato à posição de executivo universal de um tempo de romance. Nenhum reparo à determinação: disse-o a ele, quando vivo, cara a cara, muito tempo depois de eu ter escrito sobre Sagarana. Acontece que não creio nos inovadores conscientes. O sucesso de Guimarães Rosa – sempre justificável – é o sucesso do autor difícil daqui ou dalhures. Entre os dalhures, não citarei o sovado Joyce: mas Raymond Russel. Foi um artesão diabólico, maior do que o cordisburguense. Esvaziou-se a ponto de poucos saberem que existiu. Como o nosso patrício se esvaziará, quando a safra de seus pressurosos exegetas não dispuser de mais chaves para abrir portas abertas. Todos querem explicar o escritor: do homem de laboratório ao homem de rua. A obra vai-se alargando, alargando. Um dia, descobrirão alarmados que a leitura de imaginação não é só feita de palavras. Mas sobretudo do concurso de experiências inconscientes que, no ato criador, explodem: aquém ou além da vontade do ajustador de curiosidades verbais às situações que ele se propõe a manipular, sem conhecê-las. Mas até lá (a rosa de Malherbe pode durar um dia ou um século), Guimarães Rosa será lido, discutido, “compreendido” seus neologismos se incorporarão à linguagem corrente, como os aportados pela psicanálise, por exemplo. Alguém em conversa, dirá que sofre do “complexo de Rosa” outro indagará: “Que Rosa?”. Pronta explicação: “da rosa, uai.” É a glória. De passagem: já leram o super-erudito prefácio da tradução francesa do Buriti?  

   
CARLOS DRUMMOND – É o meu poeta, o nosso poeta nacional. Pena a sua repentina, prematura, impermeabilização às louvações, menores, triviais, esquecido do vita brevis, com ou sem ars longa. Em Santo Antônio do Monte (informações do teatrólogo Alexandrino de Souto, a segunda pessoa mais importante nascida na terra, depois de Magalhães Pinto) já distribuem, para marcar livros, a efígie do vate em tiras de cartolina. Recusou o prêmio maior da Academia (nordestina) de Letras. Recusou uma cadeira na dita. Numa cadeira de balanço (leia-se Freud) à espera da vontade de fumar. Toujours fidèle à Nobel. O diabo é que, nesta altura, Jorge Amado já esteve em Estocolmo, para os devidos fins. O diabo é que ir à Canossa não é bossa de mineiro: que ela venha a ele primeiro. Não importa: um dia (certíssimo) Itabira se chamará CDA. Então, os chefes de trens em trânsito, na parada do desvio, gritarão: “CDA, CDA... cinco minutos pro café“. É o Nobel ferroviário: a gloria que fica, honrada e, talvez, acabe consolando. Em termos de ferro, de orgulho e de cabeça baixa.   

FERREIRA GULLAR & DÉCIO PIGNATARI – Só os conheço de ouvido, através de percussões não identificados, vindas daqui e dali. Como percebem, sou um sujeito “por fora”.  

AUGUSTO & HAROLDO DE CAMPOS – Os concretistas de São Paulo só agora descobriram o espaço semântico de Mallarmé, modismo mais velho do que a Sé do Braga, também por ele copiado de bardos (que beleza de palavra) medievais, quando falavam ou escreviam. Não se renova por fora, mas por dentro. 

MALLARMÉ – Interessa mais a vocês, poetas-processo, processualistas (foram, ou continuam?), do que a mim. A teoria do espaço semântico, que ele insinuou, é o alpiste dos que se engasgaram com os dados de 1897 (data da publicação do poema Un Coup de Dés). Os canoros pássaros de hoje já comem affiches: comida de mais fácil ingestão e... digestão quase feita. 

FERNANDO PESSOA – Um chato em e com inumeráveis pseudônimos. Deve sua permanência aos exegetas, aos adidos culturais portugueses, às puxações ingênuas dos poetas provinciais, que não puderam ir além do meu prezado Emílio Moura.  

DALTON TREVISAN – Alquimista dos fatos diversos que, pachorrentamente, trasmuda em pílulas (textos) acridoces, bem licopodiados. Um Nelson Rodrigues (“A vida como ela é”) com melhor dramática e senso de densidade dos corpos (personagens e situações): às vezes estranhas, às vezes, manjadas.

GRACILIANO RAMOS – Foi uma das minhas debilidades literárias, do rol das confessáveis. 

MURILO MENDES – Na minha opinião é maior do que o Carlos: ele inventou no Brasil o que faria a glória de Dylan Thomas e do Cummings, acho que muito depois. Antes ou depois ele fez aqui o que eu chamaria de poedrama, a poesia de situações, que os idiotas começaram depois do Poema Patético (cito este como poderia citar O Caso do Vestido etc) do Drummond. Depois, o onírico em Murilo não precisa de chaves nem de exegetas para utilizálas. Ele sempre viveu estados poéticos, mais sensíveis do que experimentais, o que revela sua genialidade: capacidade constitucional de inventar sem a preocupação de.

MÁRIO DE ANDRADE – Um grande, profuso e torrencial correspondente. (Fusco tem em sua casa “quilos” de cartas enviadas por ele.) Mas suas famosas cartas não dizem o que ele dizia. Quanto a Macunaíma (que o indianista Nunes Pereira poderia ter escrito, dispondo de iguais “fundamentos”) é muito melhor na versão cinematográfica do Joaquim Pedro de Andrade.

FELIPE DE OLIVEIRA – Sócio de um laboratório de produtos farmacêuticos. Nas horas vagas, acendia lanternas verdes em louvor de Orfeu. Não sei se ainda existe uma fundação com o seu nome. Distribuía prêmios literários entre escritores ameaçados de despejo por falta de pagamento. 

GRAÇA ARANHA – Especialista em escrever sobre assuntos dos quais não pescava neca: filosofia, estética... etcétera. Quando seu amigo Tristão de Athayde “interrompeu” sua Viagem Maravilhosa (romance de uma Teresa mais germânica do que tropical), teve duas ameaças sucessivas de enfarte, nos altos de um apartamento da comportada Cinelândia dos bons tempos. Nome de avenida.

RONALD DE CARVALHO – Suplente de Graça Aranha. Nome de rua. 

RIBEIRO COUTO – Não o li para guardar, não o pratiquei pessoalmente: correspondi-me com ele. Era o símbolo do “homem cordial” para Odylo Costa (filho) e Peregrino Júnior, por sua vez, dois homens cordiais. Mas por isso nada tem a ver com a literatura.

GUILHERME DE ALMEIDA – Versejava bem. O JG do seu tempo, guardadas as proporções a favor do paulista. 

ADELINO MAGALHÃES – Tipo do chamado homem de bem. Para Paulo Armando e outros moços “precursor de tudo”, inclusive de boa vizinhança em Santa Tereza.

TASSO DA SILVEIRA – Puxa a lista dos injustiçados de ontem e de hoje, de Eloy Pontes a Francisco Karam. 

RILKE – Tinha tantas perebas psicossomáticas que nem Rodin conseguiu descascá-las a cinzel. 

RIMBAUD – Um mito (aliás, minuciosamente desmontado pelo professor Etiemble) cada vez mais acariciado pelos jovens da poderosa confraria de Verlaine.

OSWALD DE ANDRADE – Morreu de talento... É a urna de cinzas detergentes do modernismo.   

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