O olhar de Wlademir Dias-Pino
Ronaldo
Werneck
ave
ave ave
ave ave ave
ave voo
voo
voo ave
voo ave ave
voo ave ave ave
ave vae
vae
A
importância de 1956 para a história da literatura brasileira pode ser
registrada mediante três episódios capitais: o lançamento da poesia concreta, a
publicação de Grande sertão: Veredas e o surgimento de A ave, de Wlademir
Dias-Pino, livro que se liga(va) às virtualidades gráficas e verbo-visuais do
concretismo, mas que apontava para um desdobrar novo nas aventuras composicionais
da própria poesia concreta.
Moacy Cirne in Revista
Vozes, 1972
Ex-FACHA/Ex-CCBB
Entre os anos
1990 e 1995, fui Assessor de Imprensa e Editor de Textos do CCBB – e para mim
não deixa de ser emocionante participar, depois de mais de 20 anos, de um
evento neste belo prédio que eu tanto conheço. Principalmente por também se
tratar de um projeto promovido pela FACHA, faculdade onde estudei jornalismo na
década de 1970.
Quando aqui
trabalhei, havia um poeta barbudo e de longos cabelos à la hippie, um quase
demiurgo, que resolveu montar ”seu escritório” ali nas escadas do Foyer, ao
lado do Teatro I. De repente, para espanto da direção do CCBB, ele passou a ter
vários seguidores, quase diria epígonos.
Um dia sentei-me
ao seu lado na escada e ele me disse chamar-se “Ex-Kosta K”. Não simplesmente Kosta K, mas “Ex-Kosta K”. Uma
negação que se transforma e afirma. E firma e se reafirma formidável. Para surpresa
minha, ele falava de Maiakóvski, Concretismo, Poema Processo. Ficamos amigos e
quase-quase também virei um de seus epígonos. Nunca mais o vi, nunca mais o
esqueci. Também, pudera, o “Ex-Kosta K” era primeiro e único. Agora e então,
aqui e agora, sou eu quem percebo ter também me transformado em Ex. Ex-FACHA,
Ex-CCBB, Ex-Roneck.
Para esta
mesa-redonda – com a presença do poeta Sady Bianchin, professor de
artes da Facha-Faculdades Integradas Hélio Alonso, e criador de “Um Rio de
Versos”, agora em sua nona edição; do poeta Tchello d´Barros, curador da mostra
Imagética; e de Regina Pouchain, poeta e artista visual – fui designado a dizer
algumas palavras sobre um dos pioneiros do poema visual e meu amigo de longa
data, o poeta Wlademir Dias-Pino, que se encontra aqui ao meu lado,
Wlademir Infinito
Aos
90 anos, Wlademir é finalmente reconhecido como o enorme poeta e artista
plástico que é, o que vem acontecendo desde sua grande exposição “O Poema
Infinito”, que no ano passado ocupou todo um andar do MAR, o Museu de Arte do
Rio, e pelo Prêmio Faz Diferença 2016, recebido do jornal O Globo na categoria
artes plásticas.
A exposição no MAR tomou como eixo
central quatro poemas: “O dia da cidade”, “Ave”, “Solida” e “Numéricos”.
Visando ampliar a experiência sensorial dos trabalhos, esses livros-poemas
foram transformados em grandes instalações magnéticas, nas quais os elementos
eram construídos e rearranjados pelos visitantes.
Outro
destaque foi a Enciclopédia Visual Brasileira, na qual o artista vem
trabalhando nas últimas duas décadas. Composto por 1001 volumes, o trabalho
pretende apresentar, por meio de pranchas resultantes da montagem alegórica de
referências culturais diversas, a história da construção da imagem no mundo.
Falar em mundo, Wlademir é um mundo habitado pelo pensador visual que traz dentro de
si. Um artista multifário: vitrinista, tipógrafo, designer gráfico,
poeta-professor, poeta-inventor, na classificação de Ezra Pound. Para Antonio
Houaiss, “um dos mais perspicazes pesquisadores visuais no Brasil". Para o
crítico Assis Brasil, “Wlademir Dias-Pino é o poeta mais independente na área
da poesia experimental”.
Então,
dada a grandeza da tarefa, e se me permitis, permitir-me-ei ler (como já venho
fazendo, e com as velhas mesóclises ora em voga) algumas palavras minhas, de
outros, e até do próprio poeta e de seu pensar sobre os caminhos do poema.
Mas antes vamos a
uma pequena digressão, que tem a ver com o Poema Processo, movimento que ele
fundou ao lado dos poetas Moacy Cirne,
Álvaro e Neide Sá, seus maiores expoentes.
Libertarde
Meu poema
“Libertarde”, que está exposto aqui, na mostra Imagética, foi realizado neste
prédio há cerca de 50 anos. Eu trabalhava na Supla, a Superintendência de
Planejamento do BB, no terceiro andar. Eram tempos da repressão, embora menos
severa do que a que viria no ano seguinte, com o AI-5. Num intervalo do
trabalho, comecei a pensar na bandeira de Minas, naquele “Libertas quae sera
tamen” envolvendo o triângulo vermelho.
Troquei o dito em
Latim (que o poeta-menino Vinicius de Moraes lia como “Libertas que será
também”, e nada entendia) por um círculo envolvendo um pequeno triângulo. Aos
poucos, o triângulo crescia e já tangenciava o círculo e logo dava o que na
minha desvairada cabeça seria um dialético salto qualitativo – até que cercasse
o círculo, ultrapassasse totalmente a “prisão” por ele representada. O título “Libertarde”
surgiu da junção do “Liberdade” com o “ainda que tardia”.
Wlademir Dias-Pino
com a palavra: “Programas que visem a tornar o computador cada vez mais capaz
de produzir pinturas, desenhos, sinfonias e textos (aleatórios ou figurativos),
reduzem as próprias possibilidades que a eletrônica oferece na pesquisa de
vanguarda. É a tentativa de igualar (substituir de modo snob) o computador ao pincel, ao lápis, ao piano e ao dicionário. O
uso contínuo de um instrumento torna-o extensão do homem: ´o lápis é a ponta
grafitada de seu dedo´. Daí a individualidade do desenho”.
Interessante
registrar que “Libertarde” foi inicialmente produzido em minha mesa de
trabalho, com o auxílio de uma moeda (de onde saiu o círculo), um lápis (olha o
lápis do Wlademir aí!) e o livro de instruções circulares do BB, que me ajudou
a traçar o triângulo. Mais que uma época pré-digital, aquele foi um momento sem
régua ou compasso. Aliás, se a Bahia deu a Gil régua e compasso, o Banco do
Brasil pouco me ofereceu para a realização do poema, fora o livro-esquadro. Bem,
na verdade esta não é certamente função de bancos.
Era realmente um
tempo pioneiro, artesanal. O poema foi publicado pela primeira vez em livro, em
1972 na obra “Processo: Linguagem e Comunicação”, do próprio Wlademir. No ano
seguinte, sairia no Jornal da Poesia, no Caderno B, editado por Affonso Romano
de SantAnna, com direito a chamada de capa no então poderoso Jornal do Brasil. Logo,
seguiria mundo, publicado em jornais, livros e revista, daqui e do exterior. Já
neste século, a poeta e designer Regina Pouchain – que nos honra com sua
presença nesta mesa – faria ótimas releituras cromáticas de “Libertarde” e de
outros de meus poemas visuais, que podem ser vistas na seção “Trabalhos/Poemas Visuais”
de meu site www.ronaldowerneck.com.br. Wlademir não diria “releituras”, mas “versões”. Isso porque, para ele, a versão é criativa: “Eu pego o poema
inaugural de um cidadão e faço uma versão. O que eu fiz foi acrescer a minha
experiência à conquista daquele poeta”.
Pois é, já lá se
vão 50 anos. A primeira vez em que vi Wlademir Dias-Pino, foi aí por volta de
1967, não sei bem se em Cataguases, na Mata Mineira, em casa do poeta Joaquim
Branco (onde ele concederia em 1977 longa entrevista sobre os rumos da poesia
visual para o Totem, jornal que então editávamos em conjunto). Ou, quem sabe,
no Rio, em Santa Teresa, numa reunião na casa dos poetas Neide e Álvaro de Sá,
já no início dos anos 1970. Ali, onde sempre ao lado de outros companheiros,
como o poeta-professor Moacy Cirne, tentávamos estruturar os rumos do Poema
Processo. Não sei bem se lá ou cá, mas o importante é que nunca me esqueci do
olhar de Wlademir.
Ele nunca nos
olhava diretamente, mas sempre enviesado, como se buscasse o infinito. “Quem
olha é responsável pelo que vê”, ele nos dizia na entrevista para o Totem, Um
olhar pra além, pra algo além. Futuro ou coisa que fosse. Esse olhar assim
desencontrado de Wlademir Dias -Pino é tudo o que eu captaria mais tarde como definição
do que fosse, seja ou é o que entendemos, ou não, sobre poesia visual. Que eu
prefiro chamar de “poema visual”, já que poema é uma coisa, poesia outra. Poema
é veículo, poesia reta de chegada.
A
vida no meio gráfico
Um rápido
flashback sobre a trajetória e o próprio nascimento de Wlademir Dias Pino já
nos deixa dúvidas logo de início. É certo que o poeta nasceu em 1927 no Rio
(Rua Pareto, na Tijuca). Mas em que mês? Fala-se em fevereiro, mas há registros
de abril, outros de maio. Ainda bem que ele está aqui e pode nos dizer a data
certa: afinal, já foi comemorado ou ainda vamos comemorar os seus 90 anos?
No Rio dos anos
1930, Luciano Pino, o pai de Wlademir, é militante comunista, jornalista e trabalha
como tipógrafo na Imprensa Nacional. Figura marcante em sua formação, sua mãe,
Laura, é quem ensina o filho a ler e a escrever. O método didático da mãe é
recortar com tesoura palavras dos jornais editados pelo próprio marido. Esse
sistema de recorte de palavras e formas é mantido durante toda a vida do poeta,
sendo a tesoura o instrumento de realização de várias de suas obras.
Na primeira
infância, Wlademir brinca com os tipos gráficos de chumbo: “Vivi no meio
gráfico, comecei a lidar com o tipo desde muito cedo e ficou aquele amor pela
forma das letras. Convivendo com o alfabeto desde a tenra infância, um dia
conclui que a maior arbitrariedade existente na cultura humana é a imposição do
código alfabético”.
Em 1937, por
razões políticas, Luciano, é forçado a transferir-se com a família para Mato
Grosso. Wlademir chega a Cuiabá com 10 anos e lá permanecerá até os 24. Nesse
período, costumava ler vorazmente os clássicos na biblioteca pública da cidade.
Seu pai foi responsável pela renovação gráfica da imprensa de Mato Grosso e,
como jornalista e comentarista, também produzia crítica de cinema e ensaios
sobre a vida social. Nessa época, Luciano conhece o poeta Manoel de Barros que
vai até sua casa para entregar um exemplar de seu primeiro livro. A visita do
jovem poeta mato-grossense marca o pequeno Wlademir que, anos mais tarde, seria
um dos responsáveis pelo início da divulgação de sua obra.
“Os
Corcundas”: Augusto e Philadelpho
Em 1938, com
apenas 11 anos, já escrevia livros de poemas. Sem seu consentimento e em
segredo, um dia seu pai, que administrava uma gráfica, publica um livro seu,
que retira de um conjunto de manuscritos. Extremamente tímido, quando vê a
edição Wlademir revolta-se e coloca fogo nos livros. Alguns exemplares são
salvos.
Coincidência ou
não, em 1967, para grande espanto dos transeuntes e de tutti quanti, os poetas do movimento do Poema Processo, Wlademir,
Álvaro, Neide e Moacyr Cirne à frente, queimam livros de poetas consagrados na
Cinelândia. “Espantar pela radicalidade” era seu slogan, a palavra de ordem.
Em 1939, “Os
corcundas”, seu primeiro livro conhecido, é impresso por seu pai, agora com sua
concordância, como atesta o cólofon na contracapa do único exemplar existente
desta edição. Wlademir ainda não completara 12 anos de idade. O universo
grotesco dos personagens do poema foi inspirado, segundo ele, na commedia dell'arte, que sua avó
apresentava aos netos, além de “forçá-los” a ouvir ópera e ler peças de teatro.
“Os corcundas e
suas deformações linguísticas./ O avesso do muro por toda a parte, o inverso./
Nuvens beliscando o perfil das coisas/ Trapézio com seus dentes catando //
arreiam seus olhos e como doadores de sangue/ se nivelam e dormem/ aos pés dos
cogumelos/ (ficando suas sombras)/ em ângulos retos borrados/ sobre seus
travesseiros de lilases/ macios como o tato/ (cabelos invisíveis)// e a nuvem
que desce forma uma jaula/ de manequins tombados”.
“Os corcundas” foi
reimpresso em 1954, passando essa data a aparecer equivocadamente como a data
em que foi escrito. Nas décadas de 1950 e 1960, a obra é objeto de análises
críticas em jornais e publicações nacionais. Em nenhuma delas é apontado o fato
absolutamente extraordinário, então desconhecido, de Wlademir tê-la escrito
enquanto ainda era criança, e o trabalho é tratado por toda a crítica como obra
adulta e plena, precursora formal de sua surpreendente originalidade e
capacidade inventiva.
Em 1956, escrevia
o poeta Augusto de Campos no Suplemento do Estadão: “A rebeldia de Wlademir se
manifesta ainda, ao nível semântico, pela dessacralização do “poético”, através
de um sistemático “culto do feio” ou do “mau gosto” em ‘Os Corcundas’, onde
ocorre a intromissão de um vocabulário rejeitado em poesia e que pela constante
reiteração chega a ser, mais do que prosaico, propositadamente incômodo e
perturbador. Nesse monturo de dejetos verbais Wlademir trata de revolver e
perseguir uma espécie de fenomenologia do indizível poético, para chegar ao fim
das calvas coisas. Ao mesmo tempo sente-se nele a consciência existencial da
solidão e da alienação do poeta no mundo moderno".
E também o
crítico e poeta Philadelpho Menezes, em seu livro Roteiro de literatura: poesia concreta e visual: "Entre o
muito que foi soterrado na história da poesia concreta, há que se dar um
destaque especial para o poeta Wlademir Dias-Pino. Em livros como ‘Os corcundas’,
do final da década de 1940, (sic) Dias-Pino mostra uma poesia incomum para os
padrões brasileiros. Com imagens estranhas, associações imprevisíveis, um vocabulário
rebuscado colocado numa sintaxe toda desconjuntada, sua poesia em verso é
surpreendente e pede uma reedição cuidadosa. Em ‘Os corcundas’, o tema é a
deformação física. Mas a deformação não fica só no tema. Ela invade a própria
linguagem, entorta a sintaxe das frases, põe vocábulos antipoéticos nos versos,
deforma as palavras".
Em “A fome dos lados”, de 1940, Wlademir, com
apenas 13 anos, descreve o impacto de ver o corpo de um amigo do pai torturado
e assassinado pela polícia de Filinto Müller na ditadura Vargas:” Aqui está a
mancha do assassinado/ livre agora era bom e é livre/ sua mancha horizontal e
leve/ como são leves as coisas horizontais// Eis o morto livre/ raso e vazio/ em
seu ninho de sangue calvo/ (calvo como a bala de fuzil)/ sangue que é escudo/ assim
tombado//Esse mesmo sangue cheirando/ ao sopro exausto de seu hálito calvo/ como
sombra duma parede lisa/ onde foi fuzilado outro rebelde”.
Em 1948, em Cuiabá, ao lado de outros poetas, como Silva Freire,
ele funda o movimento literário de vanguarda “Intensivismo”, trazendo em seu ideário fortes
inovações formais que antecipam as tendências mais radicais da poesia visual e
das artes plásticas dos anos 50 e 60. Wlademir
volta para o Rio de Janeiro em 1952. Nessa década, edita e programa
visualmente a Revista da União da Nacional dos Estudantes e participa dos
movimentos de vanguarda política e cultural da época. Mas, mesmo distante, está
sempre com um pé em Cuiabá, como ainda hoje.
De lá pra cá, é história já bem sabida, ou não: em 1958, o
“vitrinista” Wlademir transforma com sua arte o Carnaval do Rio numa grande
vitrine. Em 1962, escreve Antônio Olinto em sua coluna Porta de Livraria, no Globo:
“Há quatro anos,
fez o poeta Wlademir Dias-Pino, para a então Prefeitura do Distrito Federal,
uma série de desenhos concretos para a decoração de rua do Carnaval do Rio.
Pela primeira vez em nossa história, entrou esse tipo de desenho em contato com
o grande público. Os panos pintados por Wlademir acabaram sendo a inspiração
dos carnavais seguintes, e a verdade é esta: não pode mais o carnaval do Rio
voltar a ser figurativo, porque o povo se acostumou com os triângulos, os
círculos, o tipo geral de desenho, enfim, de Wlademir Dias-Pino”.
Concretismo & SDJB
Concretismo & SDJB
Um dos seis poetas-pioneiros do movimento da poesia concreta
no Brasil (junto a Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, Ferreira
Gullar e Ronaldo Azeredo), ele participa em 1956 da I Exposição
Nacional de Arte Concreta em São
Paulo, que chega ao Rio no ano seguinte. Publica poemas e textos no SDJB-Suplemento
Dominical do Jornal do Brasil, o grande veículo que acolheu o concretismo em
suas páginas. Em 1967, Wlademir é um dos fundadores do Poema Processo, ao lado
de Moacy Cirne, Álvaro e Neide Sá, entre outros.
Em 17.02.1957,
uma versão gráfico-visual do poema “A Ave” ocupa toda a terceira página do
SDJB. Em 23.02.1958 publica no mesmo SDJB artigo intitulado “Da negação e
positivação do espaço”, ilustrado por um fragmento em letras garrafais do poema
“A Ave”.
Destaco alguns,
vamos dizer, “aforismos” de seu texto:
“A arquitetura
antes de ser parede é o buraco onde o homem mora. É a arte de organizar vazios”.
“O músculo da
máquina é a exatidão, daí o ar abstrato das artes modernas. É como num poema
concreto: é tal a sua movimentação interior (em si) que ele passa a ser um
poema sem contorno”.
“Um poema escrito
é antes de tudo visual e não sonoro – ele não é um instrumento musical. Não se
há de confundir lira nem bandolim com um poema. A poesia é silenciosa”.
“A visão completa
do poema faz com que ele perca a lógica linear, o tal contorno que é o máximo
de continuidade de uma linha”.
“Poesia concreta
é o aparecimento máximo dos recursos naturais da palavra, porém não é a palavra
flexível e sim os seus movimentos de ligação. Por isso, a poesia concreta não
ser confundida com trocadilho”.
Na entrevista que concedeu em 1977 ao Totem, realizada
por Joaquim Branco, dizia Wlademir:
“Dentro da poesia
concreta a poesia está ligada ao sentido de conteúdo. É importante: não pode
existir o poético sem o conteúdo. O conteúdo é o mais importante no sentido de
poesia, natural do poético. Agora, quando é o poema independe do conteúdo, quer
dizer, o grafismo ou a forma de registro é mais importante do que o conteúdo”.
“O poema pode ser
poético ou não, como um quadro pode ser bonito ou não. O poema independe do
poético: a inscrição é mais importante que o conteúdo. Então ele está muito
mais próximo do sentido de linguagem do que a poesia”.
“O que é
importante dentro do poema passa a ser então o processo do poema. Na poesia, o
que se lê é a estrutura, como foi estruturada a poesia”.
“O que importa no
poema é o processo que ele encerra. Você vê o processo. Daí a possibilidade da
versão. Na poesia se faz tradução do poético. No poema, não. Não se permite uma
tradução do poema, mas uma versão”.
Num de seus
poemas nascidos ainda Cuiabá, Wlademir registra: “muro gradeado de fuzilaria/
encostado ao limite/ – represa social.// O muro é a tela para todo o poema”. Pound
tinha razão: os poetas são as antenas da raça. Esse velho muro de Wlademir, num
olhar de hoje, antecipador de uma cena pseudo-paulista, é mais que up-to-date: é o grafite que esplende na
integridade de sua arte.
Perdão Wlad,
mesmo sabendo ser o poema visual e não sonoro, não resiste a falar trechos de “A Ave”, como na na
abertura dessas minhas palavras. Menos ainda a dizer o poema que cometo a seguir, versão e fecho apressado de meu
texto e de seu próprio poema.
ave
vae
ave
ave voa
voar
é preciso
vae
é preciso
ir
vae vae
mirar
ir
ave wlad
vae
ave ave
ave wlademir
Ronaldo
Werneck
Cataguases, março 2017
2 comentários:
Parabéns Ronaldo, adorei o trabalho do Wlademir Dias. Precioso este texto sobre sua trajetória. Grato.
Maurício Rosa
Ave, RW.
Voei no teu texto q nem ave
Vou agora
pousar
pensar apenso
neste voo
Ave ruminando
lavras & palavras
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