Como bônus à série de crônicas sobre a entrevista de Rosário Fusco que eu e Joaquim Branco fizemos pro Pasquim em 1976, encontra-se a seguir o famigerado e “impublicável” (pelo menos na época da entrevista) poema “Edital de Demissão e Ponto”, que pertence ao livro de poemas inédito “Creme de Pérolas”.
Edital de Demissão e Ponto
Entre suas pernas...
se avança o céu dessa
estranha boca,
pálida e rosa, feito a
concha marinha
Mallarmé
... És como a hóstia consagrada no altar:
realçada por um corte ritual
escarlate
Saint-John
Perse
Meu caro poeta:
meta
a lira no cu
(mesmo que doa)
e vê se te aquieta.
O mundo mudou tanto que
amanhã
a lua será lixeira, à toa,
privada e
refúgio da terra
emudecida,
seu Orfeu.
Erra,
quem pensa
que as palavras
valem
hoje em dia
— pois a palavra
é poesia
e a poesia
morreu.
São cibernéticos
os contatos
dos homens com
os homens
e dos homens com
as coisas.
Números.
Mede-se a
gestação do feto
pelo reto,
como se mede o tempo da trepada
ou da correspondente dor de corno
oriunda
de vero pendor
por bunda ou
impossibilidades tais:
mula/ cistite/ colicistite/ cálculos renais
brochura/ ou câncer/ou cancro no pau.
Nada vale nada com algemas,
e os filhos das
pílulas,
feitos ou
desfeitos pelas ditas,
são tão filhos
da puta que
dispensam
o pai/ a mãe/ o irmão/ a irmã/a tia
o tio/os avós/ os vizinhos/ amigos
compadres/comadres/parentes
ou conhecidos gerais, mas,
sobretudo
o teu gorgeio
inútil,
de inusitados
sons concretos,
montagens de
ruídos antissemânticos.
Só que
o morcego recebe
o ar
dos cosmonautas
...mas sem piar.
Não é possível mais cantar:
o canto entope,
engasga e sufoca.
Radar.
A poesia do
cosmo chega em vibrações secretas
do telstar:
omite
e
demite poetas.
Não tens mais,
como ofício ou
serviço,
do que captá-la
ou emiti-la pelo(a)
suor/ hálito/ saliva/ mijo/ bosta
soluço/ suspiro/ riso/ porra
lágrima/ masturbações/ peido
mau pensamento
ou arroto na
escala das afecções
ou de orduras
exportáveis:
do corpo
e da alma.
Não sê mais
escroto
ó cantor do
perecível
e limitado
– pelo quadrado
sem
raiz
do mundo em liquidação.
Nas futuras
próximas galáxias
a ser defloradas
e já quase ao
alcance de tuas mãos
veremos,
prezado,
se ainda terás
vez.
Não havendo mais
segredo,
Dona Inês.
Nem mistério,
nem flor de
verdade,
és a pura e
simples terceira matéria
metida a sebo no
planeta formi-plástico
até que a quarta
te destrua
no quarto ou no
refúgio anti-aéreo
bomba
aguardando a
sexta
feira aziaga ou a
cesta
em que Deus,
puto da vida,
no mindinho
globo celestial
pra refugá-lo no
grenier:
voilá.
Por inútil
fútil
inconsútil
uma vez que és à
semelhança dele...
— de araque,
sua besta.
Se cantas empós
de boceta,
ou a fim de
punheta,
faz um filho na
proveta:
porque, verso,
qualquer robô já
faz.
Zipe na boca,
rapaz,
— não poetisa
mais.
Repito:
— meta a viola
no saco,
se é que inda tens saco
ou gana de meter
(do verbo enfiar
algo em algum lugar).
Pois-pois
meta em ti mesmo
o
resto de pica
que tiveres,
se tiveres,
na boca,
no cu
ou nos dois.
Depois...
silencia.
Passarinho atolado na merda
não janta:
— nem canta.
Rosário Fusco
De Creme de Pérolas,
1972 (inédito)
Nenhum comentário:
Postar um comentário