“O mundo, meu
filho, é um deserto aborrecido”, já dizia o pai de meu amigo, o contista Carlos
Alberto Castelo Branco. Um
deserto aborrecido! Que bela sacada essa do patriarca das figuras castelares,
do Castelão-mór! Um tédio só, esse mundo. Les événements m’ennuient,
lembrava Drummond na epígrafe de Claro Enigma, citando o poeta Paul
Valéry. Sim, os acontecimentos me entendiam. Ou, mais simples e sucinto, como o
Castelo-pai: me aborrecem, tout court. “Nada de novo sob o sol”: o mundo
hoje se repete como no novelhíssimo Eclesiastes. Pelo menos esse mundo que me
chega por satélite ou pelo Correio. Falar
nisso, palmas pro Correio de Cataguases – por enquanto, e desde que
voltei, infalível na entrega de minha correspondência, dos jornais, livros,
revistas & quejandos. Mas, vamos aos fatos que povoam esse deserto
aborrecido.
“Armados &
Perigosos” é a manchete de capa da Revista Time que recebi hoje, com
data de 6 de abril: sorridente dentro de sua “roupinha pueril”, cópia debilóide
de um uniforme do exército americano – semelhante em tudo ao traje de qualquer
soldadinho desse mundão aborrecido –, um menino que mal mudou as fraldas segura
em suas “inocentes” mãozinhas um rifle imenso.
O molecote é o
espelho ideal para a matéria que começa na página 11 da Time, onde ele rides
again com a carinha matreira, seu chapéu de caubói, a camisa xadrez & o
longo capote à la John Wayne. Um protótipo de pistoleiro que se confirma quando
percebemos estar a figurinha displicentemente apoiada em uma de suas três
pernas, na clássica pose dos mocinhos do faroeste: a terceira perna é,
naturalmente, um rifle maior que as outras duas.
Notem que
chamo indiscriminadamente as duas armas de “rifle”. porque delas nada entendo,
nem nunca por elas me interessei. Chamo isso de rifle, boa rima para patife. Ao
lado do nosso fedelho que imita John Wayne – o mesmo que já vimos na capa da
revista – em foto de igual porte, ocupando 2/3 da página, encontra-se um
robusto pré-adolescente, com as faces extremamente rosadas de um típico little
boy americano. Seus cabelos estão no rigor da moda, esse corte de marginais
idiotas, ditado pela máquina de raspar nº 4 e copiada em toda a “aborrecida
& aborrecente” aldeia global. Mas o que salta mesmo à vista é que, ao contrário
do fedelho que vemos na página ao lado, nós não o olhamos; somos, ao contrário,
mero objeto de seu olhar. Esse menino nos olha com olhos frios, com uma
inesperada arrogância que brota de seu sorriso rosado e desafiante.
Esse olhar fixo e
penetrante agora nos dá medo. Agora que sabemos pertencer a Mitchell Johnson,
um adolescente de 13 anos que, com seu “fiel companheiro” Andrew Golden, 11
anos – o frangote do rifle, o little patife da capa – foi o responsável
pela chacina de várias colegas e de uma de suas professoras na escola onde
estudavam em Jonesboro, no Arkansas.
The Hunter and
the Choirboy é
o título que Time dá a matéria sobre a matança. “O caçador e o menino do
coro”. Quer dizer, o “patife do rifle”, já nosso conhecido, e o gordote de olhar
frio, o “menino do coro”, assim chamado porque acabara de “aceitar Jesus e sua
salvação”, segundo o jovem pastor Christopher Perry, ministro da Igreja Batista
de Jonesboro. O jovem Mitchell – que gracinha! – deleitava os fiéis da
congregação Batista de Jonesboro com a suavidade de sua voz de menino do coro.
“Eu era como um
menino diante de um palco/Odiando a cortina como se ela vedasse meu sonho”. Time
usa como epígrafe de sua matéria esses dois versos extraídos de “As
Flores do Mal”, de Charles Baudelaire, que ouso “transcriar” do inglês da
revista, pois meu original de Les Fleurs du Mal de Baudelaire ainda está
perdido entre as caixas de livros que trouxe do Rio e sequer comecei a abrir.
Uma epígrafe mais
que expressiva, iluminada como se sob a luz de um spot sobre a cena onde
explode a raiva do jovem Mitchell Johnson ao receber um fora da namorada – pano
que fecha rápido, bloqueando o palco de seus anseios. Junte-se essa raiva à
facilidade cotidiana no manejo das armas, qualquer arma, possibilitada a qualquer
frangote, a qualquer american (cow)boy. Junte-se ainda essa raiva, esses
rifles, ao encontro com o outro little patife e teremos o script
mais do que óbvio da nova tragédia americana.
Nova
tragédia americana? Não, que bobagem! Ela é novelhíssima, como o surrado
Eclesiastes aqui citado. A mesma Time constata em outra matéria
(“Através da Rota do Diabo”) a aberração representada por esses massacres
escolares e repete a velha e inquietante pergunta: “Por que crianças matam?”,
Ora, direis, para ver estrelas! Para ver reluzindo as estrelas dos xerifes do
faroeste que fizeram de suas mentes.
Pearl, Mississipi,
1º de outubro de 1997: Luke Woodham, 16 anos, mata a própria mãe e dois colegas
de classe com um rifle calibre 22. West Paducah, Kentucky, 1º de dezembro de
1997: armado com uma pistola Ruger calibre 22, Michael Carneal, 14 anos, abre
fogo sobre os participantes de um culto religioso em sua escola, momentos antes
do início das aulas. Ao ser empurrado contra uma parede por um colega que
tentava impedir o massacre, Carneal lhe diz: “Mate-me, por favor. Não posso
acreditar que fiz isso”. Stamps, Arkansas, 15 de dezembro de 1997: Joseph Todd,
14 anos, apelidado de “Colt”, é acusado de atirar “casualmente em dois colegas
de escola”. O xerife da localidade disse que Todd atirara a esmo, não se
importando com quem pudesse atingir: “o que ele queria era ferir alguém,
qualquer alguém”.
Ronaldo Werneck
Jornal
Cataguases/12-04-98
Um comentário:
¡¡¡ MUNDO PERRO !!! ¿" Qué mundo é esse "?¡?!
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